Bolsonaro repete lema da ditadura portuguesa ao receber coração de Dom Pedro I

Atualizado em 25 de agosto de 2022 às 13:55
Jair Bolsonaro e Michelle Bolsonaro durante cerimônia para receber o coração de D. Pedro I
Foto: EVARISTO SA / AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PL) repetiu o lema “Deus, pátria e família” ao receber o coração de D. Pedro I em cerimônia no Palácio do Planalto na última terça-feira (23). O termo foi lema da ditadura do Estado Novo em Portugal.

“Dois países, unidos pela História, ligados pelo coração. Duzentos anos de independência. Pela frente, uma eternidade em liberdade. Deus, pátria e família. Viva Portugal, viva o Brasil” declarou o presidente no evento.

O Estado Novo português, iniciado em 1933, foi um período marcado por 36 anos de comando do ditador António Salazar. Foi a época repressiva mais longa da Europa e durou 41 anos (48 anos se contar desde o golpe militar de 1926). O regime teve fim em 25 de Abril de 1974 com a Revolução dos Cravos.

Apesar de o presidente já ter dito a frase outras vezes como parte da estratégia de campanha, essa foi a primeira vez em que especialistas portugueses e a imprensa de Portugal notaram ou citaram a referência ao Estado Novo.

Lema “Deus, Pátria e Família” aparece em cartaz da ditadura portuguesa

Ao jornal O Globo, especialistas se disseram surpresos com o discurso de Bolsonaro e lembraram que o termo também foi usado por outros regimes autoritários.

A historiadora portuguesa Irene Flunser Pimentel lembra que o lema surgiu em discurso de Salazar em Braga, em 1936.

“Bolsonaro foi buscar a frase de Salazar, lema da ditadura portuguesa. Nem o Marcello Caetano, que substituiu o ditador, disse tal coisa. Se Bolsonaro repete o lema, é porque deseja que haja ditadura”, afirmou Pimentel.

O cientista político António Costa Pinto lembra que o lema foi usado por regimes autoritários europeus entre as Guerras Mundiais.

“Bolsonaro pode ter lido alguns integralistas brasileiros, como Plínio Salgado. Mas a frase significa reafirmar valores autoritários de Salazar. Mas também, no caso do Brasil, para reafirmar valores autoritários que marcam a presidência e o passado político de Bolsonaro”, disse.

“O que interessa para Bolsonaro é falar de Deus, pátria e família, um discurso conservador na sociedade contemporânea. Fico surpreso porque D. Pedro foi um liberal. Para consumo brasileiro, o coração virou um símbolo nacionalista”, acrescenta Pinto.

Para a professora da Universidade de Lisboa e cientista política, Isabel David, é uma tentativa de adequação da imagem de D. Pedro aos propósitos do discurso.

“Bolsonaro vai buscar quem é fundador do Brasil. Ao mesmo tempo, usa o lema da ditadura portuguesa e associa as duas coisas. Típico populismo de direita, que reinventa fatos e personagens e os transforma para adequar à ideologia”, afirmou.

“Nesta fase crítica da campanha, dá a ideia de que é a continuação da tradição de D. Pedro. Se apropria da imagem, invoca o tradicionalismo para se legitimar como continuador de D. Pedro, aquele que vai conduzir o Brasil a bom porto”, concluiu.