Barroso é um propagandista que pede que se abdique da Constituição de 88. Por Wanderley Guilherme dos Santos

Atualizado em 6 de maio de 2018 às 9:27
Freddie Mercury Prateado

Publicado no blog de Wanderley Guilherme dos Santos

Acredito que nenhum conservador radical teria coragem de fabricar “fake news” sobre general Eduardo Villas Bôas. Também estou persuadido da convicção democrática das Forças Armadas. Imaginei, porém, tipos de desventuras a que a profissão de servo da ordem legal escrita está exposta.

Li, nesta quinta-feira, noticia de duas solenidades nas quais o comandante do Exército discursou, ou fez advertências, ou, ainda, glosou antigos “pronunciamentos” de militares latino-americanos que assustavam a nós, brasileiros.

Nas duas oportunidades, o comandante retomou o tom severo com que autoridades julgam indispensável lembrar à audiência que desvios de comportamento sofrerão punição. Estivéssemos vivendo os anos dourados da primeira década do século XXI e a lembrança provocaria perplexidade, por extemporânea, ou discretas críticas ao mau gosto da oratória.

Hoje, as manifestações do general Villas Bôas se ajustaram ao contexto de difusão da autoridade civil, além de uma ou outra declaração de oficiais aposentados, fora da ordem legal a que aderem as Forças Armadas. Mesmo assim, não foram poucos os ouvintes com dificuldade de identificar os destinatários das contundentes reafirmações do poder armado.

Para mim, ficaram expostas duas daquelas situações embaraçosas a que estão sujeitos os profissionais da farda. Na iminência de pronunciar-se contra a praga da corrupção que envergonha o país, viu-se o comandante do Exército na obrigação de cumprimentar nada menos do que um ser bifronte, ora presidente da República, segundo a ordem legal aceita pelo general; ora submetido, pela terceira vez, a documentada investigação de praticante da tal praga da corrupção, segundo a mesmíssima ordem legal que confere ao general a autoridade do pronunciamento. Não há oficial que não se sinta constrangido em semelhante situação. Mas a profissão de militar corre esses riscos.

O outro episódio deu-se na concessão de medalha da Ordem do Mérito Militar ao ministro Luiz Roberto Barroso. Admiro a sólida cultura, e não apenas jurídica, do ministro, e não menos sua brilhante capacidade argumentativa. Não conheço o regimento interno da Ordem do Mérito Militar, mas estou certo de que o ministro Luiz Roberto Barroso o atende galhardamente. O discurso do comandante do Exército, de que li trechos publicados em jornais, reitera temas de suas últimas manifestações, entre eles o do juramento profissional das forças armadas à defesa das instituições democráticas.

Em época não muito distante, a referência soaria intempestiva, não havendo, então, ameaça alguma ao Executivo, Legislativo ou Judiciário.

Mas hoje, a polêmica sobre a legitimidade do presidente da República, sofrendo investigação judicial, e temores sobre o amanhã institucional do país, entende-se a preocupação do general Villas Bôas ao enunciar o espírito da corporação que comanda. Embaraçoso, contudo, é agraciar um ministro que, de modo absolutamente franco, expõe noções estranhas à democracia representativa.

O ministro Luiz Roberto Barroso acredita que no Judiciário, especialmente no Supremo Tribunal Federal, encontra-se a única fonte legitimamente capaz de iluminar os destinos do Brasil, inclusive de suas Forças Armadas. Se Platão pregava em favor de um tirano-filósofo, o ministro Luiz Roberto Barroso solicita à sociedade que admita o fracasso dos órgãos de representação democraticamente eleitos.

Em nome da ordem democrática, o ministro Villas Bôas acolheu na Ordem do Mérito Militar um teórico da subversão da mesma ordem democrática. O ministro Luiz Roberto Barroso não é conspirador ou incentivador da desobediência civil, mas um propagandista que, democraticamente, pede à sociedade que abdique das instituições estabelecidas pela Constituição de 88, a mesma que confere legitimidade à posição funcional do general Villas Bôas. É dura a vida fora da caserna.