Bandeira “Lula livre” sintetiza o compromisso com o Estado de direito. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 13 de junho de 2019 às 17:00

Publicado no Facebook de Luis Felipe Miguel

Lula livre (Foto: Eduardo Matysiak)

POR LUIS FELIPE MIGUEL

É difícil imaginar que as denúncias do Intercept Brasil serão mesmo abafadas, mas parece que é esta ainda a melhor aposta para eles. Os diálogos já divulgados entre Moro e Dallagnol não dão margem a dúvidas: Moro agiu de forma criminosa e a Lava Jato opera como uma conspiração contra o Estado de direito.

Não há o que interpretar aí. A cortina de fumaça, liderada pela Rede Globo, visa impedir que as pessoas tenham acesso ao fato, ao diálogo. O problema é o vazamento, ignora-se o que foi vazado.

A naturalização dos malfeitos de Moro, desde o início da Lava Jato, contribui para reduzir o impacto do escândalo junto a uma parcela importante da população. Ele sempre foi mais o justiceiro do que o juiz. Sempre foi o algoz do PT. Quem não se lembra das capas de revista com “Moro vs. Lula”, como se fosse uma luta de boxe, quando o ex-presidente foi ouvido pela primeira vez?

Se fosse mesmo uma luta de boxe, Lula teria naquela ocasião vencido por nocaute. Mas seu adversário não era outro lutador e sim o juiz. Que, mesmo caído no tablado, mantém o poder de decidir o nome do vitorioso.

Moro não é o nosso Vyshinsky – que atuava em julgamentos forjados, mas era procurador. Moro é o nosso Torquemada, que liderava a campanha e, ele próprio, condenava.

Todos sabíamos disso? Sim. Mas há uma diferença, que não é insignificante, entre julgar com um parti pris invencível, o que é imoral, mas de alguma maneira subjetivo, e conspirar com um dos lados do processo, o que é a violação do princípio mais elementar da prática judicial.

Tenta-se impedir que o conhecimento do fato e a consciência de sua gravidade cheguem ao público porque não têm como negá-lo. Alguns coadjuvantes, como jornalistas venais e agora Jair Bolsonaro, esboçam tímidas tentativas de pôr em dúvida a autenticidade do material do Intercept Brasil, mas os principais implicados evitam esse caminho, certamente porque sabem que ele não se sustenta por muito tempo.

O próprio desdobramento da crise, com revelações continuadas que a cada vez exigem respostas, prejudica a estratégia de abafá-la. Mínions nos estádios ou nas redes sociais podem insistir que “o crime de Moro foi combater a corrupção”, mas pessoas que não abdicaram do uso do próprio cérebro não têm como aceitar esta conclusão. Em particular, este caminho está vedado para políticos que querem ao menos fingir compromisso com a democracia e para operadores do direito.

Se não é possível negar as revelações nem abafá-las, sobra para Moro e para os seus a defesa quase sem pudores de um regime autoritário, que condena sem julgamento. Um dos desfechos possíveis da crise é, portanto, que sejam dados passos a mais na instauração de uma ditadura aberta.

Ontem, por outro lado, o Intercept Brasil dobrou as apostas. Greenwald implicou fortemente a Rede Globo – ao que parece, reagindo à clara decisão editorial da empresa da família Marinho, de mentir e manipular o quanto seja necessário na cobertura do caso. Novos trechos publicados incluíram os Estados Unidos como participantes da conspiração. E, no saboroso teaser concedido a Reinaldo Azevedo, entrou no jogo o Supremo (“in Fux we trust”).

Muitos flancos de luta abertos ao mesmo tempo. Imagino – ou quero imaginar – que estes movimentos partem da certeza de que o material a ser divulgado é poderoso o suficiente para enfrentar a reação que virá. Com inteligência, os jornalistas do Intercept Brasil trabalham com a vantagem estratégica de que desfrutam, que é exatamente o fato de que o outro lado não sabe com qual material eles contam.

Talvez seja possível contar também com certa competição entre os agentes dos campos midiático e judiciário. O ataque à Globo pode incentivar a Folha, sempre matreira, a simular novamente algum “jornalismo sério”. O petardo contra Fux mobilizaria o corporativismo do Supremo, mas a corte anda tão conflagrada que pode ter efeito contrário.

Com o aumento da tensão, deve subir a pressão para que Moro se demita. Para seu público cativo, o ministro assumiria o papel de “mártir da luta anticorrupção” – e, com Bolsonaro no papel equívoco de fraco ou traidor, ocuparia de vez a posição de chefe do fascismo brasileiro, pensando em 2022.

É difícil, porém, que a demissão de Moro resolva a crise. Caso se aprofundem as evidências de envolvimento de Fux, sua permanência no STF fica inviável. Ao mesmo tempo, o governo Bolsonaro perderia de vez as condições de indicar um novo ministro para a corte.

E, claro, o grande desafio a ser enfrentado: Lula. As fragilidades da sentença de Moro já eram conhecidas, mas agora ruiu de vez qualquer possibilidade de sustentar a condenação. A anulação do julgamento é uma questão básica de justiça. Mas significa enfrentar um veto da classe dominante, verbalizado mais de uma vez pela alta hierarquia do Exército.

Outrossim, como diriam os hackers, a revisão da condenação de Lula abre outro tema espinhoso: a ilegitimidade das eleições de 2018. Os diálogos já publicados comprovam que a Lava Jato se guiou pelo objetivo de impedir a candidatura do ex-presidente e a vitória de qualquer candidato do centro para a esquerda do espectro político. O mesmo imperativo de justiça que exige a imediata libertação de Lula exige a anulação do pleito e a convocação de novas eleições.

Não é um enfrentamento fácil. Mas não cabe ao campo popular se contentar de antemão com soluções de compromisso.

A bandeira “Lula livre” sintetiza o compromisso com o Estado de direito, com a vigência das garantias e das liberdades.

E a bandeira “novas eleições já” sintetiza a defesa da democracia.