Bolsonarista, produtora de filme pró-golpe fez vídeo viral com fake news sobre urnas fraudadas em 2018. Por Kiko Nogueira

Atualizado em 2 de abril de 2019 às 7:55

A rede Cinemark disse em comunicado que foi um “erro” a projeção de “1964, o Brasil entre armas e livros”, libelo revisionista sobre a ditadura.

A exibidora afirmou, tarde demais, que não se envolve com questões político-partidárias e não permite a utilização das salas para eventos de cunho político.

Alega que, por um “erro de procedimento em função do desconhecimento prévio do tema do evento”, acabou permitindo sua realização.

Como um relações púbicas dedicado, Eduardo Bolsonaro vem promovendo o documentário. 

Segundo ele, há “verdades nunca antes contadas – muito menos pelo seu professor de história”.

A produtora se chama Brasil Paralelo, criada em 2016 por gaúchos, bolsonarista até o último fio de cabelo. 

O Zero 3 é estrela de diversas “entrevistas” no canal. Jair também.

Foi ali que o chanceler Ernesto Araújo declarou, cheio de dentes, que o nazismo é de esquerda.

Com relação à fita sobre o golpe, os realizadores se orgulham de ter ido a Praga, na República Tcheca, vasculhar documentos do Centro de Arquivos do Bloco Soviético.

Olavo de Carvalho aparece falando sobre esse feito. Eis a prova de que os comunistas queriam dominar o planeta.

O Brasil Paralelo tem em seu site vários vídeos com conteúdo sob medida para indigentes mentais de extrema direita. 

Um deles causou furor nas eleições passadas com uma fake news grotesca.

Reproduzo trecho de matéria de outubro de 2018 do G1:

Em um vídeo publicado no YouTube do canal “Brasil Paralelo”, com 1,3 milhão de visualizações, um homem identificado como Hugo Cesar Hoeschl afirma que “estudos internacionais indicam que a probabilidade de fraude na última eleição presidencial foi de 73,14%”. O autor, que diz já ter trabalhado como delegado, promotor e procurador, afirma ainda que as urnas eletrônicas brasileiras não são auditáveis.

As informações sobre as urnas são #FAKE.

O grupo cita um estudo divulgado em 2015 denominado “Evidências de inconformidades formais nos dados da apuração da eleição eletrônica brasileira de 2014”, que concluiu “grau de consistência probabilística da eleição eletrônica brasileira de 2014 de 26,851%” e reprovação de 73,149%.

O estudo usa a Lei de Newcomb Benford, uma ferramenta de mineração de dados, como metodologia. Um dos autores da nota técnica é Hugo Cesar Hoeschl, responsável pelo vídeo checado. A pesquisa reconhece, porém, que não é possível afirmar taxativamente que houve fraude eleitoral em 2014 e diz que até o momento de sua publicação não há prova material de fraude.

A equipe do Fato ou Fake não localizou a publicação do estudo em nenhuma revista científica nacional ou internacional. Os autores do novo vídeo do “Brasil Paralelo” afirmam que a nota técnica foi apresentada no Conclave da Democracia em Washington, realizado em 2015. O evento, porém, não é científico.

Sobre as possíveis fraudes e ausência de auditoria nas urnas eletrônicas, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirmou, na última sexta-feira, que “há vinte e dois anos, as urnas eletrônicas têm sido utilizadas nas eleições brasileiras sem nenhuma comprovação efetiva de fraude”.

O tribunal informou ainda que “o resultado das Eleições Gerais de 2014 foi auditado de modo independente por iniciativa de partido político, sem que qualquer irregularidade fosse identificada”.

E disse que que “não há registro, porém, de que o autor do vídeo tenha participado de qualquer evento de auditoria e transparência, a exemplo dos testes públicos de segurança realizados pelo TSE e da apresentação dos códigos-fonte”.

Sobre a Lei de Newcomb-Benford, Claudio Landim, matemático e diretor-adjunto do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), diz que ela é uma lei empírica, observada pela primeira vez, em 1881, pelo atrônomo Simon Newcomb, que descreve a frequência relativa do primeiro dígito significativo em certos fenômenos, como a superfície de rios, a população das cidades de um país, o diâmetro de planetas. “A lei, entretanto, não é universal. Ela não descreve corretamente, por exemplo, o primeiro dígito dos sorteios da Mega-Sena, ou o da população das cidades de um país que tenham entre 300 e 900 habitantes.”

Segunda a lei de Newcomb-Benford a frequência dos dígitos significativos decai em uma escala logarítmica. Assim, o primeiro dígito significativo mais frequente aparece aproximadamente em 30,1% das vezes, o segundo em 17,6% e o último em 4,6%.

A lei de Newcomb-Benford (NB) tem sido usada para detectar fraudes fiscais, contábeis, eleitorais e científicas. Landim diz que “é preciso, no entanto, um certo cuidado ao analisar os resultados eleitorais sob esta ótica”. “Circulam na internet estudos sem nenhum fundamento científico sobre fraudes em eleições brasileiras passadas baseados na lei de NB. Por outro lado, não há, a meu conhecimento, nenhuma evidência de que o primeiro dígito significativo das bases de dados do TSE seja distribuída segundo a lei de NB. (…)

O Tribunal Superior Eleitoral afirmou ainda não haver registro de que Hoeschl tenha participado “de qualquer evento de auditoria e transparência, a exemplo dos testes públicos de segurança realizados pelo TSE e da apresentação dos códigos-fonte”.

Como sempre, fica a pergunta: quem está pagando a conta?