Bolsonaro e a imprensa: um faz de conta de gato e rato, em que o rato come o gato. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 4 de dezembro de 2018 às 12:01

Dois tuítes de Bolsonaro revelam quem será o seu assessor de comunicação: Jair Bolsonaro. Ele escreveu na noite de segunda-feira:

“Boa noite a todos! #ASCOMJMB … KkkKkkkKkk”

Depois explicou:

“Só uma pequena zuera (sic)! Kkkkkk… forte abraço e que comecem as especulações midiáticas absurdas!”

Com a desculpa de que estava brincando, o que Bolsonaro passou é a mensagem de que ele é quem faz a sua política de comunicação.

E, na verdade, tem sido assim desde que seu nome foi impresso pela primeira vez na revista Veja, na edição de 3 de setembro de 1986.

Naquela data, ele teve publicado um artigo na última página da revista, a coluna Ponto de Vista, em que reclamava dos baixos salários no Exército.

Termina o texto com a frase que, 32 anos depois, utilizaria na campanha a presidente: “Brasil acima de tudo”.

Capitão do Exército na época, Bolsonaro se comportou com uma sindicalista.

No texto, ele reconhece a importância do resultado da atuação dos sindicatos, ao afirmar que outras categorias de trabalhadores haviam conquistado benefícios salariais, “através da luta sindical”.

Salienta que a sindicalização era expressamente proibida entre os militares.

Com a repercussão favorável na tropa, passou a se relacionar com a imprensa e, um ano depois, estava novamente nas páginas da Veja.

A repórter Cássia Maria Rodrigues publicou a reportagem sobre a Operação Beco sem Saída, sobre um suposto plano de Bolsonaro e outro militar para detonar algumas bombas da Academia Militar de Agulhas Negras e na adutora de Guandu.

No ano seguinte, com Cássia Maria já trabalhando no Jornal do Brasil, foi publicado um artigo em que é relatado o encontro com Bolsonaro.

Ela diz que procurou o capitão do Exército para comentar a respeito da prisão de outro oficial, que também havia reivindicado aumento de salário.

Cássia diz que esteve em um apartamento na Vila Militar, em Marechal Deodoro, Rio de Janeiro, e à certa altura foi levada para um local reservado da casa pela mulher do oficial Fábio Passos da Silva.

A mulher, de nome Lígia, teria lhe falado a respeito do plano das explosões, mas pediu sigilo.

Pelo relato da repórter, ela questionou Bolsonaro quando deixou o lugar reservado, ele fez o croqui de uma bomba em Guandu e relatou sua proximidade com o general Newton Cruz, conhecido por ser linha dura do Exército e que, entre outras tarefas, comandou a expedição que executou Carlos Lamarca.

Bolsonaro teria feito as revelações em caráter reservado, mas Cássia Maria conta que quebrou o off, em razão da “gravidade da história”.

O capitão, que já havia passado quinze dias preso um ano antes pelo episódio do artigo em que reclamou dos baixos salários, respondeu a um processo interno e teve sua expulsão do Exército recomendada, mas foi absolvido no Superior Tribunal de Justiça.

Já naquela época, teria feito com a mão o gesto que marcaria sua campanha a presidente 30 anos depois — o da arma.

Só que, segundo relato da repórter, foi em direção a ela, quando a viu na unidade do Exército em que a jornalista foi depor.

Era, naturalmente, uma ameaça, o que levou a jornalista a contar com segurança em seus deslocamentos.

Na época, o JB era a publicação impressa de maior prestígio no país, tendo no seu quadro profissionais como Marcos Sá Correa, Ancelmo Gois e Zuenir Ventura, entre muitos outros.

Mas, ao falar do episódio no ano passado, em uma tensa entrevista para a Folha de S. Paulo, desqualificou a jornalista.

“Uma maluca, escreve uma besteira de uma matéria daquelas. Tanto é que ela foi demitida sumariamente da revista Veja, demitida sumariamente”, afirma.

O repórter da Folha que o entrevistou fez uma observação:

“O senhor está ofendendo uma profissional que não está presente”.

Bolsonaro continuou no ataque:

“Que profissional? Vagabundo tem em tudo quanto é lugar. No meio de vocês tem bastante. Na Folha, também tem”, disse.

Na mesma entrevista, ofendeu até os leitores do jornal cujo repórter o entrevistava:

“O eleitor de vocês é fake news, cabeça lavada”, atacou.

No final, provocou:

“Pronto para me encaveirar amanhã? Pronto para escrever?”.

O repórter argumentou:

“A gente não encaveira ninguém. Até desconheço que expressão é esta.”

No final, Bolsonaro olhou para a câmera em que a entrevista estava sendo registrada — provavelmente operada por alguém de sua assessoria — e disse:

“A Cássia Maria me elegeu deputado federal com as suas mentiras. A Folha de S. Paulo vai me eleger presidente, eu tenho certeza disso.”

Bolsonaro aprendeu a usar a imprensa como escada – não importa se com verdades ou mentiras. A imprensa é que não aprendeu — ou finge não ter aprendido — sobre como lidar com pessoas como ele.

Sem fazer as contextualizações corretas, a imprensa criou o mito e transformou um “mau militar” (expressão de Enesto Geisel) em uma liderança dos quartéis e, agora, presidente da república.

Pelo sorrisinho que dá ao final da entrevista, percebe-se que ele tem plena consciência disso.

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PS: o Ponto de Vista na Veja que tirou Bolsonaro do anonimato foi publicado quando a redação era dirigida por José Roberto Guzzo, ainda na editoria Abril, e hoje um entusiasmado defensor do capitão da reserva.

Bolsonaro na Veja era um Jabuti em cima da árvore. E jabutis não sobem em árvore. Se estão lá, é porque alguém com poder o colocou.

Quem terá sido?

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A entrevista em que Bolsonaro é muito Bolsonaro: comportamento agressivo e distorção dos fatos: