POR VINÍCIUS SEGALLA e GUSTAVO ARANDA
O deputado federal e candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL) condicionou seu voto na Câmara contra a aposentadoria especial para parlamentares após oito anos de serviço à contrapartida de indicar diretores para empresas estatais ou liberação de verbas para suas emendas orçamentárias.
O episódio ocorreu quando o ex-capitão do Exército exercia seu segundo mandato de deputado. O ano era 1996, a Bolsonaro faltavam apenas dois para que se aposentasse como deputado federal, quando passaria a acumular este benefício àquele que já recebia e ainda recebe das Forças Armadas.
Assim, quando teve ameaçado o que já considerava seu “direito adquirido” (se aposentar na Câmara após oito anos de trabalho), assim reagiu o presidenciável: “Só voto (pelo fim da aposentadoria especial) se me ajudarem a liberar recursos no Orçamento ou se puder indicar diretor de estatais”.
No dia 16 de fevereiro de 1996, o jornal Folha de S.Paulo publicou as declarações do deputado carioca. Leia trecho da reportagem:
“‘A massa dos parlamentares vai impedir essa manobra’, desafiou o deputado, que defendia a manutenção do benefício. Bolsonaro já recebe uma aposentadoria de R$ 1.300 do Exército desde 1988, quando deixou o posto de capitão para disputar a eleição para o Congresso. ‘Isso não dá para sustentar a família’, argumenta o deputado.”
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Ao final do caso, que ganhou dimensões de escândalo nacional, o privilégio dos parlamentares foi extinto, em 1999. Bolsonaro votou contra.
Entenda o episódio
Em fevereiro de 1996, o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso engendrava um de seus maiores esforços de articulação política para aprovar no Congresso Nacional sua proposta de Reforma da Previdência.
No projeto final apresentado para votação na Câmara dos Deputados, relatado pelo então deputado Euler Ribeiro (PMDB-AM), constava um artigo que permitiria extinguir o Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), regime por meio do qual os deputados e senadores se aposentavam após oito anos de mandato, em evidente contraste à grande maioria da população brasileira, que tinha que trabalhar 30 anos (mulheres) ou 35 anos (homens) para ter direito aos benefícios previdenciários.
Às vésperas da votação da proposta de reforma na Câmara, um grupo de deputados se insurgiu contra o fim iminente do privilégio. O então deputado Nilson Gibson (PSB-PE) circulou um requerimento entre os colegas para suprimir do texto final da reforma o artigo que poderia colocar fim à aposentadoria após oito anos de trabalho dos parlamentares. Rapidamente, Gibson amealhou 223 assinaturas de colegas deputados que não desejavam abrir mão da aposentadoria especial.
A Folha de S.Paulo teve acesso à lista dos congressistas que estavam em luta por seus privilégios. No dia 16 de fevereiro de 1996, o periódico publicou em suas páginas a lista completa. Está aqui. Ao lado dos nomes dos parlamentares, o jornal divulgou os telefones de seus gabinetes, o que levou ao congestionamento do sistema telefônico da Câmara. Em editorial, chamou de “infame” a iniciativa dos congressistas.
A “banana” de Boris Casoy
O episódio tomou proporção de escândalo nacional. O jornalista Boris Casoy, então apresentador do telejornal TJ Brasil, do SBT, comentou o caso e foi além do seu tradicional bordão (Isto é uma Vergonha!): cruzando os braços com o punho cerrado, mandou uma “banana” aos parlamentares que formavam trincheira em defesa do privilégio.
A iniciativa pegou tão mal que a maioria dos deputados que assinou a lista de Nilson Gibson (que prometeu processar Boris Casoy pelo “enorme desrespeito” à Câmara dos Deputados) voltou atrás nos dias seguintes. Os parlamentares passaram a dizer que tinham se confundido, que Nilson Gibson os tinha induzido a erro, que não sabiam que estavam assinando um requerimento pela manutenção de um privilégio. Algumas semanas depois, o próprio deputado Nilson Gibson retirou sua iniciativa de pauta, e o Instituto de Previdência dos Congressistas terminou por ser extinto no ano seguinte.
Um deputado, porém, defendeu até o fim que o privilégio fosse mantido: Jair Bolsonaro (então no PPB-RJ). Defendeu da forma descrita acima e publicada à época pela Folha, dizendo que tinha família para criar, que só votaria contra o privilégio se em troca pudesse nomear correligionários em estatais, afirmando que só a aposentadoria do Exército, que já recebia desde então, acumulando com o salário de deputado na ativa, como de resto faz até hoje, não seria suficiente para sustentar seus filhos e sua velhice quando chegasse o inverno da vida.
Então, tá.