Batom na cueca: o esquema da cota parlamentar que desmascarou Sóstenes e Jordy

Atualizado em 20 de dezembro de 2025 às 7:51
Os bolsonaristas Sóstenes Cavalcante e Carlos Jordy. Foto: reprodução

A investigação que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a autorizar buscas contra os deputados federais Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Carlos Jordy (PL-RJ) detalha um esquema estruturado de desvio de recursos públicos a partir da cota parlamentar, verba destinada exclusivamente ao exercício do mandato. A operação, autorizada pelo ministro Flávio Dino, apura indícios de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Segundo a Polícia Federal, o esquema começava com o uso da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar, conhecida como CEAP.

A verba mensal pode ser usada para despesas como aluguel de escritórios, passagens aéreas, alimentação e locação de veículos. No caso investigado, os parlamentares teriam direcionado parte desses recursos para contratos de aluguel de carros com uma empresa apontada como de fachada.

A locadora Harue Locação de Veículos Ltda foi contratada com recursos da Câmara. Embora registrada em nome de uma mulher que recebeu R$ 4.500 de auxílio emergencial nos últimos anos, a empresa pertenceria “de fato”, segundo a PF, a um assessor ligado ao gabinete de Jordy, sendo administrada por familiares.

A suspeita é que os deputados pagavam a empresa e, em seguida, solicitavam o reembolso à Câmara, simulando uma despesa regular.

As investigações indicam que os serviços contratados não eram prestados como declarado. Há indícios de que veículos pagos com recursos públicos teriam sido utilizados para fins particulares. Em um dos casos, a PF aponta que um carro alugado por Sóstenes no Rio de Janeiro estaria sendo usado por sua filha.

Depois do reembolso da cota parlamentar, os valores retornariam aos envolvidos por meio de repasses informais, descritos nas investigações como pagamentos “por fora”. Mensagens de WhatsApp apreendidas mostram tratativas sobre esses acertos paralelos. Em uma delas, um assessor afirma: “Segunda feira o deputado vai vir segunda, aí eu vou ver com ele pra pagar o outro por fora, tá bom?”.

Para ocultar a origem do dinheiro, os investigados teriam recorrido a mecanismos clássicos de lavagem. A PF identificou saques e depósitos fracionados, sempre abaixo de R$ 9.999, prática conhecida como “smurfing”, usada para evitar alertas automáticos do sistema financeiro. Também foram detectadas movimentações rápidas e de alto volume incompatíveis com a renda declarada de assessores.

A quebra dos sigilos telefônico e fiscal de Jordy e Sóstenes, autorizada pelo STF, abrange o período de maio de 2018 a dezembro de 2024. Segundo a decisão, há “indícios robustos” de atuação coordenada entre agentes políticos, servidores comissionados e particulares para o desvio e a posterior ocultação de recursos públicos.

Durante a operação, a PF encontrou R$ 430 mil em dinheiro vivo no apartamento funcional de Sóstenes, em Brasília, escondido dentro de um saco de lixo em um armário.

Dinheiro encontrado na casa de Sóstenes. Foto: reprodução

O valor é muito superior ao dinheiro declarado por ele à Justiça Eleitoral em 2022. O deputado afirmou que o montante é fruto da venda de um imóvel e que não houve depósito por causa da “correria”.

“O valor encontrado é oriundo de contrato limpo, venda de um imóvel. Quem quer viver de dinheiro de corrupção não mantém dinheiro lacrado. É dinheiro lícito”, disse Sóstenes. “Eu vendi um imóvel e recebi em dinheiro lacrado, é declarado em meu Imposto de Renda.

Sóstenes, porém, não apresentou detalhes sobre o imóvel, o comprador ou a razão da transação em espécie. Jordy, por sua vez, afirmou ser alvo de “perseguição implacável” e classificou a investigação como “pesca probatória”, alegando que cabe ao parlamentar apenas contratar o serviço “mais eficiente e pelo menor custo”.

A investigação é um desdobramento da operação Rent a Car, deflagrada em dezembro do ano passado, que já havia mirado assessores dos dois deputados. Agora, com o avanço das provas, o foco se voltou diretamente aos parlamentares.

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.