Autocrítica é isso: Lula pediu perdão na África pela escravidão no Brasil. O único presidente a fazê-lo. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 20 de novembro de 2019 às 11:01
Lula, o presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, e a mulher dele

Autocrítica é isso.

Em 15 de abril de 2005, Lula pediu perdão aos africanos pelos negros que serviram de escravos no Brasil.

Estava na ilha de Gorée, no Senegal, de onde partiam os navios negreiros.

Por seu significado histórico e pela preservação, Gorée recebeu da Unesco, em 1978, o título de Patrimônio da Humanidade.

A maior atração turística é a Casa dos Escravos, que exibe grilhões, bolas de ferro, máscaras metálicas. Gilberto Gil e Capinam compuseram uma canção que diz assim:

A lua que se ergue
Sobre a ilha de Gorée
É a mesma lua
Que se ergue sobre o mundo todo
Mas a lua de Gorée
Tem uma cor profunda
Que não existe
Em nenhuma outra parte do mundo
É a lua dos escravos
A lua da dor

Em setembro, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, admitiu que seu povo cometeu crime contra a humanidade na invasão da Polônia na Segunda Guerra.

Em 7 de dezembro de 1970, o chanceler alemão, Willy Brandt, caiu de joelhos diante do Memorial aos Heróis do Gueto de Varsóvia, onde judeus foram massacrados em 1943.

A matéria da Folha sobre a visita de Lula segue abaixo. Já fomos mais nobres. Podemos ser de novo:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu “perdão” ontem aos africanos pelos negros do continente que foram enviados ao Brasil em séculos passados para trabalhar em regime de escravidão.

Ao falar na Ilha de Gorée (Senegal), ponto de saída dos navios negreiros, o presidente e a comitiva se emocionaram.

Lula discursou na chamada Casa dos Escravos, onde os negros eram pesados, presos e acorrentados antes de embarcarem aos países colonizados por europeus. Estava ao lado do presidente Abdoulaye Wade, que agradeceu as palavras do colega brasileiro, chamando-o de “o primeiro presidente negro do Brasil”.

“Queria dizer ao presidente Wade e ao povo do Senegal e da África que não tenho nenhuma responsabilidade com o que aconteceu no século 18, nos séculos 16 e 17. Mas penso que é uma boa política dizer ao povo do Senegal e ao povo da África: perdão pelo que fizemos aos negros.”

A fala do presidente emocionou a comitiva brasileira. Ministros, assessores e até alguns jornalistas choraram. Visivelmente, o mais emocionado era o ministro Gilberto Gil (Cultura).

Assim como o papa João Paulo 2º fizera, Lula passou pela porta do “nunca mais”, chamada assim pela certeza que os escravos tinham de não mais retornar quando passavam por ela para embarcar nos navios negreiros.

Após o discurso, Lula comentou o pedido de perdão. “É como uma dor de cálculo renal. Você tem de sentir, não dá para dizer. É a pior dor do mundo. Só estando ali [Casa dos Escravos] para ter a dimensão do que todas as pessoas sentiram por 300 anos.”

E, a seguir, mais uma vez citou o papa. “Quando se comete um grave erro histórico, como no caso dos negros e dos judeus, o papa [João Paulo 2º] nos ensinou que é fácil pedir perdão.”

Ontem, em Dacar, Lula encerrou sua quarta visita oficial à África -que começou no último domingo e incluiu cinco países (Camarões, Nigéria, Gana, Guiné-Bissau e Senegal). O enfoque da visita ficou com as questões políticas e culturais, com a assinatura de alguns acordos comerciais.

Na Ilha de Gorée, disse que a viagem ao continente não foi apenas para “fazer negócios”, mas sobretudo pela “consciência da dívida histórica que temos com o continente africano”.

Pregação

À comunidade brasileira no Senegal, Lula se apresentou ontem como um pregador da harmonia entre os países.

Em discurso improvisado aos brasileiros no saguão do hotel em que estava hospedado, disse que sua “pregação” pelos países que tem visitado é para “construir uma convivência harmônica na sociedade” e para trocar experiências.

Na mesma fala, disse que está há “pouco tempo” no governo e que, diante dos opositores, é preciso “tolerância” e “generosidade” para conviver democraticamente.

Antes de ir para o aeroporto de Dacar, Lula disse que não leu jornais na África. Questionado se já tem conversa marcada com o PMDB para tratar das novas acusações ao ministro Romero Jucá (Previdência), respondeu: “Eu sou um conversante”.