
Foto: Reprodução/
Infelizmente, não posso concordar com Marilena Chauí – que eu tanto admiro – que disse que o governo Bolsonaro e o bolsonarismo não são totalitários, mas autoritários. Estes são conceitos básicos da ciência política. Tentarei explicar a diferença.
O autoritarismo é desmobilizador. O fascismo, ao contrário, é mobilizador. Faz toda a diferença. À título de ilustração, o regime militar de 1964 odiava qualquer aglomeração. Suas políticas adoravam gritar o “circulando” para que grupinhos de mais de 3 pessoas se dispersassem. Já Mussolini, assim como Plínio Salgado e Bolsonaro, adoram uma aglomeração fanática, fazendo selfie e gritando impropérios.
O autoritarismo aceita disputa política tutelada. O fascismo não aceita qualquer oposição. Na nossa ditadura, MDB e Arena faziam esse jogo de esconde-esconde. É assim em qualquer regime autoritário.
Poderíamos sugerir que o que Marilena Chauí disse é que há um “espírito autoritário”, e não fascista, no bolsonarismo. Também não é bem assim. O espírito autoritário separa a sociedade da autoridade que tutela tudo e todos. O espírito fascista confunde líder com nação e pátria. Daí a noção de um certo patriotismo fanático – diferente do patriotismo burocrático do autoritarismo – que enaltece a cultura popular como base de um poder popular. No fascismo é o povo trabalhador, a massa, a sua base social; no autoritarismo, é a elite o centro do discurso de desenvolvimento.
Marilena não detalhou neste nível, mas fascismo se distingue de nazismo. O nazismo possui discurso unificado, unitário e excludente. A partir do discurso, segrega e classifica o bem e o mal. O fascismo é inclusivo, uma esponja que faz aderir a si outros ideários que se somam.
Mussolini fez um acordo com a Igreja Católica que gerou o Tratado de Latrão (sem ele, não haveria Vaticano como Estado). Plínio Salgado, depois que conversou com Mussolini em 1930, adotou o catolicismo como base do integralismo. O fascismo tudo absorve e é tipicamente latino.
Este debate ocorreu durante a ditadura militar brasileira. A esquerda buscava interpretar se seria um regime autoritário, fascista ou bonapartista. De tempos em tempos, a discussão retorna. O que revela a característica de nossa democracia, tema final deste artiguinho.
A democracia brasileira sempre foi um Estado de Exceção. Por este motivo que dizer que nossas instituições estão funcionando normalmente não é o mesmo que dizer que vivemos uma democracia clássica, estável. Estado de Exceção é ação governamental que se dá nas brechas da lei. Agamben sugere que a versão contemporânea deste tipo de Estado nasceu depois do atentado de 11 de setembro. A partir daí, o governo dos EUA se viu no direito de atacar qualquer pessoa ou coletivo que achasse que teria alguma relação com terrorismo. Os direitos civis foram parcialmente suspensos.
A seletividade da concessão da cidadania concreta para um ou outro cidadão passou a ser um escrutínio do governo de plantão. Ora, isso sempre ocorreu no Brasil durante todo regime republicano (nem citarei o período anterior porque definitivamente antidemocrático).
Então, para finalizar, temos que entender que a peculiar democracia brasileira enseja movimentos fascistas, mais que autoritários (que também se sentem acomodados nesta cultura política). Estamos sempre à mercê de lideranças carismáticas que se acham a própria nação.
Artigo escrito pelo cientista político Rudá Ricci
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