Bolsonaro embarca o Brasil em uma canoa furada, diz o economista Paulo Nogueira. Por Paulo Donizetti

Atualizado em 12 de julho de 2019 às 23:43
Paulo Nogueira Batista Jr.

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual (RBA)

POR PAULO DONIZETTI

O economista Paulo Nogueira Batista Jr. é o convidado de Juca Kfouri no programa Entre Vistas, nesta quinta (11), às 22h, na TVT. Fala sobre o desempenho do Brasil no G20, as caneladas na política externa e ambiental, as negociações junto a organismos internacionais e sobre a economia local. Perguntado pelo mediador sobre suas expectativas em relação às medidas adotadas pelo governo Bolsonaro para uma retomada do crescimento econômico, foi curto: nenhuma medida foi tomada tendo esse objetivo. A única proposta, avalia Batista Jr., é uma reforma geral da Previdência, baseada num erro absoluto de diagnóstico, e o governo parece acreditar na fada da confiança.

“Se passar como está, a reforma não será suficiente para promover uma retomada. O fator confiança está superestimado”, diz o economista, que representou o Brasil na direção do Fundo Monetário Internacional (FMI) por quase 10 anos. Formado em Economia na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e mestrado na Escola de Economia e Ciência Política de Londres, Paulo Nogueira Batista Jr. iniciou carreira de professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) no final dos anos 1980. Depois do FMI, foi indicado pela presidenta Dilma Rousseff para o posto de vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o Banco dos Brics, até ser demitido pelo governo de Michel Temer, há dois anos.

Segundo o especialista, os economistas do governo Bolsonaro, chefiados pelo ministro Paulo Guedes, parecem ter estudado na Escola de Chicago nos anos 1970 e jamais se reciclaram, nem viram o que aconteceu no mundo de lá para cá, onde suas ideias foram testadas e abandonadas. “Estamos embarcando em uma canoa furada, e das antigas. Que se cometam erros, mas erros novos, por favor”, ironiza o professor. Paulo Nogueira se refere à tática da austeridade como forma de conter a demanda por gastos públicos, presente na proposta de reforma que faz com que a maioria dos brasileiros passe a contribuir mais, por mais tempo, para no fim receber menos.

Será esse o resultado de um plano construído com base apenas no viés da “despesa” e que despreza o outro lado do problema: a receita. Um país que não cobra dos grandes devedores, que concede isenções para outros tantos e que não tem ideia de como fazer sua economia crescer para… aumentar suas receitas, não será só atacando a demanda por despesas que vai se resolver.

Quintal de ninguém

O Entre Vistas tem a participação da pesquisadora Marina Liuzzi, do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimento da FGV, e da jornalista Katia Passos, atuante do coletivo Jornalistas Livres. Ambas quiseram ouvir de Paulo Nogueira Batista Jr. avaliações sobre o desempenho de Jair Bolsonaro na política externa, área em que o entrevistado se notabilizou durante suas missões na direção do FMI e do Banco dos Brics. Sobretudo o que se pode extrair da recente ida ao G20, a reunião dos chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo, ocorrida em Osaka, no Japão. E o que pode acontecer com a possível entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo global que reúne 36 dos países mais ricos e democráticos do mundo, onde mandam os mais ricos que podem e obedecem os menos ricos que têm juízo.

Paulo Nogueira considera a disposição do governo Bolsonaro em entrar nesse clube o mesmo que reivindicar o direito de entrar em uma estrada esburacada em direção ao precipício. “Que precipício? O da perda da nossa soberania!”, exclama. E explica: “A OCDE não é um clube confortável em Paris. É um conjunto de normas e disciplinas que servem aos países desenvolvidos impostas aos incautos da periferia que querem chegar lá, mas não vão participar do banquete. Vão ser garçons. Aquela organização é totalmente dominada pelos desenvolvidos”, alerta. Além disso, em troca de uma cadeira na OCDE o governo Bolsonaro aceita abrir mão do atendimento preferencial na Organização Mundial do Comércio.

Sobre o acordo de livre comércio costurado entre Mercosul e União Europeia, celebrado na reunião do G20, o economista admite que ainda é cedo para julgar, até porque os termos do acordo – muito extenso e muito complexo – não foram explicitados aos brasileiros. “Vamos conhecer a fundo quando debruçarmos sobre seu conteúdo na página da União Europeia”, acredita, apostando que a pressão da sociedade europeia por mais transparência é maior do que por aqui. Mas antecipa: “O acordo não me parece livre nem comercial.”

Trata-se, observa ele, de um acordo que vem sem sendo discutido há 20 anos, desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Mas a negociação foi concluída sob um governo já em fase final e fragilizado de Mauricio Macri, na Argentina, e sob um governo Bolsonaro também considerado frágil no plano externo. O professor não arrisca prever algo positivo vindo de um acordo em que o Brasil abre mão de baixas tarifas de exportação de matéria-prima e deixa de cobrar tarifas mais significativas ao importar produtos industrializados de maior valor agregado e mais sofisticados. “Vai acentuar a primarização da nossa economia”, lamenta, não vendo futuro para uma política industrial interna.

Vexames como o presidente da República fazer papel de comediante ao falar do nióbio, a apreensão de 39 quilos de cocaína na mala de um militar brasileiro integrante da comitiva presidencial também são comentados por Paulo Nogueira Batista Jr., que compara peças importantes da delegação brasileira em Osaka – como os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Ricardo Salles (Meio Ambiente), além do próprio Bolsonaro – com um time de várzea.

Para o professor, o Brasil teve uma agenda rica e importante no G20, mas faltaram os craques para receber a bola e ir lá fazer os gols. “Sabe quando o cara quer jogar bonito e chuta bola longe, ou quando quer jogar simples e chega de sola e leva cartão?”, exemplifica. “Nas negociações internacionais ambientais temos de ter sempre a preocupação que o preço mais alto (das compensações ambientais) seja pago por países mais avançados, por já ter feito essa destruição (desde as primeiras revoluções industriais). Agora o Bolsonaro e seu ministro irem lá e jogarem como um beque carniceiro… Isso é primário: confrontar o consenso internacional com esse primarismo nós vamos virar o quê? Párias internacionais. Tenhamos ou não alguma razão na pauta ambientalista, e temos, não pode ser assim. Tem que ter profissionalismo.”

Paulo Nogueira afirma que lançará novo livro em agosto – O Brasil Não Cabe no Quintal de Ninguém. Durante a entrevista, citou a obra ao criticar a obsessão do atual governo de entrar para um grupo de países latino-americanos no qual não cabe, “como México, Chile. Colômbia… O México está tentando sair desse quintal, e nós vamos nos meter nessa fria? Nem o Trump está pedindo isso”.