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Bolsonaro nas cordas: hora de partir para a jugular. Por Paulo Nogueira Batista Jr.

Evaristo Sá/AFP

Há cerca de um mês, escrevi aqui nesta coluna que o governo Bolsonaro estava nas cordas e poderia até cair. Alguns acharam que era delírio e que eu confundia a realidade com meus desejos. Em outras palavras, acusaram-me de wishful thinking, como se diz em inglês.

No entanto, o que aconteceu desde então parece confirmar o que escrevi: o governo está cambaleando e corre realmente o risco de não chegar até o fim do seu mandato. Bolsonaro vive o seu pior momento.

Os fatores fundamentais do enfraquecimento recente do governo são conhecidos. Destacaria o atraso e os embates na aprovação do orçamento de 2021, que provocaram verdadeira crise política, desgastaram o ministro da Economia e devem ter deixado um rescaldo de desconfiança entre o governo e a sua base parlamentar. Mais importante do que isso: as vitórias sucessivas de Lula no Supremo, que reforçaram dramaticamente o principal adversário político de Bolsonaro.

Mas o que pesa, sem dúvida, acima de tudo, é a criação da CPI da Covid no Senado, com composição desfavorável ao governo e Renan Calheiros na relatoria. Bolsonaro está visivelmente apavorado com o que pode sair dessa CPI. Pode ser a antessala do impeachment.

Não vamos nos enganar, entretanto. O governo não está morto! Tem muitos instrumentos de poder. E pode até se recuperar. Espero que os adversários políticos de Bolsonaro não cometam o erro que cometeram os adversários políticos de Lula em 2005. O leitor lembra do que aconteceu? Lula estava no seu ponto mais baixo com o escândalo do “mensalão”. O seu braço político principal, José Dirceu, teve que deixar o governo. Lula parecia liquidado.

Os seus adversários decidiram, se bem me recordo, não levar o impeachment adiante. Tinham medo do vice de Lula, José Alencar, que era um crítico ferrenho do sistema financeiro e dos juros altos. Alencar, embora empresário, estava à esquerda de Lula em matéria de política econômica. Melhor então deixar o Presidente sangrar até o fim do governo e derrotá-lo nas urnas em 2006.

Felizmente, Lula se recuperou e venceu Alckmin no segundo turno das eleições daquele ano. Partiu daí para um segundo período de governo que, contrariando a regra da “maldição do segundo mandato”, foi muito melhor do que o primeiro. Lula deixaria o governo em 2010 consagrado, com altíssimos índices de aprovação. Elegeu, sem grandes dificuldades, a sua sucessora, Dilma Rousseff, uma tecnocrata desconhecida do grande público. O povo queria votar na “mulher do Lula”. E votou.

Uma recuperação semelhante não poderia acontecer com Bolsonaro? Política é o reino da imprevisibilidade. Mas imaginem o seguinte cenário, que não é implausível. Com o avanço da vacinação no segundo semestre de 2021, a situação da epidemia começa a se normalizar e a economia se recupera um pouco. Bolsonaro pode então começar a cantar vitória de novo. Não vamos esquecer que o povo brasileiro tem expectativas bem rebaixadas, modestas mesmo. Pouco ou nada espera dos seus governantes. E outra: é preciso reconhecer que Bolsonaro, por detestável que seja, sabe falar a linguagem popular. Só há dois políticos de destaque no momento que sabem, de fato, falar com o povo. Lula e, infelizmente, Bolsonaro.

Por isso, é que digo e repito: é hora de partir para a jugular! Liquidar, ou começar a liquidar, este governo nocivo, destrutivo, antinacional e antipopular no seu momento de maior fraqueza, isto é, nos próximos, digamos, 3 ou 4 meses. E não me venham falar em “golpe”. Este governo, cometeu crimes de responsabilidade em série. Motivos para o impeachment, dentro da Constituição e da lei, são abundantes. Nunca um governo deu tantas razões para ter o seu mandato interrompido.

Falta o povo nas ruas? Então, vamos para a rua! A revolta é tanta, que muitos atenderão um chamado para a mobilização. Não podemos ficar em casa, acovardados, com medo da pandemia, assistindo passivamente o País ser destroçado.

Há motivos para temer o vice de Bolsonaro? Dizem alguns que o vice é “tóxico”. Mas não creio que ele ofereça perigo remotamente comparável ao que representa a continuação de Bolsonaro na Presidência. Mourão não foi eleito, não tem carisma, não tem liderança. Será provavelmente um presidente fraco, que se limitará a conduzir o país, em cenário de menos tumulto, até as eleições de fins de 2022. Posso, claro, estar redondamente enganado. Mas não creio.

Teme-se, também, que Mourão na Presidência venha a favorecer uma candidatura da direita tradicional, atualmente denominada de “terceira via”. Esse candidato da direita não-bolsonarista, o falso “centro”, teria provavelmente apoio de um governo federal presidido por Mourão. Mas e daí? Melhor Lula enfrentar um candidato desses, razoavelmente civilizado, do que correr o risco de perder para Bolsonaro.

O leitor lulista dirá: mas Lula é o favorito, Bolsonaro estará muito desgastado, Lula vencerá as eleições no segundo turno de qualquer maneira etc. Pode bem ser. Mas é um risco que não devemos correr! A reeleição de Bolsonaro talvez seja mesmo um evento de baixa ou média probabilidade – e mesmo isso é discutível – mas, em caso de materialização desse risco, o resultado é catastrófico para o País. Mais quatro anos de inépcia, ideias retrógradas, falta de projeto, perversidade e destruição do Estado, da sociedade brasileira e da própria Nação. Esse é o tipo de risco que não podemos correr.

E tem mais o seguinte: quem quer assistir mais um ano e 8 meses de destruição, patrocinada por Bolsonaro e sua equipe de quinta categoria? Os primeiros dois anos e quatro meses já mostraram do que são capazes. Já não é suficiente?

Uma conjectura para terminar. A direita tradicional, que se apresenta como “terceira via”, só parece viável como segunda via. Tudo indica que o falso “centro” só é competitivo nas eleições de 2022 se Bolsonaro ou Lula saírem do páreo. Lula não conseguem mais tirar. Mas é uma ilusão imaginar que a turma da bufunfa já se conformou com nova presidência de Lula. Até aceitarão, se não houver remédio. Mas querem trabalhar outra candidatura, acredito.

Os cálculos eleitorais da direita não-bolsonarista favorecerão o impeachment? Que assim seja.

****

Uma versão resumida deste artigo foi publicada na revista “Carta Capital” em 30 de abril de 2021.

Paulo Nogueira Batista Jr.

Economista, escritor, autor do livro “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento estabelecido pelos Brics

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