“Bolsonaro não tem ideias, mas entendo por que vocês o puseram lá”, diz colete amarelo, da França, ao DCM

Atualizado em 29 de janeiro de 2019 às 6:12
Yannick Caroff com Willy Delvalle, correspondente do DCM em Paris

Yannick Caroff, 36 anos, francês, é colete amarelo desde a primeira manifestação em Paris, no dia último 17 de novembro. Professor de história e geografia, morador de Epinay-sur-Seine, periferia pobre ao norte de Paris, foi às ruas desde então por raiva. O crescimento da pobreza e do desespero do fim do mês entre os franceses atingiram, segundo ele, um nível insuportável. Militante de um pequeno partido de esquerda, o Solidarité et Progrès, ele observa entre seus colegas coletes amarelos um interesse em se politizar, em compreender questões profundas sobre o funcionamento do país.

Descreve a leitura da Constituição em assembleias cidadãs e as discussões sobre o papel do Banco da França. “As pessoas estão se autoeducando politicamente”. Ele afirma que os franceses não suportam o programa de austeridade aplicado pelo modelo liberal em outros países europeus e que, na sua concepção, Macron quer aplica-lo na França. Ele é crítico de Jair Bolsonaro. Acredita que o novo presidente brasileiro não será capaz de ajudar o povo. “Ele não tem programa. Vai servir a oligarquia financeira atual”, afirma.

Para Yannick, a relação entre Moro e interesses americanos é clara, quadro completado por Paulo Guedes, “produto do que há de pior nos Estados Unidos”. Nesta entrevista exclusiva para o DCM, ele defende uma saída da França da União Europeia, fala de populismo, migração, opina sobre as jornadas de junho e aponta um caminho para que os coletes amarelos não sejam capturados pela extrema direita.

Como você define o movimento dos coletes amarelos?

Principalmente, são pessoas que não se manifestavam antes. Uma frustração generalizada. Uma frustração fiscal, particularmente, que não data da eleição de Macron, mas de pelo menos 30 anos de política. Sobretudo desde os anos 2000, quando o nível de vida dos franceses diminuiu.

Por que você e o movimento dos coletes amarelos em geral estão com raiva?

Eu estou com raiva porque vejo uma pobreza cada vez maior. E que as pessoas que trabalham e trabalharam durante toda suas as vidas não conseguirem se sustentar. De onde eu venho? Sou filho de operário de operária, para quem o valor do trabalho é muito importante. Eu acho que os coletes amarelos também tem esse apreço. Eles querem que o trabalho remunere mais. Mas o que é preciso compreender é que as reformas na Alemanha em 2004, de Tony Blair na Inglaterra são programas de austeridade. E os franceses não querem austeridade quando os ricos são cada vez mais ricos. Esse é o grito de raiva.

Por que diz-se que os coletes amarelos em algumas semanas conseguiram o que os que sindicatos não obtiveram durante meses de greves?

Em 2010, havia nas ruas, sob convocação dos sindicatos, três milhões de franceses contra a reforma da previdência de Nicolas Sarkozy. Essa foi a última vez que vimos muita gente na rua se manifestar. Mesmo assim, a reforma foi aprovada. Desde 2010, houve uma forma de inércia na população francesa. Havia o sentimento de que o povo francês dormiu. E que agora ele acordou. E diante desse acordar, o governo não pode nada, diferentemente do passado. Não são sindicatos, não são partidos políticos que conduzem o movimento, mas indivíduos que compartilham um

ponto: a vontade de não aceitar as injustiças. Então é algo que não se pode parar. O governo não sabe como gerir a situação. Ele não tem outra escolha, senão conceder ao povo o que ele reivindica ou partir.

Alguns jornalistas comparam os coletes amarelos com a campanha de Macron durante as eleições em relação ao fato de ser um movimento nem de esquerda, nem de direita. Você concorda?

Sim. No mínimo, é um movimento que reúne gente de esquerda e de direita, de extrema esquerda e de extrema direita. Na realidade, é uma mistura de pessoas que não votam mais há alguns dias, que não são sindicalizadas, que não são filiadas a partidos políticos, que têm opiniões políticas, ideias políticas, mas que não são definidas por um partido ou um sindicato.

Emmanuel Macron foi eleito com um forte sentimento que Mélenchon chama de “dégagisme” (neologismo para limpeza), a vontade de tirar as pessoas no poder. Então, Emmanuel Macron pôde aparecer para alguns como uma nova figura, jovem, sem ter vindo desse meio. A gente se deu conta muito rápido que, na verdade, era um puro produto do sistema. Que era apenas marketing se apresentar como “nem de esquerda, nem de direita”. E aí que pode-se fazer uma ligação entre a campanha presidencial e o movimento dos coletes amarelos.

O que é interessante é que quando você tem um movimento de pessoas que não votavam mais, que não estavam nem aí, que não se implicavam na política, agora que eles querem uma mudança, elas começam a refletir sobre essa mudança, que natureza terá essa mudança, dentro de que limites haverá essa mudança. Então as pessoas estão se autoeducando politicamente sobre grandes questões. Uma das questões que debatemos com os amigos coletes amarelos é a questão de retomar o controle do Banco da França, de renacionalizá-lo.

Não são todos os coletes amarelos que o discutem. Mas nós o fazemos. Muitas pessoas vêm nos procurar durante as manifestações dos coletes amarelos para nos perguntar “o que vocês querem dizer?”, “ah sim, isso parece importante”. Há uma reflexão geral sobre quem governa na França. Por que 15, 20 milhões de franceses que trabalham ou trabalharam durante toda a vida não conseguem se bancar? Quem mantém esse sistema em que metade dos trabalhadores não consegue se sustentar? Há um contexto de reflexão política entre as pessoas.

Qual é o contexto do Banco da França?

Uma questão internacional é a da soberania do povo, seja de esquerda, seja de direita, gente jovem ou mais velha, a democracia, a república. Para que se torne bastante concreto, como é possível falar de soberania do povo brasileiro, do povo francês se não controlamos nossa moeda? Não digo que há só isso. Se não houver isso, como podemos falar em soberania do povo? Acredito que é uma reflexão que muitas pessoas fazem. Na França, de 1945 a 1973, o Banco da França tinha em seu comando um conselho de administração que era de funcionários públicos. E podia emprestar dinheiro ao Estado. Então, o Estado emprestava dinheiro a ele

mesmo a zero por cento em projetos que permitiram modernizar o país como nunca antes, mesmo durante a I e a II Revolução Industrial.

Nunca houve uma modernização tão rápida. Chamamos esse período de trinta gloriosos. E eu venho de uma pequena região, que se chama Bretanha, no oeste da França. Esses tempos gloriosos chegaram de maneira mais tardia, nos anos 1960. Foi tão rápido que as pessoas chamaram-no de milagre bretão. Veja: trinta gloriosos franceses, milagre bretão. São termos fortes de pessoas que vivenciaram esse crescimento econômico, entre 7% e 9%, ligado a um aumento do nível de vida.

Desde 1993, o Banco da França não tem mais o direito de emprestar para o Estado. Desde então, o Estado empresta de bancos privados, no mercado financeiro privado. E vemos uma ligação entre esse essa decisão e o endividamento do país. E o que nos dizem a todo tempo? Falo do cotidiano da França, mas sei que fora também, dizem que é preciso pagar a dívida.

O que dizem na Europa? O que disseram aos gregos? Que é preciso pagar a dívida, a dívida, a dívida. Só tem essa palavra. Eu não tenho problema nenhum em discuti-la. Não há nenhum tabu. Mas se não levarmos em consideração que essa dívida é composta de 60% de juros, que se dão pelo fato de termos perdido o controle sobre a moeda, andamos em círculos, vamos nos perguntar qual braço cortamos para pagar a dívida. Pagar a dívida significa menos dinheiro para os hospitais, menos dinheiro para as rodovias e sua manutenção, menos dinheiro para a polícia, menos dinheiro para o Exército, menos dinheiro para os serviços públicos, menos dinheiro para os pobres. Isso se chama austeridade. Essa questão para os meus amigos coletes amarelos é muito importante porque não há fatalidade. Precisa-se refletir sobre as causas.

Quando e como você entrou no movimento dos coletes amarelos?

Sou colete amarelo desde 17 de novembro, que foi o ato I da mobilização, que era uma convocação feita pelas redes sociais para bloquear todas as rotatórias da França, cruzamentos, as zonas comerciais. Como eu sou de Epinay-sur-Seine, na periferia norte de Paris, eu fui a Porte Maillot no oeste de Paris, depois para o centro, manifestar. Essa raiva popular corresponde a uma raiva interior que deveria sair. Por isso que eu virei um colete amarelo. E mesmo que a maior parte dos coletes amarelos não seja filiada a partidos políticos, a um sindicato, eu sempre voto, mesmo que seja em branco. Os coletes amarelos são apolíticos, apartidários mas têm ideias políticas. E o povo francês é um povo político.

Onde você se situa no espectro político?

Eu sou “gaulliste” (adepto a Charles De Gaulle) de esquerda. Gaulliste, patriota. No nível nacional, eu penso que devemos estabelecer uma democracia social e econômica na qual retomamos o controle sobre a moeda. No nível internacional, como pensava De Gaulle, eu penso que a França deve defender uma política de distensão e cooperação. Isso quer dizer promover a paz, não oferecendo flores mas pelo desenvolvimento mútuo. Que cada povo possa ter acesso ao pleno desenvolvimento.

Isso passa por sair da União Europeia ou não?

Sim, se diferenciarmos União Europeia da Europa. Pode parecer uma sutileza de linguagem, mas não é. O tratado da União Europeia é o que define as relações de países europeus desde 1992, o Tratado de Maastricht. Depois ele foi modificado pelo Tratado de Lisboa, ao qual o povo francês havia dito não, por entre 53% e 54%. Passou pelo parlamento francês em 2007. Eu penso que a Europa é um espaço de cooperação entre os povos. Olhando para a história da Europa, eu não acredito em Estados Unidos da Europa. No caso da América, funcionou desde a Guerra da Secessão. Na Europa, são velhos países que têm culturas diferentes, línguas diferentes, histórias diferentes, isso não impede de cooperar, até mesmo de fazer delegações de projetos específicos. Não acredito numa federação da Europa. Pelo menos não de imediato. Precisa-se fazer primeiro projetos na energia, na educação, na indústria, em comum, que permitam construir um verdadeiro sentimento de pertencimento à Europa. Não estamos lá.

Manifestação dos ‘coletes amarelos’ em Paris (Foto: Reuters)

Você acredita numa outra União Europeia?

Para ser preciso, eu acredito que é preciso sair da União Europeia para refundar a Europa. Basicamente, o que define a União Europeia hoje é uma engrenagem da globalização financeira. A União Europeia não é Juncker (presidente da Comissão Europeia), o parlamento europeu, mas Wall Street e a cidade de Londres com um tempero europeu.

Quem manda nas decisões econômicas a nível europeu é o Banco Central Europeu, um banco de banqueiros. E esse banco não pode fazer empréstimos ao Estado a zero por cento. Não é o seu papel. Ela não financia grandes projetos europeus. Os espanhóis, por exemplo, têm uma rede ferroviária que não é o mesmo do restante da rede europeia. Então há problemas de correspondência das redes ferroviárias. Essa é a Europa de hoje.

Em 2003, a Comissão Europeia havia aprovado 30 projetos prioritários na área de transporte. Por exemplo, uma ponte para ligar uma linha na Dinamarca e o resto do continente. Outro projeto era um canal para ligar o Sena à Bélgica para fazer a navegação fluvial do Havre (porto), na França até a Bélgica. São verdadeiros projetos europeus. Desses 30 projetos, dois foram realizados. Os outros, não. Mas o objetivo em 2003 era que eles terminassem em 2020. Se não tiver dinheiro pra isso… Temos uma Europa centralizada no Banco Central Europeu. Então, por isso eu não vejo como no interior da União Europeia vamos poder desenvolver a cooperação entre os países europeus.

Há outros militantes de partidos políticos entre os coletes amarelos?

Claro. Entre os coletes amarelos, há pessoas que são militantes ou simpatizantes da “France Insoumise” (extrema esquerda), do “Rassemblement National” (extrema direita), com Marine Le Pen, há menos simpatizantes do Partido Socialista e dos Republicanos (direita). Isso é normal porque são dois partidos que estavam no

poder há alguns anos mas estam em decomposiçao. Tem filiados como eu do Solidarité et Progrès , mas a maioria nunca se filiou a um partido político.

Os coletes amarelos são mais favoráveis à abertura ou ao fechamento de fronteiras em relação ao acolhimento de imigrantes?

Isso eu não poderia dizer pelos coletes amarelos. Mas no sentimento popular na França, há uma percepção de que há um limite no acolhimento de imigrantes. Para as pessoas que fogem de guerras, a maior parte dos franceses é a favor. Há muitas associações de ajuda humanitária na França que tentam acolher e fazer o trabalho que às vezes o Estado não faz. Há, digamos, uma generosidade natural do povo francês. Mas também há um sentimento que não se pode aceitar mais imigrantes porque já temos pobres o bastante.

Qual a sua opinião sobre as tentativas de capitalização do movimento por Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen?

Eu acredito que não funcionará. Creio que as pessoas não aguentam mais. Estamos assistindo a uma população que tenta se apropriar por si só de certas ideias. Há coletes amarelos que tentam se organizar não sob a forma de um partido, mas de assembleias cidadãs em algumas das quais especialistas são convocados para discutir grandes assuntos.

Sobre a questão do Banco Nacional, por exemplo, vemos muito interesse de pessoas que nos convidam para discutir com eles. Eles sabem que somos militantes políticos mas não vamos para fazer as pessoas se filiarem. Podemos trazer alguns elementos de reflexão e fatos para que eles reflitam por que é importante o controle sobre o Banco Nacional.

Em Montpellier, no sudeste da França, há um movimento de coletes amarelos que bloqueia cruzamentos e, faz quase um mês, eles se reúnem toda quinta-feira para uma assembleia cidadã. Eles são quase 100 pessoas a refletir sobre questões profundas. Prova de que isso que eu estou dizendo corresponde ao conjunto dos coletes amarelos são os referendos de iniciativa cidadã, uma medida que propõem muitos coletes amarelos.

Veem-se muitos cartazes, bandeirolas nas manifestações sobre essas questões. Isso prova que o povo assume grandes questões, uma responsabilidade. Eu acho muito constitutivo do espírito dos coletes amarelos. Há um risco de todas as democracias modernas, a manipulação.

Steve Bannon, o cara que foi demitido por Trump, foi seu conselheiro de comunicação. Ele estava com movimentos de extrema direita no final de dezembro quando estava sendo assinado o pacto de Marrakech. Ele quer explodir a Europa de dentro dela. São os conservadores americanos. Ele tenta ter um Trump à francesa nos coletes amarelos. Por enquanto, não é isso. Mas eu digo que há gente assim, que tem dinheiro, que tem uma certa influência, que tenta cooptar, capitalizar.

Você mencionou as assembleias sobre questões profundas. Quais são essas questões?

As pessoas não se perguntavam sobre como a política funciona. Muitas pessoas jamais leram a Constituição francesa. Entre os coletes amarelos, há muitas pessoas que dizem “é preciso que nos assumamos nossa responsabilidade”. Não é todo mundo, mas tem muita gente que tenta compreender como as coisas acontecem, de ler a Constituição e tentar compreendê-la entre eles. Convidam economistas nas assembleias cidadãs e os bombardeiam de questões. Não digo que são todos os coletes amarelos, mas digo que isso existe. Tenho amigos que participaram das assembleias.

Por que houve agressões por parte de coletes amarelos a jornalistas franceses?

Como bem diz uma jornalista da LCI, a maior parte dos jornalistas foram agredidos ou feridos por conta de ações de policiais. Eles estavam próximos de onde os policiais lançavam gás. A segunda coisa é que há um ódio de alguns, de muitos, de jornalistas. Em geral, os jornalistas brincam com a nossa cara pela maneira como tratam a informação particularmente em relação ao movimento dos coletes amarelos, no qual houve uma violência policial manifesta. Depois de oito semanas de protestos dos coletes amarelos, faz uma semana que finalmente se fala de violência policial.

Mas antes não se falava. Só se falava da violência de coletes amarelos para com os policiais ou contra imoveis. Eu não o nego. Parte dos coletes amarelos são violentos, uma minoria, mas existem. Mas não falava-se dos policiais que abusavam de sua autoridade. Começou-se a falar um pouquinho. Creio que estão de saco cheio em relação a isso.

Uma jornalista da LCI foi agredida por manifestantes coletes amarelos mas foram ajudados por dois coletes amarelos. Esse é o paradoxo. Creio que há um saco cheio do desprezo dos jornalistas em relação à população. Muitos coletes amarelos são os que não falavam antes, pessoas que não eram evocadas em reportagens, os “meios rurais”, a “França periférica”, a “França degradada”, não importa a etiqueta que lhes colocavam. Algo pesado que está aí faz muito tempo. A mim, provoca mais riso do que choro. Mas compreendo que para algumas isso passa dos limites. Eu participei das manifestações de Paris, quando vocês são milhares e milhares e milhares e dizem que vocês são 300, 400 ou 600, é uma mentira pura.

Muitas pessoas veem um risco de capitalização do movimento dos coletes amarelos pela extrema direita. E você?

Sim, é um risco. Mas eu não creio em relação a Marine Le Pen. Ela se descredibilizou muito desde o segundo turno das eleições presidenciais. Mostrou sua incompetência. As pessoas na França às vezes dizem coisas grosseiras, mas não gostam da extrema direita. Mesmo as pessoas que votam em Marine Le Pen não gostam da extrema direita. O que o movimento dos coletes amarelos reivindica é a justiça, de poder viver do seu trabalho, que suas crianças possam viver correta e dignamente. O risco que eu vejo é que se não houver uma resposta política, não em termos de partido, mas de ideias que permitam às pessoas de ter essa justiça, haverá um risco.

Outra coisa é que há pessoas, como Steve Bannon, que querem que o movimento dos coletes amarelos seja capitalizado pelo populismo de extrema direita. O meu medo é que não haja outra alternativa senão a extrema direita. Esse é o risco. Ela sempre ganha quando há uma ausência de resposta política a uma vontade de evolução, de justiça, da população, que é legítima. Vou dar um exemplo extremo.

Não podemos desconectar a vitória de Adolf Hitler na Alemanha, em 1933, da crise financeira que atirou milhões de alemães na rua. Não podemos desconectar sua eleição do fato que pessoas foram assassinadas quando propunham um programa alternativo à la Roosevelt. Na mesma época, não podemos ignorar que a eleição de Roosevelt pôde ser uma resposta democrática e justa à uma pobreza da população americana, a Grande Depressão.

Vamos questionar um sistema econômico injusto? Ou vamos continuar assim? Eu penso no caso brasileiro. Se Bolsonaro não fizer nada, em seis meses estará acabado. Podemos criticar o povo brasileiro porque votou em Bolsonaro, mas de todo modo, ele quer uma mudança. Há uma violência extrema no país de vocês, há uma crise econômica. Se em seis meses não houver nada em termos de efeito no cotidiano dos brasileiros, será o fim de Bolsonaro. E eu acho que é o que vai acontecer porque visto seu ministro da economia, não vejo como (risos) a vida dos brasileiros pode melhorar.

Como você vê a eleição e as propostas de Jair Bolsonaro?

Alguém excessivo; é alguém que, para mim, não tem ideias. Ele não tem programa. O que eu vejo é que será alguém que vai servir a oligarquia financeira atual. Dos discursos traduzidos que eu ouvi, eu não vejo como ele vai poder ajudar o povo brasileiro. Pra mim, (Bolsonaro) é marketing. Onde ele foi inteligente foi estar presente nas redes sociais com suas fake news e ser exagerado a tal ponto que as pessoas talvez acreditaram nele. Mas as coisas que ele propôs não me parecem nem um pouco críveis. Não sei como ele pode terminar o ano. Eu não conheço o povo brasileiro, mas acho que ele é como o povo francês, ele quer uma mudança. Eu me perguntei por que ele foi eleito. A primeira (resposta) é a crise econômica severa há alguns anos. E o número de homicídios. Na França, somos 65 milhões de franceses e há menos de mil assassinatos por ano. E no seu país, espero não me enganar, são entre 400.000 e 500 mil assassinatos…

63 mil.

63 mil, no ano passado. Seu país faz parte do grupo dos mais violentos. Penso que as pessoas não aguentam mais isso. Evidentemente que quando Bolsonaro diz que vai dar uma arma para cada brasileiro se defender… Mas não é essa a questão. Isso não vai até a raiz dessa violência organizada, dessas facções. A outra questão é a corrupção. As pessoas não aguentam mais a corrupção. Tenho a impressão de que não havia resposta. Eu não votaria em Bolsonaro, mas compreendo que as pessoas tenham votado nele, quando elas têm medo no cotidiano, não importa o tipo de pessoa que ele seja, vulgar ou excessivo, compreendo o raciocínio. Ele não fez muita campanha televisao. Ele fez campanha nas redes sociais. Ele se dirigiu às emoções das pessoas.

Você acha que ele vai limpar o país de corruptos, como ele prometeu?

Se ele o fizer, terá de atacar as quadrilhas, as redes de Wall Street e da cidade de Londres, mas sobretudo de Wall Street, meios que infestaram seu país, meios do FBI. Sabemos muito bem que o ministro anticorrupção do seu pai, Moro, é alguém que recebeu informações bem documentadas que vinham de juízes americanos e de fontes do FBI. Sabemos que há uma conivência. Sabemos que seu país é importunado por essas organizações governamentais há muito tempo. Então se ele quer ir a fundo no combate à corrupção, será preciso que ele ataque esse nível. Não acho que é isso que ele vai fazer. Porque visto quem ele designou para ministro da Economia e o pouco que eu, francês, vejo, não vejo nada que vai nesse sentido. Então para mim a resposta é não.

Yannick Caroff, colete amarelo

Parece-lhe suspeito que o mesmo ministro de Bolsonaro seja o juiz que prendeu Lula, o que o impediu de disputar as eleições?

Ele não poderia fazer o que fez sem as informações do FBI, de juízes americanos. Então houve uma vontade de certos meios americanos na Operação Lava-Jato. Não acredito que Trump esteja por trás, mas que seja antes dele. Houve uma cooperação. Isso deve ser bastante conhecido no Brasil. Pelo menos na França é. Houve uma conivência norte-americana, um interesse que Lula não fosse candidato. Vemos o mesmo raciocínio antes, com Dilma Rousseff. Não digo que eles sejam santos, Lula e Dilma. Mas Temer tirou proveito pessoal da corrupção. Lula e Dilma, tenho a impressão que foi, na verdade, para membros do partido do que para eles.

Está claro que Moro serve um sistema que corresponde a certos meios anglo-americanos. Moro de um lado. Do outro, Guedes, um “Chicaco boy”. Chicago é o lugar de maior compra e venda no mundo de cereais. Mas não se produzem muitos cereais em Chicago, mas é porque lá fica um mercado especializado em especulação sobre grãos. Não é à toa que foi nesse meio que cresceu Barack Obama. Em parte foram essas pessoas que financiaram sua campanha. A Escola de Chicago é uma escola de economia ultraliberal. Lá não se ensina muito sobre Roosevelt, Kennedy, as políticas econômicas de Lincoln, Alexander Hamilton. Guedes é produto do que há de pior nos Estados Unidos. E Moro, que se aproveita do FBI e de juízes não muito respeitáveis (risos).

Os resultados apresentados pela extrema direita no mundo correspondem às suas promessas?

Não. São pessoas tão corruptas quanto as outras, entre aspas (risos). Quando você é eleito para o comando de um país, de alguns milhões de habitantes ou um país como o Brasil, você tem que ter uma cabeça e um coração bem feitos. Tem que haver sobretudo um diálogo entre o coração e o espírito porque você tem que saber que não poderá fazer tudo enquanto presidente ou presidenta. Mas se você quer o bem do seu povo, você deve estar consciente num dado momento a respeito das pessoas que não querem o bem do seu povo no interior do seu país e fora também. Essa é a história da humanidade. Todas as nações são confrontadas a interesses, lobbies, àqueles que não querem a prosperidade de todos, mas que querem a prosperidade de seus grupos em detrimento dos outros. No seu país, há opositores que serão honestos e opositores que serão bastante desonestos, que vão fazer de tudo para lhe destruir. Você não pode fazer tudo, mas deve ter a adesão do povo. Você não pode mudar um país sem o povo. Você não pode fazer apenas

comunicação. O que eu vejo na extrema direita é a mesma coisa que eu vejo nos movimentos de esquerda atuais: eles fazem comunicação. Eles querem ser eleitos. Mas o resto… Seja a esquerda, não é Jaurès. A direita atual não é De Gaulle. Há os extremos, mas também tem que haver um questionamento dos partidos ditos moderados, que sobretudo servem seus interesses financeiros e não os da população. Eles fazem tantos compromissos com interesses financeiros que terminam desservindo a população. Eu acho que o erro não está apenas na direita ou na direita radical, infelizmente.

Trump, penso que tem uma política interna muito ruim. E na política externa, coisas muito criticáveis. Mas tem uma coisa interessante. Ele não é um neoconservador. Ele quer colocar fim à ideia de que os Estados Unidos sejam o exército do mundo. Isso é interessante pela forma como os outros brigam para que os Estados Unidos continuem sendo exército do mundo.

Você acredita que Bolsonaro, Trump, Salvini inspiram admiração entre os coletes amarelos?

Não. Eu ouvi poucas discussões sobre eles. Recentemente o primeiro ministro italiano saudou o movimento dos coletes amarelos. Eu não ouvi na manifestação de sábado pessoas falando disso. Discutimos de tudo. Mas não penso que haja admiração por essas pessoas.

Trump disse que os coletes amarelos gritaram “queremos Trump”.

Isso é típico do método de Bannon; cria-se um rumor do nada e depois ele é inflado. Eu não vi isso. Talvez aconteceu em algum lugar. Para falar de maneira menos diplomática, eu vi mais gestos neonazistas por parte de algumas pessoas do que pessoas falando de Trump, Salvini ou de outras personalidades populistas, Orban… Em ligação com a sua pergunta, não podemos negar que o movimento dos coletes amarelos se manifesta de maneira diferente entre os povos, uma negação da globalização financeira que mata os povos. Isso se manifestou na vitória do Tsipras, no início contra a austeridade. Ao final, ele não fez o que foi eleito para. Creio que foi a razão do movimento 5 Estrelas e da Liga do Norte, na Itália. Creio que foi a razão da derrota de Hillary Clinton, que era vista pelos americanos como símbolo desse sistema; a vitória de Trump: a vitória da direita radical no leste europeu. Há um fenômeno mundial de negação por parte dos povos de um sistema oligárquico, de uma globalização financeira que mata o trabalho, o nível de vida das pessoas.

No Brasil, um movimento é frequentemente comparado aos coletes amarelos. Ele se dizia apartidário. No início, ele começou para questionar o aumento no preço do transporte público. Transformou-se em reivindicação por melhores serviços públicos. E virou, com a ajuda de partidos de direita, em pedido de impeachment de Dilma Rousseff, que foi um golpe de Estado pois não havia fundamento jurídico para destruí-la. Esse movimento é comparável, na sua visão?

O que você descreve é um belo caso de capitalização. Penso que é um risco. O que eu admiro bastante nas discussões que pude ter com os outros coletes amarelos é que as pessoas têm consciência de sua importância e que não se pode fazer qualquer coisa. Nem todos. Tem gente que só quer ação, ação, ação, sem reflexão. Mas há um certo número de pessoas que tentam fazer uma reflexão, de acalmar as tensões, de se projetar no futuro.

Essas pessoas vão ser importantes para a o depois, porque há um risco de capitalização. Essa raiva continuará se não houver mudança. O risco é dessa raiva se transformar em ira e que essa vontade de evolução se transforme em insurreição. Já vimos na história. Vamos encontrar um projeto positivo, que permita uma justiça a todos, uma justiça fiscal, de emprego, social? Se sim, chegaremos até ela? Se sim, não haverá problema.