Big data, big money: o que é e para que serve a empresa que contratou Dallagnol. Por Donato

Atualizado em 26 de julho de 2019 às 16:40
Dallagnol em palestra

“Olhem que legal. Sexta vou dar palestra para a Neoway, do Jaime de Paula. Vejam a história dele”, escreveu o chefe da força-tarefa, Deltan Dallagnol, transbordando deslumbramento.

Essa mensagem voltada ao grupo de procuradores pelo Telegram ocorreu em março de 2018. 

A Neoway, contudo, já havia sido mencionada mais de uma vez em delações premiadas, como sendo favorecida em negócios com a BR Distribuidora. Em 2016 e 2017 seu nome esteve em boca de matildes.

Pego no pulo, agora Deltan afirma que não sabia, que “não lia tudo”. No início da tarde de hoje, ao vivo pela rádio CBN, Dallagnol deu cambalhotas para discursar sobre o inequívoco conflito de interesses. 

Perguntado se não via nada de errado, o procurador-chefe afirmou que costuma fazer pesquisas sobre as empresas para as quais irá palestrar e verificar se não têm ficha suja.

Ótimo, como explica então já que a Neoway havia sido mencionada durante audiências de delação? 

“É… essa empresa não apareceu, não estava no sistema”. Ahan, beleza.

Fato concreto é que Deltan fez a palestra, embolsou R$ 33 mil e ainda tentou empurrar os produtos da Neoway para um projeto da Lava Jato.

É lobby que chama.

O que faz a Neoway? É uma empresa de Big Data. 

Em seu site, a companhia afirma possuir “mais de 3.000 bancos de dados em 600 fontes diferentes organizadas em uma Plataforma por Assinatura”.

Vou traduzir: sabe aquele comportamento ingênuo de digitar seu CPF após as compras no supermercado? 

Pois bem, as informações sobre suas compras (seu perfil de consumo) irão para um imenso banco de dados. 

A Neoway compila toda essa informação bruta, destrincha e a transforma em dados úteis, vendendo-os para empresas. Esse é o bilionário mercado Big Data.

Em abril deste ano, Jaime de Paula (CEO e fundador da empresa) deu uma palestra no LIDE – Santa Catarina com o tema “Marketing Digital”, salientando a expectativa de investimento na casa dos U$ 9,17 bilhões em publicidade digital nos países latino-americanos só este ano e que o Brasil deve despontar nos gastos voltados para anúncios mobile.

Quando você receber aquelas propagandas coincidentemente afins com seu consumo, saiba que não é coincidência. 

E agora você sabe o nome de pelo menos uma empresa que lucra com isso.

A Lava Jato não vende nada além de palestras. Então qual o interesse de Deltan em Jaime de Paula?

Antes de abrir a Neoway, o empresário já havia feito uma parceria com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. 

Graças à sua expertise de integração entre múltiplas bases de dados, ali nasceu um robô, um investigador virtual capaz de ler todos os relatórios de um sistema e identificar padrões entre as ocorrências.

O chefe da operação que agora vem gritando contra hackeamentos iria fazer uso legal de robôs intrometidos? Nunca saberemos.

Como o nome da Neoway foi parar na Lava Jato?

Jorge Luz, tido como “operador dos operadores” dentro da Petrobras, segundo a operação curitibana, é um lobista que atua pelo menos desde 1986 nas diretorias Internacional e de Abastecimento da Petrobras (que coisa hein, não começou com o PT, quem diria…).

Muito bem, em 2016 Jorge Luz declarou ter atuado em favor da Neoway em um projeto da BR Distribuidora. 

Ainda segundo Luz, graças a ele a empresa de Jaime de Paula acabou sendo contratada entre 2011 e 2012.

Como a participação da Neoway ainda está sendo investigada, Deltan Dallagnol declarou-se ‘suspeito’ devido seu relacionamento com a empresa e pediu afastamento. 

Quando? Agora, no mês passado, após a bomba The Intercept ter estourado. Esperto, não?

Deltan sempre assumiu ter dúvidas em relação à consistência das acusações que fazia. Agora sabe-se que ele sequer lê tudo que lhe chega às mãos, a ponto de fazer negócios com empresas suspeitas de envolvimento em corrupção.

Permanece ecoando o discurso de Moro com ridículas respostas.

Na entrevista para a rádio CBN, Deltan deu mais um espetáculo de ensaboamento, confirmando e desdizendo ao mesmo tempo:

“O hacker tem mensagens verdadeiras, mas qualquer detalhe editado muda tudo (…) Não reconheço a autenticidade (…) A gente reconhece que eles têm alguma coisa, mas a gente não reconhece a fidedignidade disso (…) Não temos parâmetros para saber se são verdadeiros ou não”.

Oi? É verdade, mas é mentira?

Curiosamente, a memória seletiva de Deltan induziu-o a afirmar categoricamente durante o programa que os diálogos a respeito de Jacques Vagner e sobre venezuelanos nunca existiram.

Declarou ainda que após os ‘ataques’ recebeu orientação institucional para encerrar sua conta no Telegram e que não tem seu histórico de mensagens para comparar com os vazamentos publicados. 

Não explicou, contudo, quando ocorreu isso.

Deltan continua dizendo que não vê nada de errado em fazer as palestras e insistiu que elas “promovem um debate cidadania, ética, combate à corrupção”, disse aquele que tinha planos de abrir empresas em nome de ‘conjes’ laranjas para lucrar com sua imagem de paladino da justiça.

Big Data, big escândalo.