“Bolsonaro não é negacionista, está usando uma teoria nazista”, diz senador membro da CPI da covid

Atualizado em 25 de abril de 2021 às 22:14

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Por Eduardo Maretti

Rogério Carvalho: “criou-se uma câmara de vírus no Brasil estimulado pelo próprio presidente” – Divulgação

A CPI da Covid deve ser instalada na próxima terça-feira (27). Com 11 membros titulares, tem sete parlamentares independentes ou de oposição ao governo de Jair Bolsonaro. A comissão está sendo encarada pelo Planalto com extrema preocupação. Se o acordo entre lideranças partidárias for mantido, a comissão será presidida pelo senador Omar Aziz (PSD-AM) e terá como relator Renan Calheiros (MDB-AL). Os movimentos dos bolsonaristas durante a semana mostram que eles sentiram o golpe com a criação da comissão. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), por exemplo, foi à Justiça para tentar barrar Renan na relatoria.

A parlamentar ainda não teve resposta. Quem conseguiu uma vitória jurídica foi Renan. Assim como decidiu em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta sexta (23) o acesso a diálogos da operação Lava Jato à defesa do senador. As mensagens vazadas foram apreendidas na Operação Spoofing.

O temor bolsonarista em relação à CPI se justifica. Além de contar com minoria e ter de engolir o experiente Renan, a comissão vai mexer em diversos temas que podem revelar concretamente a contribuição do presidente à disseminação da pandemia, que já matou quase 390 mil pessoas no país. O senador Rogério Carvalho (PT-SE), suplente do colegiado, pondera que a CPI “não é para perseguir ninguém, mas que coloque foco naquilo que gerou essas centenas de milhares de mortes”.

Obviamente, o comportamento de Bolsonaro será o principal foco. Ele tentou, na prática, vetar o uso de máscaras em locais públicos por meio de decreto (derrubado pelo Congresso e pelo STF), participou de aglomerações, fez propaganda da cloroquina, combateu governadores e suas iniciativas contra a pandemia, culpando-os por aquilo que ele próprio provocou.

“Na verdade, Bolsonaro não é um negacionista, como as pessoas estão falando. Ele está usando uma teoria. Uma teoria nazista, neste caso. Expor todo mundo ao vírus, para que a população adquira imunidade naturalmente. Ele trabalhou nessa perspectiva e colocou os recursos do governo nessa direção”, diz Carvalho, em entrevista à RBA. “Criou-se uma câmara de vírus no Brasil estimulada pelo próprio presidente.”

No Twitter, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AC), autor do pedido de criação da CPI e provável vice-presidente, dá algumas indicações de temas a ser investigados. Por exemplo, o boicote de Bolsonaro à vacina Sputnik V, da Rússia. “Temos condições de iniciar os trabalhos da CPI da Pandemia no Congresso convocando, inclusive, o Sr. Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, p/ prestar esclarecimentos sobre essa demora (em liberar a vacina), que já se assemelha à demora de aquisição da Pfizer, que custou milhares de vidas!”, escreveu. Randolfe observa que a vacina está registrada em 60 países, com uma população total de 3 bilhões de pessoas.

Carvalho chama a atenção para entrevista concedida pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, nesta sexta-feira (23), ao jornal O Globo, na qual admitiu que a pasta deve lançar protocolo para o uso de medicamentos contra covid-19 que inclui cloroquina. Leia a entrevista de Rogério Carvalho.

Quais suas expectativas em relação à CPI?

Se tiver por parte dos senadores o mínimo compromisso com o povo brasileiro, vamos apontar vários crimes de responsabilidade, principalmente do presidente da República. Essa é a primeira questão. O ministro Queiroga vai fazer um protocolo no qual inclui a cloroquina.

Não é um absurdo?

Mas é porque, na verdade, ele (Bolsonaro) defende a imunidade de rebanho. Quer dar a bolsa do paraquedas sem o paraquedas pras pessoas, e jogar de cima do avião. Passa a sensação que está tudo bem, as pessoas se contaminam, contraem a doença e morrem, ou se imunizam naturalmente. É nisso que acredita.

Ou então as pessoas ficam com as sequelas.

Sequelas do medicamento e da doença. Na verdade, Bolsonaro não é um negacionista, como as pessoas estão falando. Ele está usando uma teoria. Uma teoria nazista, neste caso. Expor todo mundo ao vírus, para que a população adquira imunidade naturalmente. Ele trabalhou nessa perspectiva e colocou os recursos do governo nessa direção. Criou-se uma câmara de vírus no Brasil estimulada pelo próprio presidente. O resto é consequência. Combateu uso de máscaras, a autonomia de prefeitos e governadores de determinarem medidas para o enfrentamento ao coronavírus (o que o STF derrubou), o isolamento social. Não queria auxílio emergencial nenhum, e foi o Congresso que bancou. Ele foi contra tudo, porque queria que a população se expusesse. Falou na imprensa que 70% da população ia ter a doença, tinha que deixar pegar mesmo. Foi ele quem falou.

O que a população, que se pergunta até aonde vai tudo isso, pode esperar da CPI?

A CPI tem que apontar crimes de responsabilidade e reforçar os vários pedidos de impeachment que estão na gaveta do presidente da Câmara. Se a CPI mobilizar a opinião pública, não ficar em jogos de vaidades dos parlamentares, e apresentar de fato quem contribuiu para a pandemia se alastrar no país, pode mobilizar a sociedade contra ele. Aí não tem quem segure, nem o próprio presidente da Câmara.

Como avalia a participação do senador Renan Calheiros como relator. Parece que o governo está meio assombrado com ele…

É um politico experiente, sabe como funciona a Casa. Espero que possa atender as expectativas de quem o indicou, um grupo de senadores que, dos 11, é a maioria dos que representam os partidos. A expectativa é essa. Acho que ele vai fazer uma investigação que vai fundo. É isso que espero dele.

As análises são de que, entre os titulares, há quatro senadores oposicionistas na CPI, três independentes e outros quatro governistas. Esse balanço é correto?

Acho que esse balanço é correto. Eu diria que daria pelo menos 6 a 5 nas votações, na pior das hipóteses. Vamos ter uma frequência de 7 a 4… 6 a 5, em quase todas as votações.

Como vê o papel de Omar Aziz, que deve ser o presidente, e tem posições algo ambíguas, mas, sendo do Amazonas, que colapsou em janeiro, vai ter que dar uma satisfação à base dele?

Gosto muito do Omar Aziz, é meu amigo, tenho uma relação excelente com ele. Espero que bote a CPI para andar. É a nossa expectativa. Não é para perseguir ninguém, mas colocar foco naquilo que gerou as 386 mil mortes. Eu lhe pergunto: foram dez respiradores a menos ou a mais aqui ou acolá? Não foi. Foi uma atitude de leniência com a pandemia, de promoção da própria pandemia. Isso precisa ser investigado. É o mais importante, o ponto central. Se ficar pegando pontinhos para cada um destilar sua vaidade, não vamos chegar a lugar nenhum.

Acredita que o acordo fechado em torno dos nomes de Omar Aziz e Renan vai ser respeitado?

Eu acho. Não acredito que tenha dissidência, não.