Bolsonaro quer separar a imagem dele da do PSL, diz cientista político. Por Pedro Zambarda

Atualizado em 15 de outubro de 2019 às 10:38
Bolsonaro e Luciano Bivar, presidente do PSL, antes da eclosão do laranjal do partido (Reprodução/Facebook)

Entrevista publicada originalmente em 13 de outubro de 2019.

Estamos republicando por conta da notícia “PF faz buscas na casa de Bivar em investigação sobre laranjas do PSL“. 

Cientista político, autor dos best-sellers A cabeça do brasileiro, A cabeça do eleitor e O voto do brasileiro, Alberto Carlos Almeida é sócio da Brasilis e do Inteligov.

Ele faz alguns programas especiais e participa de lives no DCM TV.

O DCM o entrevistou sobre o conflito entre Bolsonaro e o PSL, o que pode acontecer no campo da direita com Huck e Doria, além da organização da esquerda neste cenário.

Diário do Centro do Mundo: Esquerda vence em Portugal. Trump pode sofrer impeachment. Macri tem tudo para perder na Argentina. A extrema direita que ajudou a eleger Bolsonaro no mundo está perdendo força?

Alberto Carlos Almeida: Acredito que as vitórias nacionais são locais e é difícil enxergar isso no agregado. No ano passado, a esquerda venceu no México com folga e, logo em seguida, no Brasil venceu a extrema direita. Na Argentina, vai ganhar a esquerda. Quer dizer, isso tem mais a ver com a dinâmica local de cada país.

O fenômeno de Portugal é muito específico. O PS é socialista no nome, mas sempre foi um partido muito conservador. Em 2015 eles estavam em uma aliança de direita. Como essa aliança não foi mais possível, ele então fez aproximações à esquerda.

PS português foi fiador de uma aliança de centro-direita antes e, agora, é fiador da aliança de centro-esquerda.

O Bolsonaro é um fenômeno muito doméstico, muito do Brasil. Sem Lava Jato, não existiria Bolsonaro. Sem a crise econômica do governo Dilma, que teve uma reeleição que bateu na trave, não teria Bolsonaro. Foi uma soma de crise e Lava Jato. Sem isso, Bolsonaro não teria vencido no Brasil. A própria alternância no poder tem influência nisso.

O que notamos em todos os casos são maiorias muito estreitas e resultados eleitorais muito apertados. A Inglaterra, que nunca teve esse problema, passou a ter agora. Itália já é um caso diferente e sempre foi assim. Na Espanha, temos uma divisão à esquerda entre PL e Podemos, além do PSOE.

DCM: E Trump?

ACA: No caso norte-americano, ainda está precoce o que está acontecendo. Trump pode sofrer impeachment na Câmara, mas pra sofrer no Senado ele ainda precisa de 19 senadores republicanos. Isso é muito difícil.

O senador republicado é eleito num estado americano que é republicano. Ele vai puni-lo se ele for contra Trump. Se ele votar a favor de um impeachment de um presidente republicano. Acho muito improvável um impeachment de Trump.

É improvável, mas não impossível.

O que é importante para os EUA foi a eleição do ano passado para a Câmara. Democratas assumiram uma maioria muito folgada. É a desaprovação do governo Trump.

DCM: O bolsonarismo é maior que o Bolsonaro? Por isso ele quer sair do partido?

ACA: Eu não tenho total certeza se Bolsonaro de fato quer sair do partido. O que eu tenho total certeza é que ele quer separar a imagem dele da do partido. Na hora que a legenda é atacada, são levantadas suspeitas fortes de corrupção no partido, Bolsonaro diz que quer sair e pede uma auditoria. Ele tá sinalizando para o eleitor dele que ele não tem nada a ver com a corrupção da legenda. É uma queda de braço interna, em primeiro lugar.

A rota de saída nesse caso é difícil. Bolsonaro terá muita dificuldade de levar os apoiadores que tem mandato eleitoral. Hoje em dia, se alguém sai do partido, você se muda, mas não leva a mudança.

Imagina essa analogia na vida real: você se muda e não leva a mudança.

Mudar de cidade, de estado, e não levar nada que está na sua casa. Essa é toda a dificuldade que Bolsonaro teria. E ele sabe disso. Alguém certamente já mostrou isso pra ele. O presidente entraria em outro partido com as relações por lá já estabelecidas. Num DEM da vida, Bolsonaro seria um estranho no ninho. No PSL ele não é. Vamos ver os próximos capítulos.

As piores avaliações de presidentes foi em torno de 10% entre ótimo e bom, como Temer e Dilma tiveram. Fernando Henrique chegou a ter isso depois da desvalorização cambial. Bolsonaro ainda consegue manter uns 20% com esse discurso beligerante. De extrema direita. O tamanho mínimo dele é 20%.

DCM: Se o bolsonarismo perder força, a direita pode readequar seu projeto num candidato Doria ou Huck?

ACA: Quem está no poder tem mais facilidade para ter uma reeleição. Em qualquer lugar do mundo é assim. Bolsonaro tem muita vantagem no campo da direita. Muito difícil ainda que Doria consiga tirar esses votos do Bolsonaro. Difícil que Huck consiga isso também. Bolsonaro está no poder com a economia muito ruim em suas mãos. Isso pode beneficiá-lo ainda.

Como? Se a economia melhorar um pouquinho, parte da população pode ter uma esperança muito grande nele. Isso fará com que a aprovação dele não caia.

Caso o Brasil cresça nos dois últimos anos de Bolsonaro 1%, ele consegue manter seu eleitorado, impedindo Doria ou Huck de entrar nisso.

DCM: A esquerda vai demorar muito para se reorganizar? Qual sua avaliação?

ACA: Não vejo muito a esquerda se reorganizando. A esquerda é organizada. O PT é o principal ator da esquerda e vimos isso no caso dos Conselhos Tutelares. A mobilização aconteceu com rapidez. Os representantes de esquerda foram votados com facilidade. Essa situação passou a ter visibilidade por causa dos evangélicos.

Eu vejo essa questão como a esquerda organizada sim. Ela tem menos recursos, incluindo essa nova legislação com os sindicatos.

Avaliaria essa questão de outra maneira: quanto tempo a esquerda “vai ficar de castigo?”.

Na Espanha o PSOE saiu disso. Ficou 10 anos sem ser o mais votado. E agora foi o mais votado. Isso vai variar de país para país. No caso do Trump, existe uma esperança de que ele perca para o Partido Democrata. Daí os democratas terão ficado quatro anos de castigo.

Por isso, digo: o “castigo da esquerda” vai depender do desempenho do governo Bolsonaro. Se for mal avaliado, vai acontecer da esquerda voltar. Se ele passar desse nível, Bolsonaro ainda pode ser reeleito.

Na política tem coisas que estão sob controle e outras que não estão. A esquerda pode dificultar a vida do governo, mas tem variáveis que não serão mexidas.

Se ele for muito mal, dai volta.