Bolsonaro é o anticarnaval e por isso o Brasil todo o mandou tomar no c*. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 5 de março de 2019 às 14:11
Bonecão de Bolsonaro. Foto: Reprodução

Carnaval é essa coisa toda porque ninguém está preocupado com os boletos ou com o futuro da humanidade.

Durante quatro dias – ou cinco, ou seis, ou semanas, a depender do lugar -, o pensamento geral é uníssono: todo mundo quer sair da casinha, cada um à sua maneira, como se fossem morrer e ressuscitar na quarta-feira de cinzas.

Como ratos de laboratório presos em looping durante 360 dias, que são dispensados temporariamente de suas obrigações e de todas as desgraças que envolvem ser brasileiro, por quatro dias podemos fazer somente o que quisermos fazer.

Por aqui a coisa toda está tão séria que mesmo nesses dias sabáticos fazemos exatamente a mesma coisa que fazemos nos outros trezentos e sessenta dias do ano (só que com uma latinha na mão): mandamos Bolsonaro e a extrema-direita brasileira para o raio que os parta, ao passo em que afirmamos o nosso direito de existir (o que significa que não se trata de uma obrigação, mas de um instinto).

As manifestações políticas mais orgânicas acontecem no carnaval, quando as pessoas estão entregues aos seus corações, quando nada é pensado ou arquitetado.

No meio da pipoca suada de Pablo Vittar, em Salvador, “ei, Bolsonaro, vai tomar no c*!” ecoava a cada cinco minutos.

À minha volta, nenhuma boca estava fechada, e tive a impressão de que todos os foliões do maior carnaval do mundo – se não todos, a grande maioria – de fato querem que Bolsonaro tome no c* (e estamos errados?)

Na multidão que seguia Baiana System – nossa galinha dos ovos de ouro nacionalmente aclamada e com uma força política que talvez nem mesmo os baianos tenham ainda conseguido captar -, o grito era o mesmo.

E também na pipoca de Igor Kannario, príncipe de gueto e Deputado Federal, que tem aliás minha total admiração.

Em Belo Horizonte, um major tenta proibir manifestações contra o governo. “Ei, Bolsonaro, vai tomar no c*” é a resposta.

No Rio, a Tuiuti, com o enredo “Salvador da Pátria”, em homenagem ao ex-presidente Lula, faz o desfile mais esperado da noite. No fim, a plateia pede Lula Livre (que é o mesmo que dizer: “ei, Bolsonaro, vai tomar no c*”).

A Mangueira emociona com uma homenagem a Marielle Franco, com Freixo e Mônica Benício empunhando bandeiras, e uma plateia que entoava em coro “Marielle Vive”

Para onde quer que se olhe, a força brota de nossa alegria, e todas as questões políticas fervem mesmo quando seria completamente aceitável que quiséssemos esquecê-las, tamanho o desespero.

Em 2014, um estádio de futebol inteiro gritou “Ei, Dilma, vai tomar no c*”. Um estádio lotado pela classe média – que, aliás, nos jogou no buraco onde estamos – e não houve major que tentasse impedi-los.

Agora, a coisa toda é mais complexa: é um país inteiro que grita “ei, Bolsonaro, vai tomar no c*”. É a favela que segue Kannario, é a juventude que segue baiana, é o verdadeiro povo que ovaciona a Tuiuti e a Mangueira.

Não adianta tentar calar um grito que brota do mais profundo de nossos instintos.

Você pode até nos submeter a um governo desumano, Brasil, mas querer nos dizer o que fazer justamente no Carnaval já é vandalismo.

Nós somos milhões.

E eles são muitos, também – mas, diria Ednardo: não podem voar.