Barroso e Gilmar detonam PEC: “Este Supremo Tribunal Federal não admite intimidações”

Atualizado em 23 de novembro de 2023 às 15:21
O ministro Gilmar Mendes, decano do STF – (Carlos Humberto/STF)

Na abertura da sessão desta terça do Supremo Tribunal Federal, o presidente da Corte, ministro Luis Roberto Barroso, discutiu a recente aprovação pelo Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita as decisões individuais dos ministros do STF.

Essa PEC impede que os ministros suspendam a eficácia de leis ou atos executados pelos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do Congresso através de decisões individuais. Ela é percebida no cenário político como uma reação do Congresso a decisões recentes do STF, que, segundo deputados e senadores, deveriam ser de competência do parlamento.

Barroso expressou a posição do STF, afirmando que a Corte não considera necessárias mudanças legislativas que alterem seu funcionamento, e enfatizou que o diálogo constante é essencial para a democracia, mas ressaltou que “não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas”.

Além de Barroso, o decano Gilmar Mendes também bateu na PEC. “É preciso altivez para rechaçar esse tipo de ameaça de maneira muito clara. Esta Casa não é composta por covardes. Esta Casa não é composta por medrosos”, afirmou.

O ministro argumentou que ameaças contra a democracia não recebem a devida atenção do Legislativo, que preferiu limitar o STF.  “Nenhuma resposta para temas que são urgentes para a democracia! O problema são o STF e suas liminares. Estranha prioridade”, disse.

“Não se pode brincar de fazer PEC”.

Leia a íntegra do pronunciamento de Barroso:

Nesse momento em que o Supremo Tribunal Federal é alvo de propostas de mudanças legislativas que, na visão da Corte, não são necessárias e não contribuem para a institucionalidade do país, cabe fazer algumas reflexões objetivas.

1. O desenho institucional traçado na Constituição para o Supremo Tribunal Federal tem algumas singularidades relevantes. A Constituição brasileira, como toda Constituição democrática, organiza o Estado, reparte a competência dos Poderes e define os direitos fundamentais do povo.

2. A Constituição brasileira faz isso, mas também faz algumas coisas a mais. Ela cuida, por igual, do sistema previdenciário, do sistema tributário, do sistema de saúde, do sistema de educação, do sistema de proteção ambiental, do sistema de proteção às comunidades indígenas, da intervenção do Estado no domínio econômico, dos meios de comunicação social, da proteção da família, da criança, do adolescente do idoso, em meio a muitas outras matérias.

3. Trazer uma matéria para a Constituição significa, em alguma medida, tirá- la da política e trazê-la para o direito. Vale dizer: retirá-la do domínio das decisões discricionárias para o espaço da razão pública do Judiciário. Não é uma vontade do Tribunal, é o arranjo institucional brasileiro.

4. Nesse cenário, chegam ao Supremo Tribunal Federal boa parte das questões de grande relevância nacional. Inclusive aquelas mais divisivas da sociedade, de pesquisas com células-tronco embrionárias a ensino religioso nas escolas públicas, de importação de pneus à autonomia do Banco Central. E, também, questões que envolvem produtores rurais, ambientalistas, comunidades indígenas.

5. Como intuitivo, é inevitável que o Supremo Tribunal Federal desagrade segmentos políticos, econômicos e sociais importantes, porque ao Tribunal não é dado recusar-se a julgar questões difíceis e controvertidas. Tribunais independentes e que

atuam com coragem moral não disputam torneios de simpatia. Interpretar a Constituição é fazer a coisa certa, mesmo quando haja insatisfações.

6. Porque assim é, não há institucionalidade que resista se cada setor que se sentir contrariado por decisões do Tribunal quiser mudar a estrutura e funcionamento do Tribunal. Não se sacrificam instituições no altar das conveniências políticas.

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1. O Senado Federal e seus integrantes merecem toda a consideração institucional do Supremo Tribunal Federal. E, naturalmente, merecem respeito as deliberações daquela casa legislativa.

2. Porém, a vida democrática é feita do debate público constante e do diálogo institucional, em busca de soluções que sejam boas para o país e que possam transcender as circunstâncias particulares de cada momento.

3. Nesse espírito de diálogo institucional, o Supremo Tribunal Federal não vê razão para mudanças constitucionais que visem a alterar as regras de seu funcionamento. Num país que tem demandas importantes e urgentes, que vão do avanço do crime organizado à mudança climática que impactam a vida de milhões de pessoas, nada sugere que os problemas prioritários do Brasil estejam no Supremo Tribunal Federal. Até porque as mudanças sugeridas já foram acudidas, em sua maior parte, por alterações recentes no próprio Regimento do Supremo.

4. Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o negacionismo em relação à pandemia, salvando milhares de vidas, o negacionismo ambiental, enfrentando o desmatamento da Amazônia e a mudança climática, bem como funcionou como um dique de resistência contra o avanço autoritário.

5. Por esse papel, o Tribunal sofreu ataques verbais e a criminosa invasão física que vandalizou as instalações da Corte. Após esses ataques verbais e físicos, o Tribunal vê com preocupação avanços legislativos sobre sua atuação.

6. Nos últimos 35 anos, o Brasil viveu situações institucionais complexas, que em outros tempos teriam levado à ruptura constitucional e democrática: crises econômicas, inflação descontrolada, escândalos de corrupção e dois impeachments. Apesar de tudo o que ocorreu, o país preservou a estabilidade institucional e a democracia.

7. Vale lembrar: cabe ao Supremo fazer valer Constituição, preservar a democracia e proteger direitos fundamentais. A pergunta a se fazer é a seguinte: esses objetivos foram alcançados? A resposta é afirmativa. Isso significa que o Supremo Tribunal Federal cumpriu o seu papel e serviu bem ao país. Não há porque alterar o que vem funcionando bem.

8. E cumpre lembrar: em todos os países que, recentemente, viveram o retrocesso democrático, a erosão das instituições começou por mudanças nas supremas cortes. Os antecedentes não são bons.