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Ave, Zé de Abreu. Por Leandro Fortes

José de Abreu é “aclamado” no aeroporto em sua chegada ao Brasil

No romance “Complô contra a América”, Philip Roth mistura personagens reais com outras, fictícias, para emoldurar uma obra literária chocante e absurdamente atual: o destino distópico dos Estados Unidos nas mãos de um presidente fascista eleito democraticamente, nos anos 1940.

Muito já se discutiu sobre a semelhança dessa obra do grande escritor americano, falecido em 2018, com a ascensão de Donald Trump, nos EUA. Mas foi a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, no Brasil, que fez de “Complô” uma obra de clarividência.

Há uma clara semelhança ideológica do presidente eleito, no livro, o aviador Charles Lindbergh, com o Bozo. Lindbergh havia se tornado herói nacional por ter sido o primeiro homem a cruzar o oceano Atlântico em um monomotor, não obstante suas posições antissemitas e de ser simpatizante da Alemanha Nazista, antes de os EUA entrarem na Segunda Guerra Mundial, em 1941.

Com a fictícia vitória de Lindbergh sobre Frank Delano Roosevelt, os EUA iriam se declarar neutros, em favor de Hitler, e, internamente, incentivar a violência, perseguição e morte de judeus, imigrantes, negros e, claro, esquerdistas.

Agora, chego ao ponto e ao objetivo desse artigo. Há outra personagem real inserida na obra, justamente a que faz o ponto de inflexão na história: Walter Winchell, jornalista de esquerda que, no livro de Roth, coloca um caixote no chão e inicia uma cruzada pessoal, a partir de discursos solitários, em praças e ruas de Nova York, criando a narrativa que daria ao povo americano as armas morais para, enfim, se sublevar.

Walter Winchell tem, na obra de Philip Roth, o mesmo papel que o ator José de Abreu, agora, tem na tragédia brasileira encenada por um presidente igualmente fascista e cercado de dementes, como Lindbergh, em “Complô contra a América”.

As críticas que tenho lido à autoproclamação de Zé de Abreu, noves fora os retardados do bolsonarismo, estão eivadas de profundo rancor pessoal e inveja, justamente porque ele, sozinho, dentro de uma piada, conseguiu trazer mais esperança e energia de luta do que tudo que as esquerdas tentaram, até agora – aí incluída a campanha tristonha de Fernando Haddad, nas eleições de 2018.

Ao autoproclamar-se presidente da República, de forma extremamente generosa, Zé de Abreu fez o caminho contrário de Lindbergh, voou do Velho Mundo para a América para nos dizer: não desistam, estamos todos juntos. Veio sob o risco de ficar isolado profissionalmente, de sofrer violências físicas e verbais, de se submeter aos assassinatos de reputação diários perpetrados pelos nazistas que também Winchell teve que enfrentar.

Zé de Abreu, esse grande artista do Brasil, fez mais pela nossa luta contra o fascismo, até agora, que 100% das pessoas que, anestesiadas nas redes sociais, sentiram-se ofendidas pela coragem, graça e bom humor desse grande brasileiro.

Ave, Zé, os que vão lutar contigo lhe saúdam.

Leandro Fortes

Leandro Fortes é jornalista, professor e escritor. Trabalhou para o Jornal do Brasil, O Globo, Correio Braziliense, Estadão, Revista Época e Carta Capital.

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