“Bolsonaro odeia o Exército”: o depoimento de um alto oficial que o conheceu conheceu 30 anos atrás. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 5 de maio de 2020 às 7:23
Bolsonaro

A nota divulgada hoje pelo ministro da Defesa recoloca a relação entre as Forças Armadas e Jair Bolsonaro nos devidos termos —  ou nos termos históricos, considerando que Jair Bolsonaro nunca demonstrou apreço pela Exército, Marinha e Aeronáutica enquanto instituições de Estado, como se verá adiante.

Diz a nota assinada pelo ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva:

Marinha, Exército e Força Aérea são organismos de Estado, que consideram a independência e a harmonia entre os Poderes imprescindíveis para a governabilidade do País.

A liberdade de expressão é requisito fundamental de um País democrático. No entanto, qualquer agressão a profissionais de imprensa é inaceitável.

O Brasil precisa avançar. Enfrentamos uma Pandemia de consequências sanitárias e sociais ainda imprevisíveis, que requer esforço e entendimento de todos.

As Forças Armadas estarão sempre ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade. Este é o nosso compromisso.

Foi a resposta da cúpula dos três poderes ao comentário leviano que Bolsonaro fez sobre a posição do Exército, Marinha e Aeronáutica.

“Nós temos o povo ao nosso lado, temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela liberdade”, afirmou em live neste domingo, durante o ato contra o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.

Um alto oficial da reserva de uma das três forças conheceu Bolsonaro em 1990, quando ele era vereador no Rio de Janeiro.

“Jair Bolsonaro odeia o Exército. Posso te garantir que na época que foi afastado e enquanto foi vereador, ele sequer poderia passar na porta de uma organização militar. Sua fama era de arruaceiro, alguém que ousou subverter os pilares do militarismo: disciplina e hierarquia”, disse, em depoimento por escrito que me foi enviado por e-mail.

Naturalmente, o nome desse oficial será mantido em sigilo, mas é necessário dar publicidade a seu depoimento, pois mostra como Bolsonaro emergiu mesmo sendo considerado um “mau militar” —  como disse o general Ernesto Geisel em seu depoimento ao CPDOC/FGV — Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil.

O autor da declaração entrou na Aeronáutica em 1982, para desempenhar atividade na área multiprofissional.

Como determinava a lei, após oito anos, ele deveria passar ao serviço ativo, com estabilidade. Mas, no final do período contratado, houve uma tentativa de mudar a regra do jogo. Segue trecho da carta enviada por ele:

O oitavo ano ocorreu em 1990, no governo Collor. Com a reforma administrativa proposta pelo Collor, lembraram do meu Quadro, e o então Ministro Sócrates Monteiro ofertou 72 cabeças para serem demitidas da Aeronáutica, sem direito algum e sem qualquer motivo. Isto é, poderiam utilizar o sistema de avaliação militar, mas não utilizaram qualquer critério. Lógico que não foram escolhidas as que entraram a mais na época do concurso. Escolheram aquelas que não tinham padrinho, dentre as quais, eu.

Nesta época, eu e outros fomos colocados na rua, literalmente, de um dia para o outro. Dormi militar e acordei civil.

Em decorrência, nosso grupo se reunia com frequência, a fim de escolher um advogado que assumisse o nosso caso, e qual a melhor ação a ser proposta em face da Aeronáutica.

Numa dessas reuniões, ainda em agosto de 1990, no apartamento de um colega, no Rio de Janeiro, fomos surpreendidos pelo porteiro, que no interfone dizia que Jair Bolsonaro estava na portaria para falar com um de nós.  Ele mesmo: Jair Bolsonaro, vereador, estava ali na porta, para oferecer ajuda. 

Ao sermos informados da presença não solicitada, fomos, de pronto, desencorajados pelo “dono da casa”, que nos orientou a dispensar a ajuda de pronto, pois se tratava de um sujeito de péssima fama, que só nos prejudicaria, caso nossa situação estivesse ligada ao nome dele.

Assim, eu e um colega descemos à portaria. Ele estava acompanhado de um advogado que se propunha a ajuizar a ação judicial para que anulasse o ato administrativo que nos colocou fora da FAB. Nós, para nos vermos livre deles dois, dissemos que íamos pensar na proposta ofertada. Posteriormente, eu fui designado pelo grupo para, em nome de todos, agradecer e declinar a ajuda proposta.

Assim, uns dias depois, fui à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, para falar com ele. 

Para você ter uma idéia, o que me chamou a atenção foi o paraquedas preso no teto do gabinete dele. A conversa foi breve, mas me lembro que foi raivosa. Jair Bolsonaro odiava o Exército. Todo tempo foi de ressentimento, chegando a dizer que no Exército só tinham covardes.

Acabamos, por fim,  a retornar à FAB, por conta de um mandado de segurança ajuizado no STJ. Portanto, retornei e cheguei ao posto de tenente-coronel, último posto do meu quadro.

Digo tudo isto para que você acredite em alguém que esteve dentro do sistema. Jair Bolsonaro odeia o Exército. Posso te garantir que, na época em que foi afastado e enquanto foi vereador, ele sequer poderia passar na porta de uma organização militar.

Sua fama era de arruaceiro, alguém que ousou subverter os pilares do militarismo: disciplina e hierarquia. 

Basta ver que nenhum dos filhos tentou ingressar numa das academias militares. Por quê? O sobrenome queimado. 

Jair Bolsonaro só conseguiu entrar nas organizações militares após ser eleito deputado federal. Foi devagarinho, se colocando como defensor dos direitos salariais dos militares. 

Para acalmar os comandantes, vez por outra, ofertava alguma coisa para a organização militar, segundo ele, com verba de emendas parlamentares. Na minha organização militar, por exemplo, montou uma sala com equipamentos de ginástica e musculação para pacientes cardíacos.

Assim, em toda festa e passagem de comando, ele aparecia.

Nessas aparições, gostava de se mostrar para os menos graduados. Chegou a pedir  por meio do comando o e-mail de todo efetivo. Tive que bloqueá-lo porque enchia minha caixa de correio com lixo eletrônico.

Não sei se ele pretendia chegar aonde chegou, mas sei que ele se mantinha visível perante à tropa. Também sei que era tolerado porque oferecia alguma benesse, mas sei que, no oficialato superior, era tolerado e tido como um louco que dava alguma vantagem. Sei também que certo era o ódio que nutria por ter sido afastado.

 A história dele no processo que tramitou no STM é notória e é, inclusive, escrita num livro.

.x.x.

Bolsonaro só não foi expulso do Exército por decisão do Superior Tribunal Militar, apesar do voto contundente de um dos ministros, José Luiz Clerot, que analisou o processo e disse que Bolsonaro não poderia continuar no oficialato.

Uma frase de Clerot define bem o que o Brasil vive hoje, com Bolsonaro na Presidência da República:

“Um exame mais aprofundado leva este capitão às profundezas do inferno de Dante.”