Batemos um papo honesto com o Onesto [Street:Art]

Atualizado em 14 de janeiro de 2013 às 12:53

Para estrear a nossa série sobre grafite, entrevistamos um dos mais experientes grafiteiros do Brasil.

Onesto é amplamente reconhecido como um dos mais importantes artistas de rua da cidade. Seu traço marcante e seus personagens com mãos grandes já eram conhecidos pelo DCM, mas a dimensão de sua importância só ficou clara ao irmos juntos à loja especializada KingCap#SP, na Vila Madalena. Ambos, atendente e dono da loja, tietaram Onesto como se fosse um Rock Star.

Paulistano da zona leste, já fez pinturas públicas e exposições em Nova Iorque, São Francisco, Atlanta, Los Angeles, Miami, Quebec, Bogotá, Quito, Cidade do México, Queretaro (México), Firenze, Viena, Lisboa e Roterdã – isso sem contar as cidades brasileiras, que são maioria.

Onesto é marido da desenhista Thais Ueda, com quem tem duas filhas. Apesar do reconhecimento, ele vê o grafite mais como grito de liberdade do que como arte – e eventualmente até como vandalismo. E tem fixação por trens. “Quem nunca pintou um trem não sabe o que é grafite”.

Durante 2 horas, conversou conosco numa tarde quente e chuvosa na Vila Madalena, em São Paulo.

Dança, exposto na TV Cultura, SP, em 2009
Dança, TV Cultura, SP, em 2009

Diário Do Centro Do Mundo: Onde você nasceu?
Onesto: Em São Paulo. Na Zona Leste, mais precisamente no bairro do Tatuapé. Depois meus pais me levaram pra Penha. Morei lá até os 11 anos. Depois nós fomos ainda mais pro fundo da Zona Leste, em São Miguel (risos). Fiquei lá até meus trinta e poucos anos.

DCM: Quantos anos você tem agora?
O: Tenho 40. Há pouco tempo mudei para Perdizes, porque me casei, tenho filhas…

DCM: Quantas?
O: Duas. Uma de 3 anos e outra que vai fazer 1 agora em fevereiro. Foi bom mudar de ares. O centro da cidade é mais próximo de tudo que eu faço e tudo que eu preciso.

Sempre em Seu Caminho, tela de 2008
Sempre em Seu Caminho, tela de 2008

DCM: Como você acabou indo trabalhar com grafite?
O: Sempre falo que não trabalho com grafite. Eu sou pintor, escultor, já transitei por várias mídias. Já trabalhei com propaganda, tive trabalhos burocráticos com administração de empresas, já fui carteiro. Gosto de fuçar, sempre gostei. Saber como as coisas funcionam sempre me atraiu.

DCM: Estudou arte?
O: Depois de me formar em Administração de Empresas, descobri uma escola que chamava Carlos de Campos. Fica no Brás. Estudei nela. Lá tinha um universo de arte formado – havia artistas de várias categorias, gente que já trabalhava em diferentes áreas. E gente que fazia grafite também. Eu sempre tive curiosidade com o grafite, porque quando era mais novo, assisti um filme que chama “Beat Street” [n.E.: “A Loucura do Ritmo”, em português]. Esse filme me transportou para o universo do Hip Hop. Quando, no filme, vi os caras pintando um trem, pensei “é isso que eu quero fazer um dia”.

DCM: Você já pintou um trem?
O:(risos).

DCM: Vários, pelo jeito?
O: Vários. Hoje não mais. Mas quem nunca pintou trem não sabe o que é fazer grafite. Pintar parede é legal, mas ver o seu trabalho circulando pela cidade, parando em vários lugares, é incrível. Não tem sensação igual.

DCM: Voltando à escola…
O: Então, conhecendo pessoas que já faziam grafite eu comecei a ter informação. Eu tinha feito coisas quando era novo, mas bobeira. Tipo, eu curtia Rock na época, então escrevi “The Smiths” na parece, sabe?

DCM: O que acabou se tornando o grafite pra você?
O: Uma paixão. Mesmo se não tivesse o reconhecimento que tem hoje, eu estaria fazendo da mesma forma, porque não vejo como profissão. Vejo como um esporte. Conheço vários lugares do mundo porque pinto grafite, conheço o Brasil quase de ponta a ponta porque pinto grafite, então é uma coisa que eu acho que estava escrito. Se eu visse como profissão, acho que eu não estaria tão realizado.

DCM: Suas filhas já estão começando a desenhar na parede?
O: Outro dia eu fui participar de um evento e minha esposa levou as minhas filhas. A mais velha já assimila as coisas. Ela pegou um giz e começou a rabiscar. Foi bem interessante. Ela reconhece o que eu faço, quando passa por lugares que tem trabalhos meus ela diz “é do papai, é do papai!” Minha esposa é artista, então eu acho que isso já vem embutido no sangue.

Diálogo, exposto em Nova Iorque em 2009
Diálogo, Hamilton Fish Library, NYC, 2009

DCM: Mas quando ela começar a pintar a parede da sala, você provavelmente vai ficar orgulhoso…
O: Ah, ela já fez. Já pintou várias paredes. Depois uma tinta cobre a outra. Hoje ela pinta mais em caderno. A gente dá uns cadernos em branco e ela fica ali desenhando.

DCM: Você ganha dinheiro com grafite?
O: Não, eu ganho dinheiro com arte. O grafite é mais um esporte que eu tenho.

DCM: Uma mídia também?
O: É, uma mídia. Por eu fazer grafite, surgiram outros convites, outras coisas. É porque quando eu estou fazendo um trabalho eu não me sinto fazendo grafite – eu estou fazendo um painel, uma tela. Grafite, na minha concepção, é só na rua. Quando eu saio com as minhas tintas e pinto onde eu bem entender, aquilo é grafite.

DCM: Qual você acha que é o limite entre a arte e a pichação como vandalismo?
O: Eu acho que a pichação faz parte do grafite. É só um outro elemento. O grafite tem várias ramificações. Porque a pichação é uma caligrafia incrível. Tem gente que trabalha com tipografia que vem pra cá, fotografa e vende. Eu vejo um potencial inimaginável na pichação. Para mim é arte.

DCM: Como você desenvolveu seus estilos?
O: Vendo quadrinhos. Eu comprava uma revista chamada Heavy Metal. Era difícil achar, mas um sebo da Avenida São João tinha. Aí eu ficava lá vendo os mestres Moebius [n.E.: pseudônimo do cartunista Jean Girard], Vaughn Bode, e pensava “preciso fazer uma coisa minha”. Eu nunca pirei nessa coisa de nome. Acho que o trabalho tem que falar por si só. Aí eu fui buscando esse traço. Só que eu sou muito inquieto, então desenvolvo muitas outras coisas.

DCM: É por isso que você tem 72 pseudônimos?
O: É. Eu acabei criando a crew de um homem só. Chama 72 Delinquentes Infantis Especialistas Sobre Estilo Livre. É uma sigla, 72 Diesel. Com isso eu fico livre pra fazer o que eu bem entender. Eu não preciso mostrar que sou eu quem faz. Eu gosto de fazer coisas que acho relevantes, que se encaixam na cidade.

Guerrilha, exposto na Bienal das artes, SP, 2005
Guerrilha, exposto na Bienal das artes, SP, 2005

DCM: Eles são seus alter-egos?
O: Total.

DCM: E cada um tem uma característica? Você pensa no personagem, o que cada um é, como se parece?
O: Com certeza. Quando eu saio pra pintar, eu visto uma identidade. Pra fazer grafite, você tem que ter habilidades, não é só desenhar bem. Tem que estudar o local. Muitas coisas podem acontecer quando você está na rua, desde o dono não gostar até chuva. E é legal desenvolver essas habilidades, porque ajuda em outras coisas.

DCM: Hum…
O: É que eu não vejo o grafite como uma coisa legal. É bom explicar isso. Pra mim, o grafite de verdade é o ilegal, como forma de vandalismo, segundo muitas pessoas chamam. Claro que tem uma estética interessante, e isso leva para outras possibilidades. Mas grafite é vandalismo. Eu não gosto de grafite. Quando eu vejo na rua, penso “puts”. Não é uma coisa que pertence à cidade. Está sendo imposta à cidade.

DCM: Mas quando você faz, se coloca em que lugar? No de vândalo?
O: (pensa) Muitas vezes, acredito que sim. Porque eu estou deteriorando um espaço. Às vezes o dono do lugar olha e gosta, mas também acontece de o cara não gostar.

DCM: Já aconteceu de alguém falar “tira isso daí”?
O: Em 20 anos pintando na rua acontece muita coisa.

DCM: Conta uma história.
O: Boa ou ruim?

No Bike Here, em Viena, 2010
No Bike Here, em Viena, 2010

DCM: Uma de cada. Conta antes a ruim, pra acabar com a boa.
O: Uma vez eu estava pintando com uns amigos em Osasco, na linha do trem. Quando o trem veio, parou onde nós estávamos e uns policiais desceram. Eles disseram “já que vocês não correram, a gente vai ter que levá-los à delegacia”. Nós não nos importamos, pensamos “o que pode acontecer?” Mas chegando lá, eles passaram a nossa ocorrência para outros policiais, que acho que eram da Rota. Eles não viram o que a gente estava fazendo, só entenderam que a gente estava pichando. Eles acabaram até batendo num amigo meu, não queriam liberar, a gente passou a noite na delegacia.

DCM: E a boa?
O: Eu estava pintando e um policial perguntou o que eu estava fazendo. Eu respondi. Ele perguntou se eu tinha autorização. Eu disse que sim (eu sempre digo que sim). Aí o cara falou “posso fazer o meu aí também?” (risos) O policial era pichador. Ele foi lá e fez. O cara fazendo com a farda foi bacana. E fazia direitinho.

DCM: Nunca mais encontrou o cara?
O: Esse, não, mas encontrei outros tão loucos quanto.

DCM: Então você não vê essa arte como uma coisa que necessariamente embeleza a cidade.
O: Nem um pouco.

DCM: Qual você acha que é a função dela?
O: O grafite funciona mais como um grito, uma forma do cara fazer algo para não ficar tão acuado. Através do grafite ele consegue ter um momento de liberdade. “Eu gosto de fazer isto, faço bem e estou me expressando”. É que nem jogar bola com os amigos, ir a uma balada. Eu não vejo com esse caráter artístico. Tenho conhecidos que dizem “prefiro estar pichando do que roubando, matando”. Se você vir onde o cara mora, é um barraco, um quadradinho, muitas vezes não tem nem o que comer. Mas ele arruma uma tinta, muitas vezes rouba, e sai pela cidade e aquilo dá voz, dá uma acalmada nele. Esse é um ponto positivo que eu vejo.

DCM: Te acalma?
O: Muito. Quando estou pintando, esqueço da vida. Pode cair o mundo atrás de mim quando estou de frente para a parede.

DCM: Quando você descobriu que tinha esse efeito?
O: Não é só o grafite, desenhar me transporta para um outro mundo. Muitos artistas têm um universo paralelo. O grafite é um ato muito egoísta – você não faz pros outros, faz pra você.

Bala Perdida, Sesc Pinheiros, SP, 2007
Bala Perdida, Sesc Pinheiros, SP, 2007

DCM: Você se considera um cara egoísta?
O: Quando faço grafite, sim. Não quero saber se vai agradar. Aquele é o meu momento e eu preciso fazer. Se alguém me falasse “você nunca mais vai fazer grafite”, cortasse meus braços, eu pegava um pincel com a boca.

DCM: Como você vê o grafite e a pichação do ponto de vista social e político?
O: Acho que todas as manifestações artísticas, principalmente as urbanas, contribuem para que se retrate o momento, uma parte da vida. Então funciona muito bem nesse sentido.

DCM: Você usa a sua obra para fazer crítica política?
O: Eu não penso nisso quando faço, mas hoje eu sei que consigo criar um diálogo muito forte com as pessoas, com o estado.

DCM: O que te inspira?
O: As relações humanas. O que sinto, o que presencio, o que a cidade me passa.

DCM: Já que tocou no ponto da cidade, como você vê São Paulo?
O: São Paulo é um local que eu não troco por nenhum outro do mundo. Posso ficar fora um tempo, alguns meses, até alguns anos, mas São Paulo é minha fonte de inspiração. As coisas que acontecem aqui não vejo em lugar nenhum. Acho muito mais intensa a coisa aqui.

DCM: E outros lugares?
O: Mês passado eu estive na favela do Acari no Rio de Janeiro. É um lugar muito particular. Todas as favelas são muito particulares. Lá é toda hora informação, coisa acontecendo, música alta, cachorro, criança, baile funk, pagode.

DCM: Você viajou pra pintar?
O: Muitas vezes

Não Quero te Ver, tela de 2008
Não Quero te Ver, tela de 2008

DCM: Para onde?
O: Quando eu comecei a pintar, surgiram muitos convites. Muita gente fala “você foi o primeiro a pintar aqui”. Lá no Rio mesmo me disseram “você foi o primeiro artista de São Paulo a pintar numa favela do rio”. Eu disse “que privilégio”. O grafite sempre me levou para situações incríveis.

DCM: E pra fora?
O: Os primeiros lugares que eu fui foram Nova Iorque e São Francisco. Tive exposições lá. Foi um choque ver que os caras já conheciam o que eu fazia. Quando eu voltei, fiquei quase um ano sem desenhar, de tanta informação, tanta coisa que aconteceu. Me senti muito mal.

DCM: Mas você ficou positivamente ou negativamente impressionado?
O: Os dois, eu acho. Nem entendi na época. Foi tanta informação…

DCM: Você tem posição política?
O: Acho que é neutra. Sou a favor das pessoas.

DCM: Fala um hobby que você tem além do grafite.
Eu gosto de andar de skate. Hoje ainda tenho um, mas é só pra pegar um ventinho na cara, porque as pernas não respondem mais. A vida é uma diversão. Acho que tudo é hobby na vida.

 

auto-retrato
auto-retrato

* todas as imagens que ilustram esta reportagem, com exceção do vídeo, foram gentilmente cedidas pelo artista.

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Emir Ruivo é músico e produtor formado em Projeto Para Indústria Fonográfica na Point Blank London. Produziu algumas dezenas de álbuns e algumas centenas de singles. Com sua banda, Aurélios, possui dois álbuns lançados pela gravadora Atração. Seu último trabalho pode ser visto no seguinte endereço: http://www.youtube.com/watch?v=dFjmeJKiaWQ