“Bolsonaro não é digno de presidir o Brasil”, diz senadora francesa ao DCM. Por Willy Delvalle

Atualizado em 5 de abril de 2019 às 16:10
Laurence Cohen, senadora do Partido Comunista Francês

Jair Bolsonaro não inspira nenhuma confiança à senadora francesa Laurence Cohen, presidente do grupo de amizade França-Brasil no Senado. Para ela, o que o Brasil vive hoje tem paralelo na colaboração francesa com o nazismo: “é preferível Hitler do que a Frente Popular (coalizão de partidos de esquerda)”, numa alusão ao pensamento da elite econômica da época.

A senadora, do Partido Comunista Francês, coloca em dúvida a capacidade das instituições brasileiras de frear Bolsonaro. Critica as declarações dele em relação à França. E afirma ser “doloroso” e “assustador” ver hoje a comemoração da ditadura, que ela define como os “tempos mais sombrios do Brasil”, depois de citar a escravidão. A parlamentar, no entanto, observa que esse tipo de celebração não é um mero acaso na história: “Cada vez que a extrema direita chega ao poder, é na maior parte das vezes uma ditadura”. E acredita que a aprovação do projeto de dar o nome de Marielle Franco a uma rua ou praça de Paris será uma mensagem clara a Bolsonaro.

Nesta entrevista exclusiva para o DCM, ela relembra sua tentativa de visitar Lula na prisão, sua participação no Tribunal Internacional Popular que condenou impeachment de Dilma Rousseff como golpe de Estado. Fala da extrema direita no mundo e de suas esperanças para o futuro da humanidade.

Por que a senhora se interessa pelo Brasil e coordena o grupo França-Brasil?

Porque as questões da América Latina me são muito caras. Faço parte de uma associação que se chama França América Latina (FAL). A partir dessa associação, eu tomei conhecimento dos problemas da América Latina. Propuseram-me ser presidente do grupo de amizade França-Brasil no Senado desde mais ou menos o momento da minha eleição. Fui eleita senadora em 2011. E presido o grupo desde 2012.

E por que essa sensibilidade em relação à América Latina?

Porque eu me interesso à todos os movimentos que aconteceram, de libertação, em meio à ditadura terrível no Brasil, as revoluções, em Cuba, no Chile. A história rica do Brasil me interessou.

Falando de ditadura, como a senhora reage à comemoração de Bolsonaro do golpe de 1965 e o vídeo que diz que os militares salvaram o Brasil do comunismo?

Estou muito preocupada com o que acontece no Brasil, pois fiz uma viagem com uma delegação do grupo de amizade. E na última viagem que fiz, em julho de 2018, antes das eleições presidenciais, e eu senti que havia uma energia das associações, dos movimentos progressistas, dos movimentos feministas, LGBT, das associações nas favelas. Eu tinha uma esperança de mobilização do povo de esquerda, que faria barragem a essa ascensão da extrema direita. Quando vi que Bolsonaro foi eleito, fiquei preocupada e triste. Primeiro porque isso aconteceu por conta de um desconhecimento da história do Brasil.

Hoje ele pode dizer grandes mentiras, como dizer que não tem problema ter uma ditadura quando houve milhares de pessoas que foram presas, torturadas, mortas. Ele tenta provocar o medo falando de não sei o que, um pseudocomunismo, como se fosse o comunismo. Quando, na verdade, os brasileiros conheceram com a eleição de Lula uma saída de dificuldades. Milhões de pessoas saíram da pobreza. Mesmo que nem tudo fosse ideal com aquele governo, houve uma ascensão das classes populares.

Hoje vemos que há um desconhecimento total de toda essa história e sobretudo há uma mobilização bastante forte de grandes proprietários de terra, dos que têm o poder, igrejas evangélicas, que querem deter todo o poder. Isso que é preocupante. Eles não querem de forma alguma compartilhá-lo. Tudo que fez a história do Brasil, a escravidão, é colocado debaixo do tapete. E de pensar que possa estar havendo uma comemoração da ditadura, os tempos mais sombrios do Brasil, para todo progressista, independentemente do país, é muito doloroso.

Como a senhora avalia o governo Bolsonaro?

Minha mobilização não data da eleição de Bolsonaro. Quando eu fui em 2014 ao Brasil, antes da reeleição de Dilma Rousseff, víamos um grande fervor da sociedade civil. Ela foi reeleita. A partir daí, houve toda uma campanha orquestrada para destruí-la. Ela foi culpabilizada por algo que era comum nas práticas dos presidentes brasileiros. Ela não fez isso para enriquecimento pessoal. Mas para continuar a política notadamente das classes mais pobres, de simplesmente respeitar seu programa.

Desde que ela foi destituída, eu já falava em golpe de estado institucional. Tudo vem daí, do golpe de estado institucional. Aliás, fui nomeada simbolicamente jurada pois houve um tribunal internacional popular, realizado em julho de 2017. Tive a honra de participar dele. Há uma grande resistência. Infelizmente, ela foi destituída e foi substituída por Michel Temer. Ele, personagem corrupto, particularmente preocupante e defensor dos interesses dos mais ricos. Então há esse golpe de estado. Na sequência, a prisão de Lula. A prisão de Lula também é uma encenação. Não apenas não se provou nada contra ele, como também foi mantido na prisão. Seus direitos fundamentais foram desprezados. Quando foi ao Brasil em 2018, fui à prisão federal onde eu quis visitá-lo. Não foi possível porque eu fui numa quarta-feira e as visitas permitidas para pessoas “externas” só eram possíveis na quarta-feira.

Sou uma parlamentar e não pude visitar Lula. Eu me reuni com seus advogados, Celso Amorim, que era seu ministro das relações exteriores. Então, também nesse caso, negam ao prisioneiro um direito elementar. Ele é um prisioneiro político. E inclusive, sua popularidade é tão grande no Brasil que ele foi mantido na prisão e o mais escandaloso é que o juiz Moro é hoje ministro de Bolsonaro. Ele que condenou Lula e foi bem recompensado. Diziam que ele estava acima de toda intriga política, mas ele mostrou que não era o caso. Então, a ascensão de Bolsonaro é orquestrada de longa data. Os grandes proprietários de terra, melhor dizendo os BBBs, estão completamente juntos para impedir políticas sociais minimamente satisfatórias nesse grande país que é o Brasil.

Hoje, em relação ao governo, não podemos esperar nada de positivo para as classes populares, para a maioria das brasileiras e brasileiros. Bolsonaro está no poder para defender os interesses dos mais ricos. E vai defendê-los. Toda a política social implementada por Lula, e continuada por Dilma Rousseff, é colocada em xeque. As pessoas mais pobres continuarão sofrendo. Não há nenhum plano para fazer as pessoas saírem da pobreza nas favelas. Qual a resposta de Bolsonaro? O exército. Há um problema de insegurança. Creio que os brasileiros e as brasileiras não aguentavam mais. Não digo que a política conduzida por Lula e Dilma Rousseff era ideal. Havia defeitos e eu não os julgo. Eu falo em termos de democracia, que é colocada em xeque. Isso é extremamente grave.

E em relação ao impedimento a Lula de ver o irmão no velório e a tentativa de impedir saudações de Lula às pessoas que compareceram ao enterro de seu neto?

Isso mostra a pequenez, a mesquinharia, a desumanidade das pessoas que estão hoje no poder no Brasil. Paralelamente, isso mostra o medo que Lula inspira. Eles têm medo de Lula porque ele é o que incarna a esperança do povo brasileiro. Lula é um dirigente respeitado ainda hoje, apesar das tentativas de sujá-lo. Ele é alguém que vem do povo. Vemos as baixezas de um regime, não podemos esperar nada de alguém como Bolsonaro; é uma incitação ao ódio. Encontrei Jean Wyllys, que é um exilado, ameaçado de morte. Há ataques sem parar contra pessoas que são homossexuais.

Houve recentemente o assassinato de Dilma Ferreira Silva, com seu marido e um de seus amigos. Antes de serem assassinados, eles foram torturados de maneira atroz. Era uma líder do movimento antibarragem. Vemos que há uma incitação ao ódio. Podem tomar a floresta amazônica. Os povos indígenas não estão em segurança. Penso que quando se é democrata, progressista, não se pode ficar impassível frente ao que acontece no Brasil. Porque eu me engajo e me mobilizo? Vai muito além da minha família política, por isso eu falo de progressistas porque isso concerne todo habitante da Terra. Estou particularmente chocada de ver a fraca reação dos países europeus e especialmente da França em relação ao que acontece no Brasil.

Senadora Laurence Cohen, do Partido Comunista Francês, segura placa com rosto de Marielle Franco

Bolsonaro é responsável pelas graves violações de direitos humanos que vemos hoje no Brasil, como por exemplo o assassinato de Dilma Ferreira, homossexuais que são vítimas de ataques, o assassinato de um eleitor de Haddad no ano passado?

E o assassinato de Marielle Franco. Há tudo isso acontecendo. Penso que quando há alguém eleito de extrema direita, há obrigatoriamente uma desconstrução total da democracia, colocada em xeque. Não há mais o respeito do ser humano. Não se respeita cada pessoa. Mas é uma incitação ao ódio, à delação, uma incitação a não respeitar o outro.

E a partir do momento quando tal pessoa como incômoda, Marielle Franco era considerada incômoda, uma mulher, negra, lésbica, sem medo de defender as mulheres e os homens das favelas, de questionar as políticas de segurança do Exército a nível do Rio de Janeiro… é “preciso” que haja um medo, um terror que se instaure para preservar os interesses dos que já têm demais, sob um passado escravagista. Tem uma frase, na França, podemos encontrar analogias (com o Brasil) quando em um dado momento se dizia “é preferível Hitler do que a Frente Popular (coalizão de esquerda)”. Era isso que os ricos pregavam. E agora é o que vemos, uma espécie de indiferença geral.

De que forma a senhora vê essa repetição na história da retórica anticomunista?

Os ricos, os privilegiados, são bastante conscientes de ter um interesse comum. Eles ataram aos seus corpos o interesse de classe. A classe dos explorados, dos dominados, não tem consciência de defender os mesmos interesses. Então, há a necessidade dessa tomada de consciência. Eles precisam de um “espantalho”. E o efetivamente “espantalho” do comunismo parece funcionar para uma certa quantidade de homens e mulheres, para amedrontar. Dizem qualquer coisa. Falam de radicalismo de esquerda, fazem crescer o medo para que as pessoas se calem, para que as pessoas considerem que “não é tão grave Bolsonaro, talvez ele vai botar ordem”. Eu não digo que não havia problema no Brasil. Mas o que é insuportável para as classes dominadas é se sentirem desprovidas de seu poder e de suas terras. A Amazônia é o pulmão do mundo e agora há um ritmo de desmatamento assustador; é muito prejudicial para o Brasil mas é prejudicial para o o planeta como um todo. Quando vimos no mundo inteiro manifestações extraordinárias em relação ao clima, não podemos não fazer a ligação.

Desde que Bolsonaro se tornou presidente, ele fez duas declarações em relação à França. Disse que os migrantes querem impor aqui seus “privilégios” e que os franceses não aguentam mais essa situação. Depois, com Trump citou a França como exemplo do fracasso do “socialismo”. O que a senhora pensa sobre essa insistência em visar a França?

Primeiro, é preciso ter uma visão global. Hoje, é extremamente preocupante que as maiores potências sejam dirigidas por homens particularmente preocupantes, seja Trump, Bolsonaro, seja Putin. Perfis de homens que dirigem nações muito grandes e que impõem uma ideologia terrível, o ódio do outro. Quando ele visa a França falando de migrantes, eu não adiro à política migratória nem de Hollande, nem de Macron. Eu acho escandalosa a política migratória da Europa. Eu quero que me apresentem a uma mulher ou a um homem que deixe seu país por prazer. As pessoas deixam seus países porque há guerras, porque são obrigados a fugir economicamente, ou por conta do clima.

Tudo isso são as grandes potências que obrigam esses países a ter políticas que economicamente expulsam essas populações. A responsabilidade é das grandes potências. E na França, nós precisamos de populações migrantes porque sempre foi assim ao longo da história francesa. Sempre houve migrações. Eram os italianos, os espanhóis, os portugueses, etc. Hoje são outras migrações. Precisamos desses homens e mulheres, é uma riqueza. No lugar de maltratá-los, que imagem temos quando vemos arame farpado, crianças acordadas em plena noite, perseguidas pela polícia, quando vemos o que acontece nas montanhas? São coisas horríveis nas fronteiras. Felizmente há sábios no nosso país, que socorrem esses migrantes.

Em segundo lugar, não há socialismo na França. Ele pensa no governo Hollande? Não sei se ele (Bolsonaro) tem cultura para pensar nesse ponto. Mas se ele pensa no governo Hollande, não era um governo socialista. Hollande conduziu uma política liberal que, inclusive, permitiu a Macron ser eleito. Então não há exemplo recente de socialismo na França.

O que é o Brasil hoje sob o olhar dos franceses?

Não tenho a pretensão de poder expressar o olhar dos franceses sobre o Brasil. Penso infelizmente que o Brasil é pouco conhecido pelos franceses, francamente. Não há uma imagem particular da maioria dos franceses sobre o Brasil, se perguntarmos a eles na rua. O que preocupa aos progressistas, como eu, é o fato que essa grande nação está nas mãos de alguém que é um presidente de extrema direita, celebrando a ditadura; é assustador.

E segundo a senhora, o que é o Brasil hoje?

Eu espero muito que os progressistas brasileiros continuem a resistir, a lutar, para impedir as piores medidas de serem instauradas. Eu espero que haja apoio na França, na Europa, e no mundo, porque é graças à solidariedade internacional que conseguiremos proteger os progressistas brasileiros. E eu espero vividamente que a partir das próximas eleições presidenciais, não haja mais homens como Bolsonaro.

A senhora participou do evento que concerne a rua ou passagem urbana com o nome de Marielle Franco…

Trata-se de uma homenagem da cidade de Paris. Como eu sou senadora de Val-de-Marne (departamento francês) eu não tenho mandato eletivo em Paris. Mas eu saúdo essa iniciativa porque Paris é a capital da França e seria extremamente simbólico de homenagear Marielle Franco. Eu acho que seria um ato muito forte em relação a Bolsonaro. Marielle Franco foi assassinada e não conhecemos, por enquanto, os mandantes do seu assassinato. Houve atiradores, mas os mandantes parecem estar no círculo de Bolsonaro. Hoje, que Paris dote-se de uma rua ou lugar com o nome de Marielle Franco seria uma forma de mostrar que a França reconhece e faz grande homenagem a uma mulher corajosa, progressista e afirma a Bolsonaro que não se pode fazer o que quiser.

Como interpreta a prisão e libertação de Michel Temer?

Ele é realmente envolvido em escândalos nos quais ele foi reconhecido como tendo tirado proveito pessoal. Quanto à sua libertação, isso mostra bem que parece que uma grande parte da justiça não é imparcial.

Os franceses têm conhecimento do que aconteceu com a destituição de Dilma Rousseff e a prisão de Lula?

Eu tentei contribuir para que haja uma difusão de informações na França. Eu participei do Tribunal Internacional Popular no Rio de Janeiro, em 2016, a grande imprensa escrita não cobriu de maneira considerável. Havia apenas a mídia independente, da internet, alguns veículos progressistas, que falaram. A mídia está nas mãos dos grandes grupos e sempre os grupos financeiros, muito próximos dos grandes latifundiários, muito próximos do que envolve as armas, uma imprensa bastante amarrada.

No começo do que aconteceu no Brasil (impeachment), falava-se retransmitindo o que diziam os jornais brasileiros. Precisou-se esperar um certo tempo para que pouco a pouco a imprensa francesa falasse e dissesse que era algo que realmente pareceria um escândalo, para que ela se desse conta do que realmente aconteceu. Na França, o L’Humanité falou de imediato porque tinha jornalistas que foram ao local. Houve outros jornais além do L’Humanité, mas era pouco. Houve artigos no Le Monde. Por isso, me encarreguei de promover uma mobilização dos parlamentares de todas as sensibilidades políticas para se mobilizar a propósito do que considerei como uma negação da democracia.

Falando de democracia, como vê a posição de Emmanuel Macron em relação ao que acontece com a democracia no Brasil?

Estou particularmente decepcionada pela política internacional de Emmanuel Macron porque eu acho que não é uma política independente. Acredito que ele não tem cacife para posicionar a França no que ela poderia ser. Ele está numa vassalagem a Trump, dos mais poderosos. A voz da França, eu acho muito fraca.

E sobre sua maneira de conduzir seu governo em relação à democracia na França?

A mesma coisa. Há hoje, na França, uma preocupação quanto à concepção da democracia. O presidente Macron tem todos os poderes. O executivo tem todo o poder. Os parlamentares têm cada vez menos poder. Paralelamente, houve já com o governo anterior, Hollande e Valls, houve leis que foram votadas em nome do estado de urgência, da luta contra o terrorismo, que são, na verdade, um questionamento das liberdades. Hoje, continuamos na escalada. Vemos hoje na França o questionamento do direito de manifestação. Há motivos para se preocupar.

Como percebe os coletes amarelos?

Uma expressão de descontentamento, sobretudo positiva. Eles permitiram a pessoas bastante diferentes de se reunir, de estar juntos. De se falar. Eles permitiram de jogar luz sobre o “saco cheio” dos aposentados, dos jovens, das mulheres, dos que trabalham ou não têm emprego. O que dizemos desde o início do mandato de Macron, o presidente dos ricos, uma fórmula que mostra bem sua política… Eles mostraram a mesma preocupação, a mesma reivindicação.

Emmanuel Macron só limita o poder aquisitivo de pessoas modestas enquanto poupa as grandes fortunas pois ele suprimiu o imposto sobre grandes fortunas. O presente que ele dá são presentes aos grandes grupos. Por outro lado, ele vai economizar, fazer restrições orçamentárias sobre todo serviço público. Eu sou vice-presidente da Comissão dos Assuntos Sociais no Senado e posso lhe dizer que o estado do nosso sistema de saúde pública é muito preocupante com a política de Macron et Agnès Buzyn.

Por que a extrema direita toma o poder em diversas partes do mundo?

Há múltiplas razões. Primeiro porque eu penso que as pessoas estão extremamente decepcionadas com os diferentes governos no poder porque os governos não mantêm suas promessas eleitorais. Que há infelizmente num país como a França, assim como em outros países, a socialdemocracia falhou completamente adotando uma política liberal, ultraliberal. Num dado momento, há uma confusão entre a direita e a esquerda, “tentamos um pouco de tudo, mas não tentamos a extrema direita”.

A extrema direita tenta fazer uma espécie de virgindade, dizendo que ela não participou do poder, salvo que o programa social e econômico da extrema direita é um programa ultraliberal que não é nem um pouco favorável às classes populares e classes médias, visa os que eu chamo de privilegiados.

E na França, por que o Rassemblement National (partido de extrema direita) e o La République en Marche (partido de Macron) estão lado a lado nas pesquisas para as eleições ao parlamento europeu?

As eleições europeias não são mobilizadoras e fazem com que a maioria das pessoas se abstenham. Quem se mobiliza são forças políticas que estão no poder, Macron, e quanto à extrema direita, eles esperam que diante do descontentamento, à amargura, eles poderão fazerem esquecer as posições que eles defendem a nível europeu. Precisa-se saber que as políticas vividas pelos povos em todos os países europeus passam pelo nível europeu. São em parte consequência dos tratados europeus. Minha sensibilidade política, o Partido Comunista, é a única força política que não votou em nenhum desses tratados.

Tudo é ocultado na mídia no que concerne a explicar as questões do debate. Está-se no nível do imediatismo, das manchetes chamativas. Usa-se a extrema direita para assentar certas políticas. Na França, deu-se a Marine Le Pen uma imagem apresentável esquecendo o que é a extrema direita. O que é a extrema direita? Um questionamento total da democracia. Cada vez que a extrema direita chega ao poder, é na maior parte das vezes uma ditadura. E o que é uma ditadura? A prisão dos que não concordam. São as torturas, as violações de direitos humanos. Marine Le Pen é a representante da extrema direita. Isso que ela defende. Seus amigos são o presidente da Hungria, Viktor Orban. Pra isso é que tem ser chamada a atenção.

O que é preciso para que as forças progressistas cheguem ao poder, no caso da França, ou voltem, no caso do Brasil?

Se eu tivesse a receita, eu a compartilharia, por uma outra sociedade, de plena igualdade, de justiça. Eu não tenho a solução. Eu penso que a dificuldade, ao nível da França, é que a esquerda está em pedaços. Nós não conseguimos, os progressistas, os homens e as mulheres de esquerda, a juntar-nos sobre um programa, sobre um projeto que nos seria comum. Essa é a dificuldade. A direita é um pouco mais forte por quê? Macron está no poder porque também a esquerda está machucada.

Precisa-se dar uma vez mais novas perspectivas, dizer novamente às pessoas “sim”. As pessoas colocaram na cabeça que não existe outra alternativa senão apertar os cintos, que era preciso fazer assim porque não havia dinheiro na França, quando, na verdade, a França é um país extremamente rico. Precisa-se devolver a esperança que é possível mudar mas também criar as condições para uma grande união. Se estivermos fragmentados, estaremos enfraquecidos. Assim é na França, e é o caso, imagino, no Brasil.

O Brasil é uma democracia hoje?

Quando há no poder um presidente como Bolsonaro, a democracia está em grave perigo. Ele está provando que, comemorando a ditadura, é muito preocupante. Ele terá contrapesos para colocar em xeque os direitos adquiridos no Brasil? O tempo vai nos dizer. Mas já vemos que há fatos extremamente preocupantes nas primeiras medidas que ele adota, seja no plano social, econômico, seja no plano democrático. Eu não tenho muita esperança, na verdade eu não tenho nenhuma esperança, nenhuma confiança num personagem como Bolsonaro. Penso que um homem assim não é digno de presidir um país como o Brasil.