O presidente Jair Bolsonaro assinou, no dia 15 de agosto, o Decreto 9.971/2019, que reduz a alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre jogos eletrônicos, consoles e acessórios de videogames. Na proposta, as alíquotas desse imposto, que eram cobradas na faixa entre 20% e 50%, agora passarão a valer entre 16% e 40%. No caso de consoles, o IPI cai de 50% para 40%. Para acessórios, ele baixa de 40% para 32%.
Antes da assinatura, Bolsonaro chegou a convocar o ministro Paulo Guedes para tratar o assunto. E ligou para o jogador profissional de Counter-Strike chamado Gabriel “FalleN” Toledo, capitão do time MIBR.
Tudo feito com bastante divulgação no Twitter e nas redes do presidente. Marketing pesado.
O decreto deu seu primeiro resultado divulgado pela imprensa no último dia 26. A Sony informou oficialmente à imprensa que os preços de seus aparelhos e periféricos sofreram uma redução.
O PlayStation 4 caiu de R$ 2.599 por R$ 2.399; PlayStation 4 Pro, versão top de linha, passou de R$ 2.999 para R$ 2.799; o periférico PlayStation VR headset (de realidade virtual) foi de R$ 2799 por R$ 2599; além do Controle wireless DUALSHOCK 4 preto, caindo de R$ 259 por R$ 249; e o Controle wireless DUALSHOCK 4. nas cores adicionais, de R$ 279 por R$ 269.
Os aparelhos domésticos tiveram um abate de R$ 200, enquanto os controles tiveram uma redução de R$ 10. Se você fosse comprar todos eles, economizaria R$ 620.
Nas redes sociais, Eduardo e o pai Jair Bolsonaro comemoraram as reduções. “PS4 fica mais barato no Brasil”, soltou o presidente no Instagram. “A redução de impostos para videogames praticada pelo Presidente Bolsonaro começou a fazer efeito”, disse o filho no Twitter.
Essa redução foi realmente benéfica?
A redução não afeta venda de jogos eletrônicos em si
O site Canaltech, de cobertura em tecnologia, explicou em uma reportagem com especialista em tributos que a redução de IPI foi determinada para consoles e periféricos, sem chegar nos games em si. Jogos internacionais custam entre 250 até 300 reais em semana de lançamento no comércio de cópias físicas.
A redução do imposto também afeta a Zona Franca de Manaus, uma região com isenção de diversos impostos para as fábricas que se instalam lá, sendo o IPI um deles. Ao reduzir o tributo, as empresas perdem incentivos para entrarem no mercado brasileiro. As portas abertas apenas para importação geraram isso: depois do anúncio da redução de preço dos modelos de PS4, a Sony explicou também que deixou de produzir o console no Brasil desde 2017.
A Nintendo, responsável pela série de jogos de Mario, deixou suas produções no Brasil em 2015. Um grupo de produtores de conteúdo e desenvolvedores fez uma campanha para trazer a empresa japonesa de volta ao nosso país em julho deste ano.
Além da falta de incentivos para fabricações locais, o corte no IPI ainda é pouco se comparado aos diferentes tributos que elevam os custos do setor. Uma proposta de 2017 encaminhada ao Senado calculou uma carga tributária de 72% sobre os videogames, que são enquadrados, entre outras coisas, como “jogos de azar”.
O resultado irrisório da medida de Bolsonaro vai manter o acesso a esse produto cultural restrito a um grupo de pessoas com poder aquisitivo alto, que pode viajar ao exterior, ou que pode comprar tudo nessa faixa de preço, além do chamado “mercado cinza” que ronda o setor.
Esse mercado vem desde a ditadura militar. Com a reserva de mercado na área da tecnologia, os entusiastas dos jogos eletrônicos pirateavam os aparelhos para jogar. Nos anos 90 e 2000, a pirataria se alastrou no software e continua até hoje. Muitos dos consumidores adquirem os jogos em lojas que não pagam os devidos tributos ou exclusivamente pela compra digital, que geralmente é isenta de impostos.
Cortes em editais e no financiamento público
Para além do mercado consumidor, o setor de videogames também é formado por desenvolvedores que criam títulos em nosso país. Os jogos brasileiros custam entre R$ 10 até R$ 50 nas lojas eletrônicas, o que é um valor mais em conta se comparado aos títulos internacionais.
Esse mercado criativo existe desde 1980 e teve um boom de empresas desenvolvedoras desde pelo menos 2009. De acordo com o Segundo Censo dos Games divulgado pelo Ministério da Cultura, o mercado de jogos digitais tem um crescimento de quase 30% ao ano. Segundo esse levantamento, de 2016 para 2017 pulou de 754 para 956 o número de jogos eletrônicos produzidos no Brasil.
Isso coloca o Brasil como o 13º país com maior mercado consumidor de games. O país também tem mais de um smartphone ativo por habitante. Esse dado de volume supera 306 milhões de aparelhos, e é da Fundação Getúlio Vargas em 2018.
Entre 2014 a 2018, as empresas desenvolvedoras foram de 142 a 375, comparando os dois censos. Títulos como “Horizon Chase”, “Dandara” e a série “Knights of Pen and Paper” ganharam prêmios dentro e fora do nosso país. “Celeste”, que não é um game brasileiro, teve participação de desenvolvedores nacionais e foi considerado o melhor título independente do ano passado do The Game Awards – o “Oscar dos games” que ocorre em Los Angeles.
Entre todos esses dados, do Segundo Censo de 2018 e outros rankings, está o financiamento público do governo. O pesquisador e professor Pedro Santoro Zambon, que faz doutorado na Unesp, informou ao site Geração Gamer que o BNDES é um exemplo de órgão público voltado para políticas públicas e jogos.
A entidade, junto com a SPCine, Ancine e outros fundos de fomento, já fizeram investimentos de até R$ 2,5 milhões nas empresas de games. A maioria delas são pequenas e médias, além de não ultrapassar 10 funcionários.
Zambon acrescenta algumas informações: “nas minhas pesquisas, identifiquei que em nenhum país que iniciou um ciclo de desenvolvimento no setor, isso ocorreu sem investimento público em iniciativas de fomento. Em experiências bem sucedidas como Canadá, Finlândia, França, Reino Unido e até mesmo nos Estados Unidos, incentivos fiscais e editais de estímulo foram base de um desenvolvimento setorial que hoje já retornou em PIB, emprego, renda e recolhimento de impostos, várias vezes o valor investido pelo Estado”.
Outras startups são apenas MEIs, formadas por um único desenvolvedor que programa, faz o design e lança o jogo no mercado. Com ferramentas digitais mais baratas, os criadores gastam menos recursos em suas criações, mas pecam pela falta de maior planejamento estratégico de divulgação e vendas desses produtos.
Ou seja, é um ecossistema que recebeu dinheiro público e que precisa de uma infraestrutura mais moderna, incluindo cursos de capacitação e pesquisas universitárias. Ele estava crescendo na maior recessão econômica pós-ditadura no Brasil.
O governo Bolsonaro, no entanto, já está recusando pagar o reembolso milionário de filmes e anunciou a censura de produções audiovisuais em uma live de Facebook. Esse mesmo presidente cogitou transferir a sede da Ancine do Rio de Janeiro para Brasília ou mesmo extinguir a entidade de fomento cultural.
Então, se por um lado o presidente diminui de forma quase irrisória os impostos, ele ao mesmo tempo pode desmontar uma produção que estava começando a aparecer no Brasil.
O que dizem os especialistas?
Para entender tanto sobre a redução de impostos quanto sobre a situação de quem consome quanto quem faz games no Brasil, o DCM foi ouvir professores e especialistas na área.
“Do ponto de vista do consumidor qualquer redução de preço [nos consoles] é bem-vinda, embora no meu entendimento não será um fator que resultará em um crescimento significativo no consumo. Merece uma atenção nos próximos meses”, explica o professor e coordenador de cursos de jogos Alan Carvalho, da Fatec e da Faculdade Impacta. Para ele, mexer nos impostos ainda não tira a importância de se fortalecer uma indústria nacional, uma produção que pode ser competitiva em escala global.
“Não vejo relação direta entre a redução de impostos e os incentivos de editais. Imposto mais baixo beneficia venda de consoles e não necessariamente afeta a produção local. No entanto, nos Estados Unidos, na Coreia do Sul e no Canadá, cultura criativa, economia criativa, é política de Estado”, diz o professor, pesquisador e palestrante Francisco Tupy, considerado o Primeiro “Mentor Global de Minecraft”, ao DCM.
A Abragames, Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Jogos Digitais, que existe desde 2004, se manifestou em nota pública sobre a redução do imposto. Ela é a maior representante das empresas desenvolvedoras nacionais, que ainda significam menos de 1% do consumo no Brasil.
“De maneira geral, o aceno do governo para a indústria de games parece demonstrar interesse em fomentar o crescimento da indústria brasileira nesse setor e podemos aproveitar esse momento para o crescimento da participação na receita global dessa indústria. Os números da indústria global são expressivos”, explica a entidade. E completa: “O momento é oportuno para a discussão também sobre outras formas possíveis de promover o fortalecimento do setor produtivo nacional de games, com objetivo de gerar mais emprego, aumentar os números de exportação e promover a criação de novas propriedades intelectuais nacionais no Brasil e no mundo”.
Nem sempre Bolsonaro foi tão favorável assim aos games
Uma reportagem do El País publicada assim que Bolsonaro deu sinais de que tentaria agradar o mercado gamer chamou a atitude do presidente de uma “jogada” para “estreitar laços com outras tribos virtuais capazes mobilizar uma legião de aficionados” na internet. Ou seja, chamou de oportunismo.
E ele nem sempre quis agradar esse público.
Em 2013, quando ainda era deputado federal, Jair Bolsonaro se referia a videogames como “um crime”, por considerar jogos violentos uma “ameaça à juventude”. “Tem que coibir o máximo possível. A molecada não aprende nada”, disse no programa Mulheres, da TV Gazeta. A fala foi recuperada pelo então site UOL Jogos, que virou alvo de Bolsonaro nas redes um ano antes de sua eleição.
No mês de março de 2019, o deputado Júnior Bozzella, do PSL, protocolou um projeto de lei que criminaliza o desenvolvimento e o comércio de jogos violentos, que acabaram excluídos da proposta de regulamentação no Senado. A proposta tentou, na surdina, tramitar embutida em outro projeto sobre “difusão de violência” que existe há 10 anos na Câmara. Não foi aprovada até o momento.
Na ocasião, Bozella disse que fez essa PL depois de receber depoimentos de pais e mães afetados pelo atentado em uma escola pública em Suzano. Os jovens disseram que foram influenciados por jogos digitais ao atirar em estudantes no interior de São Paulo. Uma audiência pública foi convocada em São Paulo por colegas de partido descontentes com o deputado.
O vice-presidente Hamilton Mourão também culpou a “apologia à violência” dos jogos no caso das mortes em Suzano.
Se, por um lado, o Bolsonaro de fato abaixou imposto de aparelhos, representantes partido e do seu governo não parecem ter qualquer preocupação com games de acordo com declarações recentes.
Bolsonaro está querendo apenas conter a ruína de sua popularidade.
Não será tão simples assim.