Bandeira de Mello: “Se eu fosse do PT, pediria que o presidente do Supremo fosse processado”

Atualizado em 17 de outubro de 2014 às 17:45

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O julgamento do caso do “Mensalão” foi político e inconstitucional, na avaliação de Celso Antônio Bandeira de Mello, que é reconhecido como um dos mais brilhantes e respeitados juristas brasileiros.

Professor Emérito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- -SP), Bandeira completa 77 anos na próxima semana envergonhado com o papel cumprido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento.

“Esse julgamento é viciado do começo ao fim. Agora, os vícios estão se repetindo, o que não é de estranhar. Não vejo nenhuma novidade nas violações de direitos. Confesso que fiquei escandalizado com o julgamento”, diz.

Na sexta-feira (11), 11 condenados do processo foram presos, como o ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno, e o ex-ministro da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu. Bandeira critica o “açodamento” das prisões e considera “gravíssimo” o tratamento dado a Genoíno, que passou recentemente por uma cirurgia no coração e está doente.

Pergunta – A prisão dos condenados da ação antes do julgamento dos embargos infringentes cumpriu o rito jurídico?

Bandeira de Mello – Houve um açodamento. Começaram a cumprir em regime fechado mesmo aqueles que deveriam estar em regime semiaberto. A meu ver, todo o julgamento foi ilegal. Diria até inconstitucional. A começar, por suprimir uma instância, quando fizeram todos serem julgados no STF, o que não era o caso. Esse julgamento é viciado do começo ao fim. Agora, os vícios estão se repetindo, o que não é de estranhar. Não vejo nenhuma novidade nas violações de direitos. Confesso que fiquei escandalizado com o julgamento.

P – Por que José Dirceu e José Genoíno foram levados para Brasília, se trabalham em São Paulo?

Bandeira de Mello – Foi por exibição do presidente do Supremo [Joaquim Barbosa] , que saiu de foco por uns dias e quis voltar. Mas é uma mera interpretação subjetiva. Só posso dizer que é uma coisa lamentável. Não há nada que justifique. Em princípio, eles deveriam cumprir a pena o mais próximo possível das residências deles. Se eu fosse do PT ou da família pediria que o presidente do Supremo fosse processado. Ele parece mais partidário do que um homem isento.

P – Genoíno deveria receber um tratamento diferente pelo fato de estar doente?

Bandeira de Mello – É gravíssimo. Tenho quase 80 anos de idade e nunca na minha vida vi essas coisas se passarem. Nunca. Ele tinha que ter um tratamento em função do estado de saúde dele. É o cúmulo o que está se passando. É vergonhoso.

P – Genoíno e Dirceu dizem que são inocentes e que são presos políticos em plena democracia. Como o senhor avalia isso?

Bandeira de Mello – Eles têm razão: foi um julgamento político. Não foi um julgamento com serenidade e isenção como deveria ter sido. Basta ver as penas que eles receberam, piores do que de indivíduos que praticaram crimes com atos de crueldade e maldade.

P – José Dirceu foi condenado com base na teoria do domínio do fato. Existem provas concretas que o condenasse?

Bandeira de Mello – Esse é outro absurdo. Não existe nenhuma prova concreta que justifique essa atitude. É simplesmente um absurdo e um retrocesso no Estado de Direito. Primeiro, o próprio elaborador dessa teoria [o jurista alemão Claus Roxin] já afirmou que foi mal aplicada. Segundo, essa teoria é uma bobagem, pois contraria princípios do Estado de Direito. Uma pessoa é inocente até que se prove o contrário. Isso é uma conquista da civilização. Portanto, são necessárias provas de que realmente a pessoa praticou um crime ou indícios fortíssimos. Sem isso, não tem sentido.

P – Genoíno foi condenado por ter assinado um cheque de um empréstimo como presidente do PT. Depois, o valor foi pago pelo partido. Esse procedimento justifica a condenação dele?

Bandeira de Mello – Não justifica. As condenações foram políticas. Foram feitas porque a mídia determinou. Na verdade, o Supremo funcionou como a longa manus da mídia. Foi um ponto fora da curva.

P – E a atuação do ministro Joaquim Barbosa?

Bandeira de Mello – Certamente, ele foi o protagonista principal, mas não foi o único, porque não podia ter feito tudo sozinho. Quem brilhou nesse episódio foi o ministro Ricardo Lewandowski, que foi execrado pela mídia e pela massa de manobra que essa mesma mídia sempre providencia. Se o Judiciário desse sanções severíssimas à mídia, como multas nos valores de R$ 50 milhões ou 100 milhões, agiriam de outro jeito. Mas com as multinhas que recebem, não se incomodam a mínima.

P – Você acredita em uma contra ofensiva em relação ao Poder Judiciário, diante das contradições cada vez mais evidentes nesse episódio?

Bandeira de Mello – Acho muito difícil, porque a mídia faz e desfaz o que ela bem entende. Na verdade, foi ela a responsável por tudo isso. O Supremo não foi mais que as longa manus da mídia.

Este texto foi publicado no Rede Brasil Atual