Publicado em Os Divergentes
POR HELENA CHAGAS
Nunca antes neste país – e talvez em nenhum outro – se viu fritura assim. O ministro da Saúde, no papel de comandante das ações de combate à pandemia do coronavírus, vem sendo sistematicamente “desobedecido” pelo presidente da República.
Ué, mas não é o presidente que manda no ministro, como em qualquer sistema presidencialista? Em tese sim, mas nesse governo nada tem lógica. Com atitudes como a de sair às ruas na hora em que o ministro defende o isolamento, Jair Bolsonaro pensa estar fritando Luiz Henrique Mandetta – mas quem está na frigideira é ele.
Ainda que seja difícil apontar quem está desobedecendo quem, a situação concreta contrapõe um ministro cercado de apoio político e social – inclusive de organizações internacionais – a um presidente isolado e fragilizado politicamente, que fala para uma parcela da população e para apoiadores radicais. Mandetta é da velha escola política do DEM – descendente direto da Arena, do PDS e do PFL de Antôno Carlos Magahães e outros – e está fazendo um jogo de profissa: avisou que não vai pedir demissão.
Se quiser se livrar dele, pelas discordâncias brutais em relação ao enfrentamento do coronavírus, Bolsonaro terá que demiti-lo. E como será o dia seguinte à demissão do sujeito que está comandando todas as ações na área da saúde e que, até agora, parece ter conquistado a credibilidade e as boas graças da sociedade? De cara, haverá uma conflagração diante da suspensão de medidas como o isolamento horizontal, que parece ter amplo apoio da população.
Mais do que isso, a hipotética saída de Mandetta precipitaria uma debandada sem precedentes do que resta de apoio político ao presidente. Seu partido, o DEM – que é de Mandetta, Tereza Cristina e Onyx, mas também de Rodrigo Maia e ACM Neto – poderá entregar seus outros cargos e partir para a articulação do impeachment de Bolsonaro. Fim da linha para o ex-capitão.
É por isso que, apesar dos rumores de demissão do ministro da Saúde, e dos sinais propositais que o presidente vem emitindo nesse sentido, muita gente acha que Bolsonaro não terá coragem para isso. Vai continuar brincando de desobedecer Mandetta.