Bolsonarista, presidente da Federação Israelita do Rio pede licença após agredir octogenária. Por Clayton Netz

Atualizado em 23 de outubro de 2018 às 19:46
Ary Bergher

POR CLAYTON NETZ

Defensor de figuras notórias da corrupção organizada, como o empresário Eike Batista e o ex-governador Sérgio Cabral, o advogado criminalista Ary Bergher, presidente da Federação Israelita do Rio de Janeiro (Firjan), acaba de pedir licença por tempo indeterminado do cargo, que ocupava há apenas dois meses.

Segundo ele, o afastamento durará o tempo necessário “para avaliação e tratamento de possíveis efeitos colaterais adversos de medicamentos que passei a usar recentemente devido ao alto nível de estresse que venho passando em defesa de nossa comunidade.”

Na verdade, a licença é uma saída estratégica diante da revolta da comunidade judaica carioca diante de episódios em que figurou como protagonista.

O primeiro deles aconteceu no fim de semana passado. Na ocasião, Bergher foi convidado a retirar-se do tradicional Clube Hebraica depois de agredir com xingamentos diversos sócios, entre eles uma senhora de 88 anos de idade, durante um festival de dança judaica.

A agressão verbal, à base de palavrões, foi devidamente registrada em boletim de ocorrência na 9ª Delegacia de Polícia, no Catete.

Entre os motivos apontados para o acesso de fúria aparecem divergências políticas entre a vítima e o agressor, apoiador de carteirinha do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro.

Foi exatamente na Hebraica carioca, por sinal, que o presidenciável do PSL protagonizou um dos episódios mais deprimentes de sua trajetória política, em abril do ano passado.

Convidado para uma palestra, o “mito” agraciou os presentes, que lotaram o auditório, com algumas das peças mais inspiradas do seu discurso obscurantista e preconceituoso. Entre outras sandices, revelou que após ter quatro filhos homens, havia “fraquejado” em relação ao quinto, o que resultou no nascimento de uma menina.

Também fizeram parte do repertório de sandices daquela apresentação as críticas de Bolsonaro aos quilombolas, cujo peso foi medido por ele em arrobas, o que ao seu ver os impediria não só de trabalhar, como de procriar.

A agressão à octogenária fora precedida, dois dias antes, por uma manobra de Bergher: portador de um documento em que a Confederação Israelita Brasileira (Conib), a entidade máxima da comunidade judaica no país, fazia uma defesa da democracia, transformou-o num apoio explícito a Bolsonaro (detalhe: o mesmo documento foi também encaminhado a Fernando Haddad).

Não satisfeito, confirmou em vídeo esse apoio ao ex-capitão, supostamente em nome da Conib e das Federações Israelitas estaduais. Essas atitudes de Bergher foram veementemente condenadas por diferentes setores da comunidade.

Em nota, o grupo Judeus pela Democracia exigiu uma tomada urgente de posição pela Fierj e o afastamento sumário do atual presidente, que num acesso de lucidez resolveu acatar a sugestão.

Em São Paulo, 155 pessoas, encabeçadas pelo cineasta Cláudio Khans, emitiu um texto sobre o episódio, reproduzido abaixo:

Estamos assistindo dentro da comunidade judaica do Rio de Janeiro o descalabro de mais uma instituição que, ao contrário da Hebraica, que é apenas um clube social, desta vez tem a autoridade representativa da comunidade carioca, a FIERJ (Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro).

No Brasil, a entidade máxima da comunidade é a CONIB (Confederação Israelita do Brasil), e a ela estão filiadas as federações israelitas dos estados, que por sua vez representam as comunidades locais.

A CONIB achou por bem encaminhar um documento aos dois concorrentes à presidência da república, onde em resumo, fazia a defesa do respeito à democracia. Em nenhum momento, como era de se esperar, a CONIB expressou qualquer agravo, ou desagravo, a nenhuma das candidaturas.

Eis que, o Sr. Ary Bergher, presidente da FIERJ, encarregado de fazer a entrega da manifestação ao representante do PSL, faz disso um ato de apoio da comunidade judaica ao candidato do partido.

Esta atitude combina um ato de falsidade ideológica com apropriação indébita. Ele não recebeu mandato da CONIB para apoiar um candidato e tampouco era o dono do manifesto. O que assistimos foi o mensageiro se assumindo o responsável pela mensagem.

Como nada está tão ruim que não possa piorar, este mesmo senhor em meio a um evento na já famigerada Hebraica-RJ, agride uma senhora de 88 anos por banalidades e ofende outros tantos membros da comunidade que lá estavam.

De certa forma já estamos assistindo no Brasil atos de violência inomináveis, inclusive com mortes e todos relacionados com a campanha política do PSL.

O que ainda não havia acontecido, e talvez seja esta a grande novidade, é que, eis que nas nossas próprias instituições, a violência já bate à porta, vinda justamente daquele que foi eleito para representar toda uma comunidade.

O Sr. Ary Bergher é apenas o primeiro a colocar as mangas de fora, mas certamente não será o último, principalmente se a comunidade carioca não tomar as providências cabíveis dentro do que está previsto no estatuto da federação.

Também é preciso que a CONIB não se omita e se manifeste em favor do respeito à democracia, objeto de seu manifesto, e da dignidade que dirigentes comunitários precisam ter respeitando a todos.

Nós, judeus brasileiros agradecemos.