Comportamento

Boechat e a misoginia nossa de cada dia. Por Nathalí Macedo

Em mais uma demonstração de seu jornalismo opinativo duvidoso, Ricardo Boechat não fez questão de esconder a misoginia ao comentar a proibição de visitas ao ex-presidente Lula, determinada pela juíza Carolina Moura Lebbos – que, aliás, concedeu liberdade condicional a Pedro Barusco, ex-executivo da Petrobras e condenado a 18 anos em regime fechado, dispensando até a tornozeleira eletrônica.

Rigidez seletiva: a gente vê por aqui.

Para um ex-executivo condenado na Lava-Jato, liberdade com base no “Princípio da confiança”. Para um preso político, nada de visitas e deboche midiático de brinde.

“Daqui a pouco vão querer enviar (pro Lula) caviar, salmão defumado e a Dilma de biquíni”, disse Boechat, como se um direito inegável a todos os presos como a visita fosse uma regalia – esse pessoal dos direitos humanos quer agora que presos políticos tenham o direito de receber visitas em seu cárcere?

Além da canalhice do comentário e da piada de péssimo gosto, a misoginia de sugerir que Dilma faria visitas íntimas a Lula, sendo“mandada” de biquíni para a cela de seu companheiro político como parte de um banquete não é uma inovação do jornalista: a “grande” mídia jamais demonstrou respeito a Dilma, nem como Presidente, nem como mulher.

Para jornalistas como Boechat, a desumanização de mulheres é tão natural que passa despercebida – só pra eles – em piadas recheadas de ódio.

Enquanto nosso judiciário é ridicularizado pela mídia internacional, a “grande” mídia canalha brasileira fecha os olhos para a gravidade dos fatos e incrementa-os com ainda mais violência espetacularizada.

A perseguição antipetista – e há muito de midiático nisso – beira a barbárie, a mais genuína capacidade humana de odiar.

Não basta prenderem Lula em mais uma etapa de um golpe político-judiciário: é preciso negar-lhe visitas, tripudiar da morte de sua companheira, determinar conduções coercitivas espetaculosas e o escambau.

Não basta destituírem Dilma sem que tenha cometido crime de responsabilidade: é preciso colar uma foto dela de pernas abertas no tanque de gasolina, especular sobre sua sexualidade, julgar seus atributos físicos e sugerir que ela manteria relações sexuais com um companheiro político que pretendia visitar.

O comentário de Boechat reflete a misoginia sofrida por Dilma Rousseff durante todo o golpe: é consequência do “tchau, querida”, dos adesivos nos tanques de gasolina e do desrespeito com que ela foi e é tratada pela mídia e seus midiotas.

Um país sério não levaria a sério um jornalista como Boechat.

Nathalí Macedo

Escritora, roteirista, militante feminista, mestranda em Cultura e Arte. Canta blues nas horas vagas.

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Nathalí Macedo

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