Bolsonaro acabou com conselho de segurança alimentar ao mesmo tempo em que a fome voltou. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 19 de julho de 2019 às 21:08
Francisco Menezes, do Ibase

O economista Francisco Menezes, reconhecido por estudos e propostas de políticas públicas de combate à fome, não sabe de onde Jair Bolsonaro tirou informação para dizer a jornalistas estrangeiros que não há brasileiros passando fome.

Mais tarde, em outra entrevista, Bolsonaro de outra declaração. Disse que as pessoas comem mal, alguns passam fome. Mas ainda assim não encarou de frente o problema, que é grave.

Se Bolsonaro estivesse em 2014, até poderia dizer algo parecido com o que disse aos correspondentes estrangeiros. Naquele ano, o Brasil pela primeira vez não apareceu do Mapa da Fome divulgado periodicamente pela ONU.

“Isso se deu por força do desenvolvimento do país que ocorreu de forma inclusiva, mas também por força de programas voltados para a segurança alimentar e nutricional da população, programas amplos, programas que buscam abranger o conjunto de pessoas mais vulneráveis a esse risco. E conseguimos essa superação”, disse ele em entrevista ao DCM Jornal das 6.

Mas foi uma vitória que durou pouco tempo.

Em 2015, quando o governo Dilma Rousseff começou a ser inviabilizado por um movimento político que visava tirá-la do Planalto, os índices de fome e desnutrição se elevaram e hoje existe o risco de, efetivamente, o país voltar a esse ranking negativo.

“Advertimos para a possibilidade do Brasil voltar ao Mapa da Fome. Vemos isso como uma possibilidade cada vez mais concreta. Foi, de um lado, resultado de uma crise que foi enfrentada com a camada mais pobre da população pagando essa conta. Em segundo lugar, pela destruição progressiva daqueles programas que possibilitaram haver esse avanço e esse e socorro, inclusive para os mais vulneráveis. Isso ocorreu sobretudo por essa malfadada politica que se chamou de zerar os gastos, mas que recai, sobretudo, para os gastos de programas sociais — que não consideramos gastos, consideramos investimentos na população, na sua capacidade de consumir, de viver dignamente. Vão sendo esses programas, pouco a pouco, alguns de forma mais acelerada, destruídos”, observou.

Francisco Menezes trabalha no Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a entidade criada pelo sociólogo Betinho, que na década de 90, durante o governo de Itamar Franco, ajudou a criar a campanha nacional de combate à fome.

O economista lembra que aquele movimento, que já durava 25 anos, sofreu grande retrocesso já no primeiro ato do governo Bolsonaro.

Por medida provisória, foi extinto o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que possibilitava à sociedade pressionar o governo para adoção de programas nessa áreas.

Foi assim que nasceram, no governo Lula, programas como o de cisternas e o de aquisição de alimentos produzidos pela agricultura familiar.

Com o fim do Conselho, também foi cancelada a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que deveria se realizar em 2019.

Segundo ele, a situação da fome só não está pior porque, ao mesmo tempo em que o governo federal retrocede, a sociedade reage.

“Vimos, em 2016 e 2017, a desnutrição retomar um movimento de alta. Estou falando aqui no caso de crianças de zero a 5 anos. Observando estes dados, notamos que, em 2018, esse movimento de alta não prosseguiu. Estudando o que explicaria isso, nós observamos que a sociedade começou entre ela mesma se organizar para esse socorro em relação aos mais vulneráveis. Não estou falando do socorro dado pelos ricos para os mais pobres, mas, dentro das próprias comunidades, há uma movimentação de solidariedade. Esse apoio social que assim chamamos é capaz de gerar resultados por um tempo. Mas não podemos abrir mão da defesa das politicas públicas adotadas antes, que isso é que conseguirá dar uma garantia de nos livrarmos dessa chaga que o país carrega historicamente e que estávamos vencendo.”

“Dizer que a fome não existe não resolve o problema.”

Veja a entrevista de Francisco Menezes: