Bancos descumprem regra do BC e fazem débitos indevidos de aposentados do INSS

Atualizado em 18 de agosto de 2025 às 10:47
Os bancos Santander, Itaú e Bradesco. Foto: Reprodução

Bancos privados estão realizando débitos automáticos em contas de aposentados do INSS sem autorização formal, violando normas do Banco Central (BC) em vigor desde 2021. A prática expõe idosos a cobranças indevidas feitas por clubes de benefícios e uma empresa financeira, alvos de ao menos 61 mil processos na Justiça na última década.

Levantamento do Escavador, plataforma que reúne informações sobre processos em todas as esferas do Judiciário, feito a pedido do UOL, identificou que Bradesco, Itaú e Santander registram os principais casos, sendo o Bradesco disparado o mais citado. Não foram encontrados episódios envolvendo bancos públicos como Caixa e Banco do Brasil.

Segundo o BC, o banco só pode dispensar a autorização do cliente quando o débito automático for solicitado por outra instituição financeira devidamente autorizada pelo órgão — o que não é o caso dos clubes Sebraseg, Binclub e da empresa Paulista Serviços de Recebimentos e Pagamentos, apontados no levantamento. Nesses casos, a regra exige que a autorização seja fornecida diretamente pelo cliente aos bancos.

Cobranças ilegais e brecha no sistema

O Bradesco realizou débitos para Sebraseg e Binclub sem autorização dos correntistas, apesar de ambas não serem instituições financeiras. Bradesco, Itaú e Santander também processaram débitos automáticos solicitados pela Paulista, que, embora cadastrada como financeira, não é autorizada pelo Banco Central — o que também exigiria consentimento formal dos clientes.

Em junho, foi revelado que milhares de aposentados foram vítimas desse tipo de débito, indicando acesso irregular aos dados bancários do INSS necessários para cadastrar a cobrança (nome, CPF, banco, agência e conta).

Qual a resposta dos bancos?

O Itaú informou que, após reclamações de pensionistas sobre débitos automáticos feitos pela Paulista, suspendeu as cobranças, ressarciu os clientes prejudicados dos quais não comprovou autorização e passou a exigir consentimento. O Bradesco e o Santander não responderam aos questionamentos.

O Banco Central, por sua vez, declarou apenas que, nesses casos, os bancos são obrigados a contar com “procedimentos e controles para confirmar a identidade do titular e assegurar a autenticidade da autorização”, sem comentar o descumprimento da norma.

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Banco Central do Brasil. Foto: Reprodução

Na Justiça, bancos alegam “apenas executar” as cobranças

Em 100 processos analisados, nenhum banco apresentou autorização assinada pelos clientes. Na Justiça, as instituições alegam que não podem ser responsabilizadas por cobranças feitas por terceiros, defendendo que apenas “executam o débito”. Em uma ação, o Bradesco comparou-se a “asfalto em acidente”, tentando afastar sua responsabilidade.

Apesar disso, os bancos lucram com tarifas cobradas por transação — até R$ 11 por débito no caso do Bradesco e R$ 8 no Santander. Estima-se que, se uma empresa descontar R$ 50 de 100 mil correntistas, arrecade R$ 60 milhões em um ano, dos quais até R$ 13,2 milhões ficam com a instituição bancária.

Para o professor Alexandre Chaia, do Insper, “o banco deveria ter pedido ok do cliente”. “Teve uma falha. Alguém errou”, disse.

Clubes admitem irregularidades

Sebraseg e Binclub admitiram, em nota, irregularidades com manipulação de dados e disseram afastar diretores, devolvendo em dobro o valor cobrado indevidamente.

Criados em 2020, os clubes acumulam 28,8 mil processos, com o Bradesco réu em 7 mil deles. Segundo as empresas, o banco autorizava os débitos “por ser vantajoso economicamente”.

“Sebraseg e Binclub tinham convênio com o banco Bradesco. A instituição autorizava esses descontos, com certeza por ser uma maneira vantajosa de levantar valores”, disseram as empresas.

Pressão sobre a Paulista Serviços

A Paulista Serviços, financeira sediada na Avenida Faria Lima (SP), acumula 32 mil ações por cobranças indevidas. Só com o Bradesco foram 7 mil processos — mais de 95% das ações. Itaú e Santander aparecem em menor escala.

Na Justiça, o Bradesco argumentou que não poderia questionar o cadastro feito pela empresa. Itaú e Santander usam linha semelhante, afirmando que a responsabilidade é “inteiramente” da Paulista. Esta, por sua vez, diz repassar até 95% da taxa cobrada — que pode chegar a R$ 10 por débito — diretamente aos bancos.