Bolsonaro e o crime organizado pelas milícias: uma investigação que já deveria ter sido feita. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 22 de janeiro de 2019 às 19:29
Flávio e o pai, na festa de aniversários dos PMs gêmeos que trabalhavam para o crime organizado

Em novembro do ano passado, o então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, disse que o envolvimento de políticos poderosos no assassinato de Marielle Franco era “mais que uma certeza”.

A frase passou despercebida para a maioria das pessoas, inclusive jornalistas, mas o sociólogo Emir Sader, já informado do envolvimento da família Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro, postou no Twitter:

“E se as investigações de Marielle forem dar em alguém da família do Bolsonazi?”

Atacado na rede social por grupos de extrema direita e até por um filho de Bolsonaro, Carlos, Emir não voltou ao assunto.

Não porque se sentisse intimidado, mas porque não tinha nenhuma outra informação que ligasse diretamente a família Bolsonaro à morte de Marielle.

“Fiz a postagem sem acusar ninguém, apenas porque sabia que havia e há gente com muito poder por trás dessa investigação, impedindo que ela avance. Ouvi o ministro Raul Jungmann dizer que tinha figurão envolvido”, informou.

Hoje, depois da Operação Intocáveis, deflagrada pelo MP do Rio, não se pode afirmar que Flávio Bolsonaro esteja envolvido na morte de Marielle, mas ficou evidente a relação dele com o crime organizado através das milícias.

Se milicianos estão envolvidos no assassinato de Marielle, como suspeita a polícia, não se pode afastar a hipótese de influência política que impeça o avanço das investigações.

Estaria Flávio envolvido nesse crime?

“Não acredito, porque não acredito que os milicianos estejam envolvidos no assassinato de Marielle. É gente poderosa, mas não é miliciano. O que ficou evidente agora, e complicou as coisas para o Flávio, é a ligação da família com os milicianos”, disse um político do Rio de Janeiro que já participou de CPIs para apurar a atuação das milícias.

Um dos milicianos que tiveram a prisão decretada é Adriano Magalhães da Nóbrega, que era capitão do Bope, o batalhão de elite da Polícia Militar do Rio de Janeiro, até ser expulso da corporação.

Ele é apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como um dos líderes do chamado “Escritório do Crime”, a organização que presta serviços fora da lei, como dar apoio à grilagem de terra e até homicídios.

A mãe e a esposa de Adriano, respectivamente Raimunda Veras Magalhães e Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, trabalharam no gabinete de Flávio Bolsonaro.

Raimunda aparece no relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), como autora de depósitos em dinheiro na conta de Fabrício Queiroz, também assessor de Flávio.

Ela recebia salário de R$ 6,4 mil brutos e depositou na conta de Queiroz R$ 4,6 mil.

Trecho do relatório do Coaf em que aparece o nome da mãe do miliciano, funcionário de Flávio: depósito na conta do Queiroz

A mulher do ex-capitão e atual miliciano, também lotada no gabinete de Flávio, recebia o mesmo salário que a sogra.

Em 2003, Adriano foi homenageado por Flávio Bolsonaro, com uma moção de louvor e congratulações “por prestar serviços à sociedade com absoluta presteza e excepcional comportamento nas suas atividades”.

Outro líder do chamado “Escritório do Crime”, o major Ronald Paulo Alves Pereira, também foi homenageado pelo deputado Flávio, um ano depois.

Ao mesmo tempo em que Flávio homenageava policiais que, hoje se sabe, estão envolvidos com as milícias, o pai, Jair, também defendia os milicianos da tribuna das Câmara dos Deputados.

Em agosto de 2003, ele fez o seguinte discurso:

“Quero dizer aos companheiros da Bahia — há pouco ouvi um parlamentar criticar os grupos de extermínio — que enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio, porque no meu Estado só as pessoas inocentes são dizimadas”, afirmou (veja áudio abaixo).

Em dezembro de 2008, Bolsonaro voltou a defender as milícias, desta vez criticando o relatório da CPI das Milícias divulgado pelo deputado Marcelo Freixo.

“Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com “gatonet”, com venda de gás. Como ele ganha 850 reais por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade”, afirmou.

Nesta época, Flávio Bolsonaro passou a integrar a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, e usava uma camiseta: “Direitos Humanos, a excrescência da vagabundagem”.

Além disso, ele também defendeu o pagamento de taxas a milicianos.

“As classes mais altas pagam segurança particular, e o pobre, como faz para ter segurança? O Estado não tem capacidade para estar nas quase mil favelas do Rio. Dizem que as milícias cobram tarifas, mas eu conheço comunidades em que os trabalhadores fazem questão de pagar R$ 15 para não ter traficantes”, disse ele, segundo registra o GGN de hoje.

Nessa época em que se apresentava como defensor da milícias, Flávio Bolsonaro começou a fazer negócios intensos na região da Barra da Tijuca, região onde, segundo a Operação Intocáveis, atua o escritório do crime.

Em 2010, o senador eleito adquiriu 7 de 12 salas comerciais do condomínio Prime. Um mês e meio depois, vendeu estas mesmas salas para a MCA Participações, empresa que tem entre seus sócios uma offshore do Panamá. Teria tido lucro de 300 mil reais.

Na última campanha eleitoral, o nome de Flávio apareceu associado a dois PMs presos na Operação Quarto Elemento, Alan e Alex Rodrigues de Oliveira, que são irmãos gêmeos e eram acusados de dar cobertura para milicianos extorquirem dinheiro.

Os PMs participavam da segurança de Flávio durante atos de campanha, e eram pessoalmente próximos do senador eleito e do pai, então candidato a presidente.

Bolsonaro pai e Bolsonaro filho chegaram a participar da festa de aniversário dos dois PMs, com direito a uma postagem de Flávio na rede social.

“Esta família é nota mil”, escreveu o senador eleito.

A irmã dos policiais, Valdenice de Oliveira Meliga, era funcionária de confiança de Flávio Bolsonaro. Ocupava um cargo no gabinete dele, e era tesoureira do PSL no Rio.

A Operação Quarto Elemento também prendeu três outros policiais que haviam sido homenageados por Flávio, Leonardo Ferreira de Andrade, Carlos Menezes de Lima e Bruno Duarte Pinho.

Ao mesmo tempo em que se concentrava no apoio às milícias, Flávio Bolsonaro enriquecia.

O patrimônio declarado dele aumentou 6.723% desde que entrou na política. Em 2002, era 25,5 mil reais. Em 2018, subiu para R$ 1,7 milhão.

Note-se: patrimônio declarado à justiça eleitoral, mas, aparentemente, ele é mais rico.

O valor dos bens informados ao TRE é inferior ao que ele pagou, por exemplo, por dois imóveis adquiridos entre 2014 e 2017: 4,2 milhões.

Flávio Bolsonaro mora em um apartamento de frente para a praia na avenida Lúcio Costa, Barra da Tijuca, comprado por R$ 2,55 milhões, R$ 1,64 milhão abaixo do que o declarado à justiça eleitoral.

É cedo para relacionar o esquema de Flávio Bolsonaro ao assassinato de Marielle e a outros crimes no Rio.

Mas descartar a sua relação com essas organizações criminosas é ingenuidade. O gabinete dele era repleto de pessoas ligadas às milícias, sem contar Queiroz e a família.

Tudo muito, muito suspeito.