Bolsonaro joga general Heleno aos leões ao terceirizar sua responsabilidade. Por Leonardo Sakamoto

Atualizado em 11 de fevereiro de 2024 às 21:28
General Heleno e Jair Bolsonaro lado a lado, ambos com expressões sérias
General Heleno e Bolsonaro – Marcos Corrêa/PR

Por Leonardo Sakamoto

Jair Bolsonaro jogou nas costas do general Augusto Heleno a responsabilidade pela proposta de espionagem a campanha eleitoral de Lula, em 2022, pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), durante entrevista à TV Record. “É o trabalho da inteligência dele, que eu não tinha participação nenhuma”, disse.

Campeão de Arremesso de Responsabilidade à Distância, era esperado que o ex-presidente ganharia mais uma medalha na modalidade em meio à operação da Polícia Federal, da última quinta (8), que investiga o golpe de Estado que ele tentou dar. Mas, vale lembrar, o chefe era ele, que não fez nada diante da informação.

A reunião ministerial de 5 de julho de 2022 ficará para a História como a primeira do gênero em que um golpe de Estado foi discutido de frente para as câmeras, reforçando a tênue fronteira entre a autoconfiança e a burrice no bolsonarismo. Nela, Heleno contou que pretendia infiltrar agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) nas campanhas de Lula e Bolsonaro.

“O problema todo disso é se fazer qualquer coisa. Se houver qualquer acusação de infiltração desse elemento da Abin em qualquer um dos lados…”, disse o general antes de ser interrompido por Jair, que pediu para o assunto ser tratado de forma privada na sala dos dois.

“Ah, mas o monitoramento era dos dois lados.” Sim, pequeno gafanhoto, mas um desses lados, justamente o que planejava a espionagem, não só sabia que estaria sendo arapongado, como também daria a palavra final sobre o uso do conteúdo.

Não há registro de que Bolsonaro repreendeu imediatamente e publicamente o general por propor espionar a campanha do adversário, o que seria o correto a ser feito. Afinal, ele era o presidente da República e superior de Heleno, tinha essa responsabilidade. O ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional levou bronca apenas porque resolveu tratar do assunto na reunião.

Jair até deu uma passadinha de pano no aliado: “Não vejo nada demais naquilo. O Heleno queria se estender sobre o assunto, eu falei que não era o caso de ficar entrando em detalhes. Vai fazer uma operação, faça. A Abin tem esse poder de fazer operações e preservar as pessoas até”, disse.

A Agência pode muita coisa, mas não tudo – como espionar ilegalmente milhares de pessoas durante os primeiros anos do governo Bolsonaro, o que foi descoberto por investigação da PF.

O general Heleno ainda foi mais fundo, após levar o pito, talvez pra mostrar que não estavam de brincadeira:

“O segundo ponto é que não tem VAR nas eleições. Não vai ter segunda chamada na eleição, não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa, é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”, afirmou na reunião.

E, não contente, foi além: “Vai chegar um ponto em que não vamos poder mais falar, vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e determinadas pessoas, isso para mim é muito claro”.

Bolsonaro atribuiu a terceiros a responsabilidade pelas mortes na pandemia, pelos problemas na economia, pelas mortes nas chuvas na Bahia, pelo escândalo das joias da Arábia. Não é de se estranhar que adote o mesmo comportamento agora.

Se Augusto Heleno precisa ser investigado pelo que propôs, Bolsonaro tem que responder por aquilo que não fez, que impedir que a Abin fosse usada como instrumento para um grupo político se perpetuar no poder. Mas, claro, que este parágrafo é apenas um exercício de retórica fútil porque era o grupo dele que tentava se perpetuar. E sequestrar instituições para seu uso pessoal foi exatamente a sua meta desde seu primeiro dia de governo.

Publicado originalmente em UOL

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