Bolsonaro, o jovem torturado e pai de Bachelet: presidente brasileiro estimula violação dos direitos humanos. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 4 de setembro de 2019 às 16:50
Bolsonaro, o jovem chicoteado e o pai de Bachelet: o presidente brasileiro estimula a violência

O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos Humanos, disse que ficou chocado com mensagens que recebeu depois que ele ajudou um jovem que foi torturado em São Paulo a fazer a denúncia à polícia.

“O mais chocante é o apoio de parte da sociedade brasileira à tortura de quem furta um chocolate. Uma boa parte da sociedade. Em comentários e mensagens que recebemos, várias pessoas dizem que foi pouco. Acham que quem comete um furto, mesmo que famélico (furto para saciar necessidade urgente, como matar a fome), merece chicotadas. Merece pena de morte. E acham que quem fez isso merece ser homenageado, e não punido”, disse, em entrevista à BBC.

Ariel se refere ao adolescente de 17 anos que aparece em um vídeo que viralizou na internet com a boca amordaçada, calças arriadas e recebendo golpes com um chicote de fios elétricos. Ele é negro e miserável, vive nas ruas. Tentou furtar quatro barras de chocolate. Os seguranças da loja o levaram para uma salinha do supermercado e o mantiveram sob cárcere privado enquanto o torturavam.

Não existe pesquisa para aferir o tamanho exato do segmento da população ainda não civilizada que é capaz de apoiar uma monstruosidade dessas. Creio que é algo próximo do número calculado pelo diretor do Datafolha, com base na análise da última pesquisa nacional: 12% dos brasileiros, que apoiam incondicionalmente Jair Bolsonaro.

Na verdade, é Jair Bolsonaro quem os estimula, com declarações como as que deu hoje, em resposta ao que disse Michele Bachelet, alta comissária de Direitos Humanos da ONU, sobre o aumento da violência policial no Brasil. Bachelet não fez ataque pessoal a Bolsonaro nem violou a soberania brasileira. Cumprindo sua função, delegada por todos os países, inclusive o Brasil, ela afirmou:

“Temos visto um aumento marcado na violência policial em 2019 em meio a um discurso público que legitima execuções sumárias e a uma ausência de responsabilização. Também estamos preocupados com algumas medidas recentes como a desregulamentação das regras de armas de fogo, e propostas de reformas para reforçar o encarceramento e levando à superlotação de prisões, aumentando ainda mais as preocupações de segurança pública”.

Bachelet, que foi presidente do Chile em dois mandatos, recentemente criticou o que considera violação de direitos políticos na Venezuela e não teve do governo de Nicolás Maduro reação desqualificada como a do presidente brasileiro, que comentou:

“Michelle Bachelet, comissária dos Direitos Humanos da ONU, seguindo a linha do Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares”.

Só essa declaração já seria suficiente para demonstrar o baixo nível de Bolsonaro. Para ter direitos humanos, basta ser humano. O presidente da república foi além. Afirmou:

“Diz (Bachelet) ainda que o Brasil perde espaço democrático, mas se esquece que seu país só não é uma Cuba graças aos que tiveram a coragem de dar um basta à esquerda em 1973, entre esses comunistas o seu pai brigadeiro à época.”

O pai da ex-presidente chilena foi general brigadeiro da Força Aérea e se opôs ao golpe de estado de Augusto Pinochet.  Por conta disso, foi preso e torturado. Morreu sob custódia do estado.

A fala de Bolsonaro é tão grave que poderia ser interpretada como mais uma violação da lei que define os crimes de responsabilidade, que o sujeitaria ao processo de impeachment. O presidente brasileiro se comportou “de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”, como define o inciso 7 do artigo 9o da lei 1079/50, a mesma que foi usada para derrubar Dilma Rousseff.

Mas, no Brasil atual, manobra contábil (as pedaladas fiscais) parece ser um erro muito mais grave do que defender a tortura. E foi isso que Bolsonaro fez, mais uma vez, ao elogiar a ação de Pinochet contra os que defenderam Constituição no Chile, em 1973.

De resto, como se sabe, nem Salvador Allende lá, nem João Goulart aqui, eram comunistas.

Se se quer buscar uma explicação para o comportamento dos brasileiros que elogiaram os torturadores do adolescente no supermercado em São Paulo, é preciso olhar para as ações de Bolsonaro. Ele é um mau exemplo, não apenas como presidente da república. É um péssimo ser humano.

A cada dia que ocupa sem honra e decoro a presidência da república, o Brasil fica menor. Ou, para usar as palavras da alta comissária dos Direitos Humanos da ONU, vemos a “redução do espaço cívico e democrático”. Ela poderia ter dito também “civilização”.