Vá lá, Bolsonaro quer o golpe. Como seria o cardápio? Por Gilberto Maringoni

Atualizado em 28 de agosto de 2021 às 16:22
Bolsonaro de boca aberta enquanto a conta de luz sobe
Bolsonaro – Foto: Reprodução

VÁ LÁ, BOLSONARO QUER O GOLPE. COMO SERIA O CARDÁPIO?

Por Gilberto Maringoni

Vamos raciocinar na hipótese de que Bolsonaro tenha êxito em dar um golpe de Estado. Como seria? Com que objetivos? Quais os resultados esperados?

A HISTÓRIA ESTÁ COALHADA de exemplos de pronunciamientos e putsches de variados tipos, tapetões institucionais com e sem mudança de regime, com ou contra apoio popular, com e sem confronto armado etc. Nos mais consistentes, há um denominador comum: provocar um rearranjo na sustentação social de quem vai dirigir o Estado. Embora Dilma realizasse com fidelidade comovente o programa ultraliberal dos setores hegemônicos do grande capital – facção conhecida pelo genérico de “Faria Lima” – seu governo ensejava uma composição de classes que criava ruídos no ritmo da aplicação do modelo. Os de baixo ainda tinham algum peso, reduzido, mas tinham.

Daí veio o golpe parlamentar de 2016, que mudou governo, mas não regime. O que significa não ter havido, no essencial, mudança do projeto econômico em curso, mas alteração de ênfases e velocidade de aplicação, naquilo que ficou conhecido como “ponte para o futuro”.

O CENÁRIO PREPARADO PARA AS ELEIÇÕES DE 2018 tinha como libreto a continuidade da rota pelas mãos de quem melhor a aplicou no país, o tucanato velho de guerra. Mas a associação do PSDB com o desastroso governo Temer criou um ambiente inédito para a assunção de um aventureiro de extrema-direita, por fora dos partidos. Bivaques provocados por vivandeiras alvoroçadas e granadeiros sequiosos por boquinhas e mamatas seduziram então a Faria Lima e deu-se o que está dado.

Voltemos à pergunta: com que objetivo Bolsonaro dará um golpe? Em republiquetas oligárquicas, sem burguesia formada e com estruturas de classe muito menos complexas, golpes pelo alto são protagonizados, em geral, pelo senhor de terras que granjeia o maior número de jagunços, impulsionado por interesses no mais das vezes paroquiais, em aliança com sanhas predatórias externos.

EM PAÍSES DE PLENO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA e com estrutura de classes diferenciada, golpes como o pretendido pelo boçal e seus gorilas amestrados visam o que? Privatizar a Eletrobrás e os Correios? Retirar ainda mais o pouco que resta de direitos dos trabalhadores e promover uma matança indígena? Garantir a independência do Banco Central e entregar a base de Alcântara? Ampliar o dinheiroduto para fardados, pastores picaretas e especuladores? Detonar os serviços públicos?

Mas tudo isso não apenas está em curso, como foi aprovado com folgadas maiorias pelo Congresso Nacional e pelo STF, apesar de ruídos como a CPI e algumas deliberações tardias da Suprema Corte barrarem exageros.

O GOLPE DE BOLSONARO NÃO CARREGA UM NOVO PROJETO DE PAÍS, a não ser aprofundar o que é aplicado entre nós desde 2015. O hipotético golpe visa garantir impunidade a ele, a seus filhos, aos milicianos amigos do peito, às quadrilhas militares e do centrão operantes na estrutura do Estado e, obviamente, calar vozes discordantes. É mais ou menos o projeto de sobas latifundiários de republicas de bananas. Trata-se de plano de quem vê seu isolamento aumentar brutalmente e preveja derrota eleitoral no ano que vem.

Para dar esse golpe de fancaria, Bolsonaro não visa ganhar maioria ou mesmo hegemonia na sociedade. Sua manobra tática é a mazorca, a baderna e o caos. É transformar o 7 de setembro num enfrentamento sangrento, em que 50 ou 100 assassinos armados e abrigados em suas hostes se aproveitem de uma confusão artificialmente montada na avenida Paulista ou na Esplanada, em Brasília, para cometer barbaridades. Isso bastaria para o mito alegar que a corda arrebentou, que não tem jeito, que é preciso deflagrar nacionalmente uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, que prenda os suspeitos de sempre e instaure o pânico no país. O passo seguinte é decretar que todas as eleições futuras serão fraudadas e que o melhor meio de se evitar o furdunço é cancelar o pleito, o que descomplica tudo.

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Metas Medíocres

ESSAS METAS MEDÍOCRES são o programa mínimo e máximo que celerados civis e militares têm para hoje. Em 1964, as forças armadas – no tempo da Guerra Fria – tinham um projeto de país, autoritário e elitista, mas tinham. Hoje em dia, alguém com mais de cinco anos de idade avalia que uma ruptura institucional comandada por Bolsonaro, Mourão, Heleno, Braga Netto Ramos e Paulo Sérgio, entre outros, enseje algo mais do que engordar contracheques no fim do mês?

Não é golpe. É terror de chanchada (mas é terror). Tem chances de dar certo? Por um prazo curto, sim. Numa visão de largo espectro, leva à desorganização ainda maior da máquina pública, ao isolamento internacional, à retração de investimentos e à “perca” de grana grossa por parte da turma da Faria Lima. Ou seja, o mesmo arranjo que permite lucros indecentes ao grande capital pode se tornar disfuncional e levar essa malta a se afastar do governo.

A patranha golpista provavelmente teria vida curtíssima, inversamente proporcional ao elevadíssimo custo humano e social nela embutida. Por décadas, no entanto, o Brasil não voltaria a algo que remotamente se possa chamar de “normal”.

O 7 de setembro vai ser o dia da tempestade perfeita? Não se sabe. Bolas de cristal estão em falta no mercado, mas os indicadores para Bolsonaro também não são animadores. Uma cavalgada apoteótica com o führer miliciano programada para o sábado (28), em Bauru, contou com um cano de seu patrono, chuva e alguns gatos pingados de duas e quatro patas. Mas quem tem caneta e grana sempre pode lotar ônibus e contar com arruaceiros para tocar fogo no parquinho.

Evitar provocações é o mínimo que se pode fazer no dia em que D. Pedro I teria estacado às margens do Rubicão, digo do Ipiranga.