Bolsonaro: o Bolha Assassino. Por Flávio Aguiar

Atualizado em 7 de setembro de 2019 às 22:06
Bolsonaro em pronunciamento. Foto: Reprodução/Twitter

Publicado na Rede Brasil Atual:

A Bolha Assassina – os cinéfilos da minha geração certamente têm este filme na memória. O de 1958, não o de 1988, que parece ser uma “bomba” (esclareço que não vi esta versão, estou me referindo a comentários que li). The Blob – 58, conforme o original em inglês, teve como protagonistas Steve McQueen e Aneta Corsault. Embora ele já estivesse com 28 anos e ela com 25, faziam o papel de dois adolescentes enamorados numa pequena cidade rural do estado da Pensilvânia, não longe da capital, Filadélfia. Steve McQueen (no filme, sua estreia, identificado ainda como Steven) dispensa apresentações. Aneta teve uma carreira discreta, embora participando de séries televisivas como Bonanza e Columbo.

Numa narrativa de ficção científica, o filme conjuga o horizonte da Guerra Fria, o tema do conflito de gerações e ainda o ambiente de um filme de horror. Ele se baseia num lugar-comum dos filmes norte-americanos dos tempos da Guerra Fria: um ser extra-terrestre devora  humanos e aumenta seu poder com os cadáveres que incorpora. Neste caso, o agente exterminador é uma espécie de ameba informe, que vai comendo os corpos e aumentando com eles seu volume.

Informe? Sim, mas… de cor vermelha! Metáfora da União Soviética e da China de então? Provavelmente. Ao mesmo tempo, é imagem de algo ancestral na cultura do Ocidente: as imagens do canibalismo e também do vampirismo. E naquela época, lembremos, “os comunistas comiam criancinhas”, não é verdade? Também se deve ter em conta que nesta época se espalhava o consumo do chiclete de bola (ou bôlha?), aquele que ainda, ao explodir, grudava nas bochechas. Lembram?

O conflito de gerações – tema comum (Juventude Transviada, 1955, James Dean, Natalie Wood, direção de Nicholas Ray…) daquela época – aparece porque, a princípio, os adultos não acreditam nos relatos dos jovens sobre uma Bolha que vai devorando pessoas. Até que num lance de gênio cinematográfico, ela invade um cinema onde a plateia assiste um filme de terror, que então se torna “real”.

Depois de várias peripécias, a Bolha é contida… pelo frio! O que vai ao encontro da ideia antiga de que o sangue quente é o fator inebriante no canibalismo (sobrevive num filme como “A guerra do fogo”). E é jogada  de pára-quedas no Ártico.

A ideia me veio diante das atitudes constantes do presidente Bolsonaro. Ele é uma ameba informe, que vai devorando quem dele se aproxima, inimigo, aliado ou amigo. Seu pensamento tem a forma de uma bolha, estourada e em carne viva.

Confunde debate ideológico com insulto pessoal contra os outros. Não tem limites: agride a memória do pai da Comissária da ONU que preside a Comissão para Direitos Humanos assim como agride a imagem da mulher do presidente francês – seguindo a seara de Trump, por quem revela uma subserviência de mico de baralho – pois Trump abandonou aquela Comissão e agora se demonstrou (parece) amuado com o acordo Mercosul-União Europeia.

Bolsonaro é alguém querendo sair dele, mas sem pagar o ônus. Quer que os outros rompam com ele. Então insulta. É uma diplomacia de hambúrguer frito. Uma constante: o Bolha Assassino tem preferência por agredir mulheres e proximidades. Freud explica? Vá se saber. Quem sabe Pavlov e sua imagem do cão amestrado.

Bolha Assassino? Sim. Bolsonaro é um Bolha.  E está assassinando a diplomacia brasileira. Cospe nos túmulos de Rio Branco e Alexandre de Gusmão, sem falar em outros ícones, das mais variadas procedências ideológicas, de si ou dos governos que representaram. Junto com ele, o chanceler de ideias terra-planas não fica atrás. Insulta igualmente a nossa tradição diplomática com suas tiradas em mau português sobre seu completo desconhecimento do que vai pelo mundo – exceto com as vontades do governo Trump e as veleidades pretensamente filosóficas de Orlarva (sic) de Carvalho.

Pode ser que agora as coisas comecem a melhorar. Salvini caiu na Itália. Pode voltar, mas de momento tropeçou em sua própria vaidade, lançando um desafio para o qual não tinha fundos. Boris Johnson se enredou nas próprias pernas, ao tentar um golpe (estaria induzido pelo Brasil?), misto de Ato-5 (fechando o Congresso) com 2016, alegando dificuldades constitucionais.

O AfD bem que tentou, mas não conseguiu ser o partido mais votado em Brandemburgo e na Saxônia alemãs, embora a euforia que se viu entre os partidários dos partidos tradicionais seja inteiramente descabida. Nas duas eleições os ganhos do AfD, de extrema-direita, foram enormes ( +17,7% na Saxônia, e +11,3% em Brandemburgo) diante do prejuízo dos outros partidos, que oscilaram perdas de entre -7,9% a -8,5% nestes estados. Dentre os demais partidos, apenas alguns pequenos marginais e os Verdes cresceram, indicando que alguns dos ventos predominantes podem estar mudando.

55 milhões de Bolhas Assassinas – fechadas em si mesmas, surdas ao que elas mesmas conheciam de antemão – elegeram o Bolha. De momento, segundo pesquisas, 25% mostram arrependimento, aquele tardio que vai levar muitos à mentira do “eu? votei em Bolsonaro? Não mesmo, não fui eu!”.

Estamos diante deste paradoxo (para muitos): quem devia roubar empregos, segurança vidas etc. eram os comunistas comedores de criancinha. Agora são os capitalistas milicianos e radicais que roubam tudo aquilo.

De quebra, com apoio da ignorância valorizada do Bolha do Planalto e do Blob da White House, o aquecimento global come o planeta pelas bordas. O que lembra a observação do personagem vivido por Steve McQueen ao final do filme. Diante do lançamento da Bolha Assassina de pára-quedas sobre o Ártico, para que o congelamento a detenha, ele lembra:

“Na medida em que o Ártico permaneça frio”. Já naquela época.Parabéns para os roteiristas Kay Linake e Theodore Simonson e ao diretor Irvin Yeaworth. Se depender do Bolha e do Blob, a Bolha estará de volta, pois o Ártico derrete e eles não estão nem aí. Eis um roteiro em busca de um diretor.