Outro dia eu estava falando sobre o final de um dos meus filmes favoritos, Annie Hall (Noiva Nervosa, Noivo Neurótico; ou vice-versa), de Woody Allen. Ah, não estava? Não faz mal. Falo agora. Poucos filmes, acho, conseguiram captar com tanta riqueza, tanta intensidade a dificuldade de um relacionamento. No final, abandonado por sua mulher (o melhor papel de Diane Keaton), o protagonista (ele, claro: Woody) fala sobre os relacionamentos. E usa uma parábola psicanalítica.
É mais ou menos assim: um homem que acredita botar ovos vai ao psicanalista. Este tenta convencê-lo do absurdo que é pensar que bota ovos. O homem até que concorda, mas diz que não vai mudar. “Por quê?”, pergunta o psicanalista. “Porque não posso viver sem os ovos.” Os ovos, no final do filme, fazem as vezes dos relacionamentos. A gente sabe que são absurdos, mas não consegue viver sem eles. (Me perdoem se errei alguma coisa nessa transcrição cinematográfica de cabeça. Prometo, em todo caso, ver o filme de novo antes de voltar a falar dele.)
Ah, antes que esqueça: Diane Keaton cantando Seems Like Old Times, num barzinho de Manhattan, é uma cena absolutamente maravilhosa. Seems like old times/Having you to walk with. Mas eu queria falar é da dificuldade dos relacionamentos. Meu Tio Fabio, um homem sábio do interior, costuma dizer o seguinte: “Uma das razões pelas quais nos desiludimos tanto na vida que nos iludimos demais”. Simples e irretocável, como tudo que Tio Fabio fala. Aquilo vale para tudo: ilusões demais, desilusões demais. Nas relações amorosas a coisa é exatamente assim.
Costumamos iniciar cada romance com a expectativa de um conto de fadas. Nada menos que isso pode ser satisfatório: um conto de fadas em que todos terminemos felizes para sempre. Em que todos somos, eternamente, príncipes e princesas. Queremos do outro que resolva todos os nossos problemas. Todas as nossas frustrações. Que preencha todos os nossos vazios. E, quando isso não acontece, nos sentimos imensamente fracassados. E projetamos no outro toda a responsabilidade pelo fracasso. É o começo do inferno.
Eu diria o seguinte. Um bom passo para tentar uma relação melhor é diminuir as expectativas. Contos de fada não existem. Mas existem romances divertidos, intensos e marcantes. Que não precisam necessariamente durar uma vida inteira. Pretensões menores geram decepções menores. Quando vejo um amigo dizer que está vivendo um legítimo conto de fadas, pressinto logo o tombo. Raramente me enganei.
Calma. Não estou fazendo uma ode à acomodação. Não estou sugerindo a ninguém que se conforme com uma relação morna como aquela água que você esquece fora da geladeira no verão. Isso é torpor, não romance. Apenas estou recomendando que a dose de expectativa se razoável. Razoável quer dizer: que caiba dentro dos limites da razão. Não da ilusão.
O resto é tentar. Considero “tentar” um dos verbos mais lindos do idioma: denota esforço, sacrifício, combate. Mais de uma vez pensei que meu epitáfio bem que poderia ser este: “Fabio Hernandez – Ele tentou”. Tentar. Sempre tentar, ainda que tantas vezes, em certas noites escuras e frias, tenhamos vontade de dizer: chega, chega, chega. Mesmo porque – bem, nós não podemos viver sem os ovos, podemos?