Bala que matou Ágatha não tem “dono”. Por Fernando Brito

Atualizado em 1 de outubro de 2019 às 10:05
A kombi onde Ágatha foi morta

PUBLICADO NO TIJOLAÇO

POR FERNANDO BRITO

A Folha divulga as conclusões da perícia do governo do Rio de Janeiro que “conclui” que o projétil que matou na madrugada de sexta para sábado a menina Ágatha Félix, de 8 anos, “não está em condições de ser comparado às sete armas apreendidas com policiais militares que estavam trabalhando na noite em que a menina foi morta”. No corpo, haveria apenas “um núcleo de chumbo endurecido, sem seu revestimento metálico, pesando 4,5 gramas e medindo até 21,55 mm de comprimento” sem “elementos técnicos para determinar calibre nominal, número e direcionamento das raias [ranhuras que indicam o calibre], bem como de microvestígios de valor criminalístico, fato que o torna inviável para o exame microcomparativo”.

Curioso, porque o tiro não foi, ao que se informa, transfixante e, antes de atingi-la, atravessou apenas o encosto do banco da Kombi onde Ágatha estava. Ou seja, simples estofamento em torno de um aramado, nada que pudesse, em princípio, produzir uma deformação que tornasse o projétil irreconhecível.

Muito ruim para um procedimento que começou com um extremo atraso, a começar pela coleta das armas 60 horas depois do episódio. Três delas foram usadas na noite do crime mas, inacreditavelmente, as outras estão ainda fazendo “testes de eficácia” para descobrir, transcendentalmente, “se funcionam”. Mais, a Kombi onde ocorreu o assassinato está retida de forma desidiosa:

A kombi em que ela foi atingida já foi periciada e continua no estacionamento da delegacia, acessível a qualquer um que passa ao lado da unidade, com os vidros abertos. É possível ver a marca do tiro no banco traseiro, mas não há furos no porta-malas, que estava aberto no momento do disparo.

Ou seja, qualquer um pode destruir evidências úteis para um reexame.

Ora, quando todas as testemunhas civis dizem que não havia tiroteio e as autoridades – até o vice-presidente Hamilton Mourão! – dizem que isso “foi coisa do narcotráfico”, a perícia é um elemento fundamental, que não pode ser tratada superficialmente. Se o perito encarregado não conseguiu, que se chamem outros, que se produzam novos exames, que se façam todos os estudos que possam , ao menos, o calibre da arma.

Ao menos isso, se nada deu senão uma bala, o Estado deve a Ágatha.