“Bolsonaro quer espoliar os índios da Amazônia”, destaca o Le Figaro

Atualizado em 11 de fevereiro de 2020 às 15:27

PUBLICADO NA RFI

O jornal francês Le Figaro desta terça-feira (11) publica uma grande matéria intitulada “Bolsonaro à l’assaut des Indiens d’Amazonie”, ou “Bolsonaro quer espoliar os índios da Amazônia”. O subtítulo explica que o presidente brasileiro quer explorar a imensa floresta do país e propõe que os índios se integrem melhor à sociedade. A matéria é ilustrada com uma grande foto de um yanomami visitando, ao lado de agentes do Ibama, uma área devastada por uma mina ilegal no Estado do Roraima.

Os índios da Amazônia vão perder suas terras e sua alma? questiona o texto. A ameaça é real depois da série de medidas adotadas nos últimos dias pelo governo Bolsonaro, acredita o correspondente do jornal conservador no Brasil, Michel Leclerq.

O medo das populações indígenas é alimentado principalmente por dois motivos. O primeiro é o projeto de lei, apresentado na semana passada, que autoriza a exploração econômica em grandes áreas da floresta tropical, que será aberta a investimentos nos setores de mineração, petróleo, agronegócio, turismo ou para a construção de barragens. O segundo motivo de intimidação, segundo a matéria, é a nomeação de um ex-missionário evangélico, Ricardo Lopes Dias, para a chefiar a coordenação-geral de proteção a índios isolados da Funai.

Constituição garantiu direito a terras ancestrais

A reportagem lembra que a exploração da maior floresta tropical do mundo começou desde a chegada dos portugueses ao Brasil no século 16, mas ganhou um impulso decisivo a partir da Ditadura Militar brasileira, nos anos 1970. Com a volta dos civis ao poder, a Constituição de 1988 garantiu aos povos indígenas a posse de suas terras ancestrais que equivalem a 12% do território nacional, isto é, mais de um 1 milhão de km², informa o correspondente.

Antes de chegar ao poder, Jair Bolsonaro afirmou que os índios viviam nas reservas “como animais em zoológicos” e que hoje “eles mudaram, são seres humanos como nós e devem ser integrados”, cita o diário. A reportagem indica que algumas tribos não são insensíveis a esse discurso devido às compensações financeiras previstas no projeto de lei em troca da exploração de suas terras. Mas a grande maioria rejeita categoricamente esses projetos.

“O sangue que corre em nossas veias é impregnado de nossas lutas e resistências. Não aceitaremos esse pesadelo” previne, em declaração ao Le Figaro, a líder indígena Sônia Guajajara, coordenadora da Aliança dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Ameaça aos índios isolados

O projeto de assimilação forçada ameaça os grandes povos da floresta, mas também os pequenos grupos vulneráveis de índios que vivem isolados, sem nenhum contato com o mundo exterior. A Funai calcula que o país possui 114 desses grupos.

O novo coordenador-geral de proteção a índios isolados da Funai integrou a Missão Novas Tribos, de origem americana, que é acusada de ter dizimado o povo Zo’é. Mesmo se Ricardo Lopes Dias tenha garantido que não vai tentar evangelizar essas populações, o conjunto dos organismos indígenas rejeitou sua nomeação, informa o texto.

O padre Patricio Brennan, que atua na Amazônia há quarenta anos, entrevistado pelo Le Figaro, considera a situação uma “tragédia”. Segundo ele, essa visão do governo é “retrógrada e não respeita a cultura, as tradições e as crenças desses povos, que têm o direito de ficar isolados”.