Bolsonaro, Moro e o curioso fenômeno das convicções perdidas. Por Carlos Fernandes

Atualizado em 20 de fevereiro de 2019 às 20:28
Jair Bolsonaro e Sérgio Moro. Foto: SERGIO LIMA / AFP

Foi com o inevitável estardalhaço que o presidente Jair Bolsonaro se desencastelou de seus aposentos para ir ao Congresso Nacional entregar pessoalmente a sua proposta para a tão alardeada reforma da previdência.

Cercado pelo supra suma da nova/velha elite da política nacional, a foto oficial que marcou o momento do repasse do documento das mãos do chefe do executivo nacional para o presidente da Câmara dos Deputados, refletiu a histórica tragédia de um país subequatoriano cujos destinos teimam em ser reiteradamente definidos por gente que jamais compreendeu os dramas e sofrimentos de sua população real.

Com um projeto ainda pior do que o apresentado pelo seu antecessor ilegítimo, Michel Temer, Bolsonaro impôs a sua marca indelével de machismo e sadismo no tema punindo especialmente mulheres e idosos.

O fato de Alexandre Frota encontrar-se ao fundo da imagem com a sua conhecida expressão de garoto pornô na iminência de cometer algum ato de violência sexual deu o ar simbólico e subliminar da coisa.

Quando de suas esperadas palavras à nação, o homem que se aposentou aos 33 anos apelou para o velho, cínico e esgarçado chamamento ao patriotismo dos brasileiros, exigindo que o povo, por mais uma vez, compreendesse e contribuísse com mais uma parcela de suor e sacrifício.

Mas o curioso mesmo na sua fala é quando admitiu ter errado no passado ao votar contra as mudanças nas regras da aposentadoria.

Apenas para lembrarmos, faz muito pouco tempo que o mesmo Jair Bolsonaro era um ferrenho crítico da reforma da previdência chegando a afirmar inúmeras vezes que obrigar o trabalhador a se aposentar aos 65 anos era “um crime”, “uma falta de humanidade”.

É evidente que por esses dias o já velho Bolsonaro não passava de apenas mais um demagogo a entulhar o baixo clero da Câmara em busca de holofotes e algum respaldo popular.

Agora uma vez presidente, já não pode se esconder em discursos humanistas que nada conduzem com a sua história uma vez que se vê obrigado a tomar posição clara e definitiva na eterna dicotomia entre patrões e proletários.

A opção, obviamente, se dá em favor dos patrões, como, verdade seja dita, sempre se deu.

O fato é que esse tipo de discurso demagógico não é em absoluto qualquer novidade na política brasileira e é utilizado à exaustão até por quem jurava a bem pouco tempo atrás não possuir qualquer interesse por entrar nessa seara.

Vejamos o didático caso do ex-juiz Sérgio Moro.

O cidadão que se arvorava na luta paladina contra a corrupção e que se apavonava nos quatro cantos do mundo afirmando ser o Caixa 2 um crime ainda pior do que a própria corrupção, hoje sussurra quase miando que o mesmo Caixa 2 é um crime menor e que não merece qualquer urgência no seu combate.

Não é que, a exemplo de seu chefe, tenha mudado repentinamente de opinião. O fato é que a verdadeira face de um homem é mostrada quando frio e definitivamente confrontado a defender seus reais valores ou, como é o caso, a sua falta.

Da mesma forma que Bolsonaro jamais se preocupou com os idosos pobres e normalmente abandonados pelo Estado desse país, Moro em momento algum quis combater a corrupção endêmica dessa nação.

Ambos, descaradamente, sempre moldaram seus discursos à medida exata de suas necessidades.

Agora, quando realmente são postos a provar as convicções que diziam sustentar, é que resta cristalino que tudo jamais passou de meras aparências a encobrir realidades bem menos democráticas e republicanas.

Como se vê, Jair Bolsonaro e Sérgio Moro provam, por eles próprios, que nenhum país estará a salvo de seus supostos e autoproclamados salvadores.