
É mais do que sabido que com a ascensão do bolsonarismo ao poder, veio junto o que de pior pode ser qualificado em matéria de violência e desrespeito aos direitos humanos.
Num governo que foi eleito tendo como símbolo maior de campanha as armas, matar seres humanos pobres, negros e favelados que até então era fetiche velado, passou a ser política de Estado.
Se com o pacote “anticrime” do ministro Sérgio Moro a polícia – e as milícias – encontraram o seu salvo conduto para intensificar o que de melhor sabem fazer, é com os dois projetos apresentados pelo deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) que o fruto da chacina institucionalizada encontra o seu “respaldo” social.
É o que em economia pode se chamar de mercado complementar, ou seja, um mercado que surge para dar suporte e viabilidade a outro.
Daniel Silveira, para quem ainda não teve o desprazer de conhecer, é um dos sujeitos que aparecem posando orgulhosos após praticarem o vandalismo de quebrarem a placa da vereadora assassinada Marielle Franco.
Aliás, o outro é o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ) que teve o cinismo de emoldurar uma das partes da placa e quer homenagear os policiais que mataram 13 suspeitos no Rio.
A turma vibra mesmo quando alguém é abatido a queima roupa.
Voltando a Daniel, o que os seus projetos de estreia na Câmara Federal estabelecem é que 1) doação compulsória de órgãos e tecidos quando pessoas em confronto com agentes públicos de segurança tiverem morte encefálica e 2) cessão de órgãos e tecidos em cadáver que apresentar indícios de morte por ação criminosa.
É simplesmente um insulto sob todos os aspectos, sejam eles éticos, morais ou legais.
Aqui retira-se dos familiares a decisão do que fazer com o corpo de seus entes assassinados por agentes do Estado, independentemente de serem culpados ou inocentes, já que, como sabemos, o policial no Brasil não só prende mas, ele próprio julga, condena e executa. A eficiência em pessoa.
Para além disso, a coisa não se limita apenas nos ditos confrontos diretos. Se a polícia encontrar um cadáver que julgue, apenas julgue, ter indícios de morte em função de atividade criminosa, segue também para a doação compulsória de seus órgãos e tecidos.
É preciso que se diga, se o tráfico de órgãos na saúde pública brasileira tivesse ações na bolsa de valores, essas propostas fariam seus índices atingirem a estratosfera.
Daniel Silveira definitivamente não possui qualquer comprometimento com os pacientes que sofrem na fila de espera de doações de órgãos. O que ele realmente quer é arrumar uma desculpa para que policiais e milicianos, tão próximos e afeitos ao seu partido, possam assassinar pessoas sem qualquer peso na consciência acreditando, inclusive, estarem fazendo um relevante serviço para a saúde pública do país.
Essa ideia, por sinal, não é sequer original.
Há não muito tempo atrás um jovem médico decidia por conta própria quem possuía condições físicas e de saúde para serem escravizados no campo de concentração de Auschwitz, quem deveria ser sumariamente encaminhado para as câmaras de gás e quem serviria para seus “experimentos humanos” em busca de “novas descobertas” para a medicina.
Se Hitler chancelou Josef Mengele a decidir quem deveria “doar” seus órgãos em “prol da medicina”, o bolsonarismo chancela Daniel Silveira a decidir quem deverá “doar obrigatoriamente”, uma contradição em si, seus órgãos para os pacientes nas filas de espera.
Certa vez comentei que com a eleição de Bolsonaro não havíamos retornado a ditadura militar, mas sim, a algo ainda pior.
Os fatos que vão se sucedendo desde a abertura das urnas em outubro de 2018 mostram que o Brasil, a passos largos, cada vez mais se assemelha à Alemanha nazista.
Sem meras coincidências, já possuímos até o nosso próprio Josef Mengele tupiniquim.