Bolsonaro não tem condições mínimas de enfrentar pandemia, mas não podemos ficar parados. Por Bresser-Pereira

Atualizado em 7 de abril de 2020 às 7:48
Luiz Carlos Bresser-Pereira. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente na fanpage do autor no Facebook

POR LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA, ex-ministro

Coragem, firmeza, espírito público

O mundo e cada país enfrentam hoje uma crise imensa. Uma crise que atinge todo o globo terrestre, mas que terá que ser enfrentada em cada país. Em cada estados-nação. Não poderá ser resolvida pelo mundo, porque mundo não tem um estado. São as nações que têm cada uma o seu estado – tem um sistema constitucional-legal e a organização formada por políticos e servidores com poder para executar as leis e demais políticas públicas. Que em um momento de alta gravidade como o que estamos vivendo, são fundamentais.

No Brasil estamos finalmente caindo na realidade. O PIB não crescerá zero nem será negativo em 1%. Tomando-se o cálculo da The Economist Intelligence Unit, a recessão deverá ser de 5,5% neste ano. Número pesado de significados. Significa desemprego, significa fome dos mais pobres, significa quebra de empresas, significa empobrecimento geral, significa ansiedade generalizada, sofrimento.

O estado é a instituição de que dispomos para enfrentar essa dupla crise, sanitária e econômica. Um estado cujo governo está hoje entregue a um homem sem condições mínimas para enfrentar o problema. Mas esse estado não está paralisado.
Os governadores, os deputados, os senadores, os ministros do Supremo, os ministros do governo, os juízes, os servidores estão todos trabalhando, fazendo o que podem.

Chamo, porém, atenção para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Entre os economistas do governo lutando contra o coronavírus ele é a figura mais extraordinária. Foi ele que endossou a estimativa que a recessão será de 5,5% neste ano.

No Valor, ele acentua o caráter “altamente recessivo” da crise. Falando aos ministros do TCU, ele ressaltou que a violenta queda no preço das ações terá um forte efeito-pobreza que dificultará qualquer retomada. E observou como é importante nesse momento que o Brasil tenha as reservas que tem.

Mas, para o estado e seu governo poderem agir ele terá que entrar em elevado deficit público – fato que evidentemente travou a ação do Ministério da Economia em um primeiro momento. Mas vendo a gravidade da dupla crise, o ministro Paulo Guedes corrigiu o rumo e afirmou que gastaria o que fosse preciso. Ótimo.

Nelson Barbosa, escrevendo um excelente artigo na Folha, comemorou o fato de que muitos economistas estão concordando que é preciso incorrer em um deficit maior. Ótimo novamente.

Mas será que o governo aumentará com tranquilidade a dívida pública o tanto quanto é necessário? Foi diante dessa pergunta que, no dia 26 último, propus que o governo aprovasse uma lei para iniciar um processo de “quantitative easing”, de emissão de moeda para a compra pelo Banco Central de títulos públicos, para financiar a despesas excepcionais que estão sendo necessárias para enfrentar a crise sanitária e a crise econômica.

Fiz esta proposta sem saber que o Banco Central estava patrocinando uma emenda constitucional (não basta lei, ao contrário do que pensei originalmente) nessa mesma direção.
Mas a PEC está sendo desidratada no Congresso enquanto já surgem economistas advertindo contra os perigos inflacionários da medida. São economistas que ainda não aprenderam que moeda não causa inflação – o máximo que ela faz é sancionar a inflação que está em curso garantindo o nível de liquidez da economia. Foi isto que os economistas brasileiros mostraram quando, na primeira metade dos anos 1980, desenvolveram a teoria da inflação inercial.

Para enfrentar esta dupla e imensa crise nós precisamos coragem, firmeza e espírito público. Precisamos de espírito público para agir em função do interesse da sociedade e não do interesse individual. Precisamos ser republicanos, defender as virtudes cívicas. E, nesta hora, as duas virtudes cívicas maiores são a coragem e a firmeza. Não está na hora de deixar para depois, de empurrar com a barriga, de titubear, de se encolher. Precisamos de firmeza para tomar todas as decisões necessárias e para executá-las.

A execução também é importante. E nós temos servidores públicos competentes para executar as políticas públicas emergenciais. No Valor, tive o prazer de ler o artigo de Letícia Bartholo, Luiz Henrique Paiva e Pedro Ferreira de Souza, “O desafio de implantar o auxílio emergencial para os informais”. São três sociólogos do IPEA que mostraram pleno conhecimento das ações que precisam ser tomadas para disponibilizar os R$ 600,00 para, no cálculo que fizeram, 117,5 milhões de pessoas – 55% da população brasileira.