“Boa Sorte” é uma espécie de “Estranho no Ninho” dirigido por Sofia Coppola

Publicado pela Reuters.

Deborah Secco é uma soropositiva em estado terminal

É provável que muita gente se impressione com a drástica mudança física da atriz Deborah Secco, que interpreta uma portadora de HIV autrodestrutiva em “Boa Sorte”.

Realmente, não é pouca a diferença física da atriz nesse filme, 11 quilos mais magra, com um semblante mais sofrido. Mas se concentrar nesse aspecto poderia levar a deixar passar despercebido o que é mais revelador na sua interpretação: a profundidade de sentimento que ela traz à sua personagem, Judite.

Conhecemos a moça pelos olhos de João (João Pedro Zappa), garoto viciado na peculiar combinação entre o refrigerante Fanta e o calmante Frontal, que, segundo ele acredita fantasiosamente, o tornaria invisível.

Essa “invisibilidade” pode ser lida como uma autodefesa radical, e também uma alegoria para o processo de amadurecimento no mundo contemporâneo e a necessidade de ajustamentos à sociedade. Nesse sentido, a clínica, onde o rapaz e Judite estão internados, funciona como uma ilha de utopia em meio à barbárie do esmagamento da individualidade no mundo exterior.

Baseado num conto do cineasta gaúcho Jorge Furtado, “Frontal com Fanta” – roteirizado por ele e seu filho, Pedro Furtado – e dirigido por Carolina Jabor (estreando em ficção; no seu currículo, o documentário “O Mistério do Samba”), “Boa Sorte” transita entre o delicado retrato de duas almas desesperadas, cujo encontro pode ser a salvação, e o didatismo.

O que dá forma à narrativa é a relação entre os dois e aqueles que os cercam, como a médica interpretada por Cássia Kis Magro, a mãe do rapaz, Gisele Froes, e a avó de Judite, Fernanda Montenegro.

Para que o filme funcione, é fundamental uma simbiose entre Deborah e seu colega de cena, Zappa. É preciso acreditar na paixão arriscada e, ao mesmo tempo, idealizada que o garoto nutre por Judite – ela é a salvação dele, quando deveria ser o contrário.

A diretora Carolina, na maior parte do tempo, deixa os personagens livres para que sua relação conduza o filme – e resulta em boas cenas, como quando “os loucos tomam conta de vez do manicômio”. É um momento em que o filme parece levantar voo, algo que não repete muitas vezes.

Alguns excessos de explicações – especialmente sobre o destino dos personagens – enfraquece aquilo que fala por si mesmo. As figuras aqui são fortes o bastante para carregarem a história – afinal, “Boa Sorte” nada mais é que um estudo de personagens, a narrativa de seu amadurecimento. Então para que tanta interferência? Seria melhor deixar que eles vivessem mais e se justificassem menos.

Quando teve sua primeira exibição no país no Festival de Paulínia, em julho passado, muito se comparou “Boa Sorte” a “A Culpa é das Estrelas”, mais pela paixão entre duas pessoas com problemas emocionais e de saúde e do que qualquer coisa.

Mas o filme de Carolina é mais maduro, mais interessante, menos preocupado em querer “ser fofo” – ponto para o longa brasileiro. Se fosse para comparar mesmo, poderia se dizer que “Boa Sorte” seria uma espécie de “Estranho no Ninho” dirigido por Sofia Coppola – com seus matizes delicados e olhar aguçado para as personagens femininas.

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