Bolivianos vão às urnas em clima de tensão e desconfiança

Atualizado em 18 de outubro de 2020 às 9:14
Whipala, bandeira de origem andina, foi atacada por manifestantes racistas durante e após o golpe de 2019 – Elineudo Meira/Reprodução/Brasil de Fato

Publicado originalmente no site Brasil de Fato

Cerca de 7 milhões de bolivianos vão às urnas neste domingo (18), das 8h às 17h, para eleger presidente, vice-presidente, deputados e senadores do Estado Plurinacional. Luis Arce, do partido Movimento ao Socialismo (MAS), é apontado como favorito pelas pesquisas de intenção de voto. Atrás dele, estão o ex-presidente Carlos Mesa (Comunidade Cidadã), representante da direita tradicional, e o empresário Luis Fernando Camacho (Acreditamos), considerado um dos operadores do golpe de 2019.

Todas as pesquisas apontam para a possibilidade de vitória de Arce em primeiro turno – segundo alguns institutos, no limite da margem de erro. Para isso, o candidato do MAS precisa fazer mais de 40% dos votos e abrir 10 pontos percentuais sobre o segundo colocado. Nas últimas três pesquisas, a diferença para Mesa está entre 7 e 10,5 pontos.

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Histórico

A eleição deste domingo é uma das mais turbulentas da história do país. No ano passado, o então presidente Evo Morales (MAS) foi reeleito para o cargo, mas renunciou após uma onda de violência que tomou conta do país. As manifestações da oposição foram inflamadas por um relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA) que apontou uma suposta fraude na apuração. A hipótese já foi descartada por estudos independentes, mas contribuiu para a anulação do pleito, em novembro.

Nos últimos 12 meses, a Bolívia foi comandada por um governo interino, liderado pela ex-senadora e presidente autodeclarada Jeanine Áñez. Ela descumpriu a promessa de convocar eleições no primeiro semestre e utilizou a covid-19 como justificativa para adiar o pleito três vezes. Representante da direita radical boliviana, Áñez lançou-se como candidata à Presidência, mas desistiu em setembro “para não dividir a oposição”.

O período também foi marcado por perseguição a militantes do MAS, aliados e apoiadores de Morales – que está exilado na Argentina desde o golpe.

Tudo pelo lítio?

A disputa pelo lítio é o principal motivo dos conflitos, agravados pelo racismo propagado pela extrema direita contra a maioria indígena. Essa é a avaliação do MAS, que governou o país entre 2005 e 2019, e de analistas internacionais entrevistados pelo Brasil de Fato nos últimos meses.

Lítio é um metal alcalino usado para fabricação de pilhas e baterias, cujas maiores reservas mundiais estão na Bolívia – cerca de um terço de todo lítio do planeta. Um dos pilares do governo Morales foi a nacionalização do petróleo, do gás e dos recursos minerais do país, o que permitiu um crescimento econômico recorde e a redução da extrema pobreza em quase 20 pontos percentuais.

Quem conduziu esse processo à frente do Ministério de Economia e Finanças ao longo de 12 anos foi justamente Luis Arce. A proposta baseou-se na transferência de empresas privadas para o controle do Estado e, principalmente, na renegociação de contratos de transnacionais, que tiveram que pagar um imposto adicional de 32% para exploração dos recursos minerais.

O lítio é um dos assuntos mais citados nas campanhas virtuais dos candidatos à Presidência, o que evidencia uma disputa de projeto político e econômico cada vez mais acirrada. A pandemia do novo coronavírus, com impactos sobre a economia mundial, reforçou a importância do debate sobre mudanças na matriz energética e estratégias para retomada do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

O tema ganhou ainda mais centralidade a partir de 25 de julho de 2020. Foi quando Elon Musk, CEO da Tesla, empresa estadunidense que fabrica carros elétricos, respondeu de maneira irônica e agressiva a um comentário nas redes sociais sobre sua participação na anulação das eleições de 2019 na Bolívia: “Vamos dar golpe em quem quisermos. Lide com isso”.

Para Arce, a declaração de Musk é reveladora sobre os motivos do golpe e os interesses estrangeiros que estão em jogo nas novas eleições. Os demais presidenciáveis, que haviam apoiado a renúncia de Morales no ano anterior, minimizam o posicionamento do CEO da Tesla.

Desconfiança

Mudanças no alto escalão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) são vistas com desconfiança por analistas políticos bolivianos.

Outro motivo de preocupação é a manutenção da OEA como observadora das eleições. O papel do secretário-geral Luis Almagro tem sido denunciado por entidades de direitos humanos e ativistas como Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel de Direitos Humanos.

Fora da Bolívia, o sinal de alerta também está ligado. No Brasil, na Argentina e no Chile, que têm as maiores comunidades bolivianas, eleitores acusam o Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP) de dificultar o acesso a informações e de desrespeitar o direito ao voto.

O MAS é o partido preferido dos imigrantes bolivianos desde que o voto no exterior foi instituído, em 2009. No ano passado, Morales teve 71% da preferência no Brasil e 58% na média dos votos fora da Bolívia.