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Black Friday, mas pode chamar de ultimate fight do idiota. Por Mauro Donato

Black Friday

 

Entre as imagens mais divulgadas para reforçar um sentimento anticomunista ou antisocialista, estão as enormes filas de pessoas aguardando sua vez de comprar o pão, tristonhas, sob a neve soviética.

As imagens de filas – ou outras aglomerações desordenadas – no aguardo da abertura das lojas para comprar tudo o que esteja ao alcance da mão podem ser interpretadas como a síntese do capitalismo.

Um vídeo que compila várias situações de brigas pelos produtos está circulando na internet. Ocorridas na última sexta-feira por ocasião da Black Friday, é um retrato fiel do ser humano que o capitalismo produz. Então é aquele o paradigma de civilização, de ‘primeiro mundo’?

Homens se espancam, mulheres se agarram pelos cabelos, as aberturas das portas são um show de individualismo, desrespeito, atropelo e pisoteamentos. Vemos uma mulher arrancar um produto das mãos de uma criança.

A impressão que se tem é que as pessoas nem sabem o que estão pegando. Agarram uma, duas, três unidades de alguma embalagem independentemente se têm necessidade daquilo ou não. Compram porque está em promoção e é assim que foram condicionadas a destinar seu dinheiro. Fruto de campanhas maciças que incutem o mantra “não pense, compre”.

A Black Friday acontece nos Estados Unidos sempre depois do Dia de Ação de Graças. O termo foi usado pela primeira vez em uma sexta-feira de 1869, quando dois especuladores tentaram dominar o mercado do ouro na Bolsa de Nova York. O governo foi obrigado a intervir elevando a oferta do metal, os preços caíram e muitos investidores perderam fortunas. Pela origem do termo já se vê que não teria como sair coisa boa.

Num mundo em que fazer o mercado girar é o mais importante de tudo, a conscientização deve vir depois, bem depois (aliás, bom mesmo é que não venha). É assim que se forma uma sociedade excessivamente consumista, disposta a sonegar impostos para aumentar seu poder aquisitivo e depois matar ou morrer pelo mais novo modelo de determinado celular.

É entristecedor ver o Brasil importar essa ‘tradição’. Marotamente, os publicitários brazucas não buscaram uma tradução para o português e assim o ‘Friday’ aqui dura da quarta-feira anterior até a segunda-feira seguinte. E é um sucesso, claro. Segundo dados da consultoria ClearSale, até às 16h de sexta-feira (27), a Black Friday brasileira movimentou R$ 785 milhões. Um crescimento de 129% em relação a 2014. De acordo com o levantamento foram realizados mais de um milhão e meio de pedidos via internet, um aumento de 82%.

Há uma frase recorrente entre os defensores do sistema que procuram atenuar sua aspereza: “O capitalismo é o pior regime, excetuando-se todos os outros”. Em outras palavras, para eles é melhor assistir a uma disputa por eletroeletrônicos a uma por comida. Contudo, dada sua orientação baseada no extrativismo e no lucro, o capitalismo pode estar próximo de proporcionar também a fila do pão.

Em setembro deste ano atingimos “o dia da ultrapassagem” (atenção publicitários, ‘the Earth overshoot day’). O planeta já não possui mais a capacidade de repor, por conta própria, o que é extraído. Para atender aos humanos, a Terra precisa de um ano e meio para produzir os recursos renováveis que lhe subtraímos durante um ano. Já estamos na perna descendente da curva.

A partir de agora, se continuarmos a ver essas cenas de ‘desespero’ para torrar dinheiro, logo estaremos sob a neve, tristonhos e famintos. Are you ready?

 

Mauro Donato

Jornalista, escritor e fotógrafo nascido em São Paulo.

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