
Por Roberto Tardelli, advogado e ex-procurador de Justiça do MPSP (Ministério Público do Estado de São Paulo)
Não faz muito tempo. Aliás, pouco ou pouquíssimo tempo, quando um grupo de advogadas e advogados, professores e professoras, escritoras, pareceristas, tribunos e tribunas, foi se juntando ao redor de uma grade fogueira, em que se queimava a Constituição Federal, as garantias e os direitos individuais, os direitos sociais e colocava o Brasil na antessala de um regime autoritário e policialesco.
Embora as labaredas desse fogo subissem muito alto, por incrível que nos parecesse, não atingia grande parte de nossos colegas e nossas colegas, que nada viam além de uma cruzada anticorrupção, que deveria mobilizar a todos. Pagávamos com juros desmoralizatórios os altos custos da crítica que vinha de setores que sempre respeitamos, porque sabíamos que o dia haveria de chegar.
Um dos nossos, homem de notório saber jurídico e reputação a mais ilibada, quebrou o espelho das falsas imagens e sentenciou: “Vivemos um estado de exceção”. Ao olhar em torno de si, Pedro Serrano desvelava o óbvio oculto, de um país que ignorava seletivamente o acesso aos direitos fundamentais. As prisões eram, assim de forma paulatina, mas incisiva, lotadas a cada dia mais, a ninguém mais dando conta de que o respeito à dignidade humana fosse – ainda é! – um dos fundamentos de nossa República.
Esse advogados e advogadas formaram uma Grupo, em uma rede social, autodenominado PRERROGATIVAS, ou para nós, o Prerrô. As armas que brandíamos eram nossas mentes e nossas capacidades de indignação, que foi da absurda, espúria e, por isso mesmo histórica prisão do ex-presidente Lula, então com larga vantagem nas pesquisas de intenção de voto.

A massa de gente preta e pobre trancafiada nas prisões, por ordens escritas das autoridades judiciárias competentes e o encarceramento sintomático e criminoso de Lula formaram nosso caldo de cultura e nos fez ser a primeira voz a se levantar com toda a força que possuíamos contra a Operação Lava-Jato. Fomos e somos incansáveis em apontar sua verdadeira cara e DNA: uma perseguição pessoal e partidária, que teria como fim a criação de um modelo político-institucional que sacrificaria liberdades em favor de um indefinível reclamo de ordem pública.
Foram muitas as batalhas, as (Des) Dez Medidas Contra a Corrupção, o engajamento político de Sérgio Moro ao Governo Bolsonaro, a docilidade de uma equipe de Procuradores da República ao Juiz Parcial e Farsante, a desvinculação da Força-Tarefa, como se consistisse em um MPF autônomo e desvinculado, desinstitucionalizado e que todas as ilegalidades poderiam cometer em nome, claro, do bem comum, para citar algumas.
A maior de todas as batalhas foi antevista há tempos pelo PRERROGATIVAS, qual fosse a clara possibilidade de uma quebra institucional por parte de um Governo descomprometido com a democracia. Lênio Streck viu, Carol Proner rodou América Latina e Europa, gritaram e nos agoniava ver que nem todos nos levavam com o devido peso que essa percepção trazia.
Todos e todas nós gritávamos. Não havia blogs de mídias alternativas em que o Prerrô não gritasse. Fomos a cada um dos Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal, nada lhes pedindo em nome próprio ou de clientes, por justas que fossem as reivindicações; pedimos o básico, o elementar, a volta de garantias individuais que nos eram solapadas e que a Suprema Corte anunciasse o que jamais se pensou que fosse da Suprema Corte anunciar: os juízes devem ser imparciais. Usurpadores da toga como Sérgio Moro não são e jamais serão juízes, mas lobos corrompidos e carnívoros que se alimentam dos jurisdicionados para satisfação do próprio apetite.
Conseguimos. Naquele dia, porém, enquanto comemorávamos o início da volta ao Estado Democrático de Direito, soubemos que nos cumpria lutar mais e mais.
Num jantar celebrizado pela mídia, coordenado pelo grande inspirador e congregador de todos e todas nós, Marco Aurélio de Carvalho, e cumpriu ao Prerrô aproximar Lula e Alckmin, trazê-los à luz do debate político e colocá-los, na grandiosidade de cada um, aos olhos da população brasileira.
Foi o Prerrô inteiro que se deu naquele jantar, num primeiro momento tão incompreendido e tão admirado. É muito bom saber que críticos daquele primeiro grande encontro de líderes políticos inquestionáveis hoje estão conosco. A História nos uniu, contra o fascismo a ser derrotado.
Estava dado o pontapé inicial para a virada democrática que virá, estamos certos que virá. E virá porque novos parceiros chegaram, entraves do passado se superaram, o movimento cresceu, agigantou-se e qual não é nosso orgulho ao ver que os poucos de ontem, hoje formam uma multidão de advogados e advogadas, empresários, empresárias, intelectuais, artistas, formadores de opinião, pessoas anônimas, jovens, idosos, idosas, que se uniram para, no dia 11 de agosto, gritarmos todos: BASTA!