Bolsonaro e seus fanáticos: retorno à tradição não democrática? Por Marcio Pochmann

Atualizado em 22 de abril de 2020 às 16:23
Jair Bolsonaro. Foto: Evaristo Sá/AFP

PUBLICADO NA REDE BRASIL ATUAL

POR MARCIO POCHMANN

O poder militar e a igreja, as duas principais instituições historicamente consolidadas no país, voltaram a influenciar decisivamente a política nacional. O descrédito no sistema político vigente, operado de forma fragmentada e com cada vez menor expressividade e correspondência às necessidades e aspirações do eleitorado, tem contribuído para isso.

O esvaziamento partidário reflete o quanto as agremiações políticas brasileiras encontram-se ultrapassadas, com decrescente capacidade de formar governos operosos e estáveis. A existência de 33 partidos oficialmente reconhecidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, que informa ainda haver mais outros 77 em formação, inclusive a legenda patrocinada pelo presidente Bolsonaro (Aliança pelo Brasil), indica o quanto as legendas partidárias encontram-se deslocadas das mudanças atuais na sociedade.

Nesse sentido que instituições seculares como o poder militar e a igreja ressurgem com grande repercussão na política nacional. A começar pelo fato dos partidos políticos estarem em constante instabilidade no funcionamento ao longo do tempo.

Embora existentes desde o início do século 19, os partidos monarquistas foram destituídos com o nascimento da República, em 1889. Na sequência, a Revolução de 1930 sepultou os partidos da República Velha (1889-1930), cujo reaparecimento de novas agremiações partidárias somente ocorreu entre 1945 e 1964, quando o golpe civil-militar de 31 de março desativou novamente as legendas até então existentes.

Durante o período ditatorial (1964-1985), somente dois partidos puderam existir: a Arena, de apoio ao autoritarismo, e o MDB, que representava a oposição consentida. Antes mesmo da transição para democracia, em 1985, o sistema multipartidário estava novamente instituído, permitindo a proliferação de partidos até os dias de hoje.

Com apenas dois partidos (PMDB e PFL), o governo Sarney (1985-1990) continha a maioria no Congresso Nacional. Nos anos de 1990, os governos de FHC (1995-2002) constituíram a maioria no Congresso Nacional com cinco partidos, ao passo que nos governos Lula, a quantidade de partidos necessária para alcançar a maioria congressual simplesmente dobrou.

Diante da antecipada transição para a sociedade de serviços, com a difusão das novas tecnologias de informação e comunicação, a perspectiva de estabilidade associada ao poder militar e as igrejas contamina mentes e corações tanto no andar de cima como na base da pirâmide social.

Também não é para menos, no país que já acumula seis anos de ausência do crescimento econômico sustentado, cuja população tem sido exposta à contínua degradação na qualidade de vida e nas condições de trabalho e renda.

A chegada da covid-19 parece acentuar ainda mais a instabilidade no presente, imagina o que poderá acontecer ainda mais em relação ao futuro. Mesmo que seculares, igreja e poder militar mudam de papel diante das transformações socioeconômicas.

Na sociedade agrária vigente até a década de 1930, o poder militar atuava como participante oposto ao atraso, radicalizando nas mudanças que instalaram as novidades tanto no fim da escravidão e da monarquia como na transição para a sociedade urbana e industrial. Pela formação da sociedade de massas urbanas, o avanço da modernidade tornou o militar o guardião do status quo, cada vez mais conservador e reacionário a mudanças.

Com a presença onde em geral o governo não chega, a Igreja tem exercido significativa influência política. Embora a Igreja Católica tenha detido a hegemonia sobre o conjunto da população agrária (1500-1930) e industrial (1930-1980), ela tem registrado acelerado enfraquecimento frente ao atual avanço para a sociedade de serviços.

A ascensão do pentecostalismo inaugura outra forma de influência – reacionária e conservadora – das igrejas na política nacional. Se combinada ainda à dominância de militares no governo Bolsonaro, identifica-se o risco de novo retorno à tradição não democrática.