Bolsonaro mandou Cid distribuir remédio proibido no Brasil na pandemia; veja as mensagens

Atualizado em 27 de agosto de 2025 às 10:47
O tenente-coronel Mauro Cid e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Dida Sampaio

Durante a pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro ordenou que seu ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, distribuísse a aliados a proxalutamida — um medicamento sem registro na Anvisa, de uso proibido no Brasil e ainda em fase de testes internacionais.

As mensagens reveladas pela Polícia Federal (PF) mostram que Bolsonaro não apenas sabia, mas autorizava diretamente as entregas do fármaco. Com informações do Estadão.

Remédio experimental sem aprovação

A proxalutamida é um antiandrogênio não esteroidal produzido na China para testes contra determinados tipos de câncer. Em 2021, apoiadores de Bolsonaro passaram a defender, sem base científica, que o medicamento poderia combater a Covid-19.

Até hoje, ele não possui autorização de órgãos reguladores como a FDA (EUA) ou a EMA (União Europeia), nem sequer para uso contra câncer.

No Brasil, a Anvisa chegou a autorizar estudos experimentais, mas suspendeu a importação após descobrir irregularidades. Uma das falhas foi a entrada de um número de comprimidos muito superior ao permitido, o que abriu espaço para desvios. O Ministério Público Federal abriu investigação, ainda em andamento, para apurar o caso.

Conversas revelam ordens diretas de Bolsonaro

As mensagens recuperadas do celular de Cid indicam, pela primeira vez, que Bolsonaro autorizou a distribuição irregular do remédio.

Em 4 de junho de 2021, Cid escreveu: “Proxalutamida?!? Podemos levar amanhã. O senhor dando luz verde, está no Rio”. Bolsonaro respondeu apenas: “Aguarde”.

Poucos dias depois, em 13 de junho, Cid insistiu: “Autorizado pela família! Posso mandar levar?”. Mais tarde, confirmou: “Missão cumprida!!! Medicamento!!!! Entregue à senhora Maria Luciana, esposa”. O presidente respondeu: “Valeu”.

No dia 21 de junho, Cid voltou a pedir: “Um da minha turma… tá com corona entubado. Queria saber se eu podia mandar uma proxa pra ele tomar lá. Tem um voo hoje nove horas”. Bolsonaro autorizou: “Mande a Proxalutamida”.

Distribuição a pastores, políticos e empresários

Além do pastor R. R. Soares, que esteve internado com Covid-19, outros aliados foram beneficiados. Cid relatou ter feito entregas em Goiânia, inclusive ao empresário sertanejo Uugton Batista e ao irmão do cantor Amado Batista.

“Força, general. Só pra passar pro senhor, eu tô aqui em Goiânia e vim entregar o medicamento agora pro Uugton… e também pro irmão do Amado Batista”, disse.

O deputado Luciano Bivar, então presidente do PSL, também recebeu. Cid afirmou: “Deputado, a medicação que o presidente enviou já tá indo. Seria interessante começar o mais rápido possível”.

Dias depois, Cid perguntou se o medicamento estava sendo usado. Bivar confirmou o recebimento, mas negou que tenha sido ministrado: “Me recordo sim, ele foi muito gentil em pedir que esse remédio chegasse às minhas mãos, mas o médico do meu irmão não administrou o remédio”.

Em outro trecho, Cid explicou a um colega militar: “Proxalutamida. Tá. É meio levanta defunto. O negócio é que tem muitos familiares, principalmente médicos, que não querem deixar ministrar”.

Envolvimento de Pazuello

As conversas também mostram a participação do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, hoje deputado federal. Mesmo fora do governo, ele aconselhava Bolsonaro sobre o medicamento.

Em abril de 2021, Pazuello escreveu a Cid: “Fala PR. Acho que o sr. podia falar hoje na live sobre a Proxalutamida. O senhor abriria o assunto com uma fala ‘preparada’ e depois o Hélio entraria com as questões técnicas/científicas!!”.

Pazuello relatou que o remédio teria sido usado em Manaus, sem comprovação científica, durante a crise do oxigênio. Pouco depois, Cid enviou ao general a foto de uma sacola com “280 comprimidos”.

Em mensagens de áudio, Pazuello sugeriu montar um protocolo: “Quando você puder falar com calma, me ligue pra que a gente possa fazer um protocolo para o uso dessa medicação… Vou te passar os contatos”.

Pesquisas irregulares e operação da PF

As mensagens também citam o médico Flávio Cadegiani, responsável por pesquisas irregulares com a proxalutamida. Segundo interlocutores de Cid, ele era consultado sobre doses e orientações.

No ano seguinte, a Polícia Federal deflagrou a Operação Duplo Cego, que investigou contrabando, falsidade ideológica, distribuição e entrega da proxalutamida sem registro da Anvisa. Entre os alvos estava o próprio Cadegiani.

Investigadores da PF afirmam que a distribuição de um medicamento proibido, sem registro sanitário, pode configurar crime previsto no artigo 273 do Código Penal, com pena de 10 a 15 anos de prisão para quem vende, entrega ou distribui substâncias irregulares.