“Bolsonaro é responsável por mortes de Bruno e Dom”, diz eurodeputado ao DCM

Atualizado em 18 de junho de 2022 às 20:03
Francisco Guerreiro
Francisco, eurodeputado português. Foto: arquivo pessoal

“Eu deveria dizer que me choca, mas infelizmente não”, diz Francisco Guerreiro, eurodeputado português, em entrevista ao DCM sobre a morte de Bruno Pereira e Dom Phillips.

A normalização da violência na Amazônia parece ter ganhado força internacionalmente desde a posse de Bolsonaro. “Não choca não porque não é chocante, mas porque tem sido constante e contado com a permissividade do governo federal.”

Para o eurodeputado ecologista, o bioma brasileiro vive um cenário de guerra. De um lado, os defensores do meio ambiente e, do outro, o mundo do tráfico, da pecuária e do governo federal. Uma guerra que tem como consequências a destruição da democracia brasileira.

“Mais uma vez, parece-me que o que o presidente Bolsonaro faz não é reforçar a democracia, torná-la mais transparente, mas o contrário: garantir um regime pré-ditatorial, onde aquele que quer investigar e inquirir tenha seu trabalho dificultado.”

No plano internacional, as repercussões são as piores possíveis. “No Parlamento Europeu, mais uma vez a projeção do Brasil é afetada. Jair Bolsonaro, parece que faz de tudo para minar a credibilidade do Brasil”.

DCM: Qual sua reação aos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips?

Francisco Guerreiro: Eu deveria dizer que me choca, mas infelizmente não. É um acontecimento muito triste para as famílias, para a comunidade de ONGs, de organizações que defendem a liberdade de imprensa, que defendem a preservação dos ecossistemas, que defendem uma democracia responsável, que protege todos eles.

Não surpreende porque tem havido nas últimas décadas, sobretudo nos últimos anos, ataques sistemáticos contra lideranças indígenas, jornalistas e quem faz o seu trabalho de expor a guerra civil que ocorre nessas regiões.

Nessa guerra, há grupos de pessoas ligadas ao narcotráfico, ao tráfico de minérios, ligado ao tráfico de madeiras, o que está ligado a uma parte do setor da pecuária, está ligado a parte do setor da pecuária, que continua tendo carta branca para poder intimidar, assassinar as pessoas que realmente se preocupam em reportar essa guerra, com a complacência do governo federal.

O que é noticiado é que nas últimas décadas, com um fosso nos últimos anos, tem havido uma validação dessas atitudes genocidas contra a comunidade indígena e o jornalismo. É uma situação muito triste, mas que infelizmente não choca ninguém porque tem sido cada vez mais comum.

Não choca não porque não é chocante, mas porque tem sido constante e contado com a permissividade do governo federal.

Muitas pessoas no Brasil veem a política do presidente Bolsonaro como a responsável pela morte de Bruno e Dom. O senhor concorda com elas?

Sim. De modo direto, o governo Bolsonaro tem sido o responsável. Não tem havido um ataque às indústrias madeireiras ilegais, aos minérios ilegais. Não tem havido uma força por parte do presidente Bolsonaro em garantir às comunidades indígenas o direito à terra ancestral. Não há uma política de proteção ambiental. Também há outros biomas que não estão protegidos.

A indústria pecuária continua se expandindo, com facilidade, com a permissão do governo federal e o reforço de algumas bancadas, como a ruralista, que é claramente uma bancada que não se preocupa com o meio ambiente, não se preocupa com direitos humanos e olha para o dinheiro como seu único objetivo.

Esse tipo de desenvolvimento não beneficia as comunidades. Só beneficia a um pequeno número de pessoas, os proprietários (de terras), pessoas que operam nessas redes, muitas vezes clandestinas, que tem ligações políticas mas não com os cidadãos comuns, ou seja, quem trabalha, quem quer realmente ter um país próspero, que se desenvolva de modo sustentável.

Segundo dados de muitas instituições internacionais, mesmo dentro do Parlamento Europeu, entende-se que o governo federal tem sido cúmplice desse tipo de política. Não se tem defendido jornalistas, ONGs, comunidades indígenas. Jair Bolsonaro é também responsável por essas mortes. Nas próximas eleições, as pessoas devem protestar contra isso.

Francisco Guerreiro e representantes da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Observatório do Clima (OC) em reunião realizada nesta semana no Parlamento Europeu. Foto: arquivo/Francisco Guerreiro

O presidente Bolsonaro disse que Dom e Bruno se “aventuraram” num lugar “perigoso”, o que muitas pessoas interpretaram como uma culpabilização das vítimas. O que o senhor pensa da gestão do caso pelo presidente Jair Bolsonaro?

Tem sido errática, imprópria para um país democrático, e completamente desconectada da realidade. A responsabilidade do jornalista é de reportar os eventos. A liberdade de imprensa e a liberdade de expressão devem ser dois pilares de uma democracia.

Culpabilizar o jornalista e quem está ao seu ao seu lado para cobrir essas matérias é completamente irresponsável e imoral. A responsabilidade do Estado é garantir a todos os jornalistas, por mais incômodos que sejam, tenham a liberdade de exercer sua função.

Se essa responsabilidade não for garantida, a responsabilidade é das instituições democráticas, principalmente do presidente que responde por elas.

A responsabilização das ONGs e jornalistas é mais uma vez minar a democracia em si. Criticar quem faz o seu trabalho é criticar o sistema democrático. Mais uma vez, parece-me que o que o presidente Bolsonaro faz não é reforçar a democracia, torná-la mais transparente, mas o contrário: garantir um regime pré-ditatorial, onde aquele que quer investigar e inquirir tenha seu trabalho dificultado.

Qual a repercussão do caso em Portugal e na Europa?

Em Portugal, tem sido reportado. As relações bilaterais continuam abertas. Mas desde a eleição de Bolsonaro não tem havido progresso significativo nas relações bilaterais.

No Parlamento Europeu, onde vamos ter uma discussão sobre este tema, mais uma vez a projeção do Brasil é afetada. Jair Bolsonaro, parece que faz de tudo para minar a credibilidade do Brasil num futuro próximo.

Esta ideia de que o Brasil consegue se projetar no mundo sozinho, sem o apoio das democracias liberais, sem o apoio da União Europeia, dos Estados Unidos, é uma ideia completamente obsoleta.

O que o Brasil deveria estar fazendo é ter um papel de liderança no plano internacional em questões como transição social e transição ecológica. Garantir a preservação dos biomas é um triunfo na diplomacia internacional.

Mas o que o presidente e as pessoas que rodeiam a elite econômica e financeira do Brasil fazem é exatamente o contrário. É minar as possibilidades do Brasil se tornar uma potência mundial com a preservação das comunidades indígenas, a preservação dos biomas, a capacidade de apresentar um novo modelo de desenvolvimento econômico e social, e que seja não só um ator regional da América do Sul mas um ator internacional. Jair Bolsonaro parece fazer de tudo para minar o papel que o Brasil poderia ter e que não tem atualmente.

Devemos esperar alguma medida concreta do governo português ou da União Europeia contra a política ambiental do Brasil?

Não. O que temos visto é que o acordo com os países do Mercosul continua congelado porque não há avanços significativos nas garantias de que esse acordo realmente proteja os ecossistemas, principalmente a Amazônia, e que saibamos de onde os produtos vêm. Internacionalmente, tudo está à espera das eleições de outubro.

Espera-se uma ação forte do Parlamento Europeu e das instituições europeias para combinar mais ações políticas do Brasil para a proteção das comunidades indígenas e dos ecossistemas.

O senhor está dizendo que a União Europeia não critica suficientemente a política ambiental do Brasil?

Não. Tudo bem com os países do Mercosul continua congelado, mas uma posição de firmeza quando sabemos que a pecuária continua se expandindo em territórios amazônicos, que comunidades tribais indígenas continuam sendo assassinadas, que o jornalismo continua sendo perseguido, que existe uma campanha difamatória contra muitas pessoas envolvidas em ONGs e da sociedade que querem uma democracia mais participativa, aberta, que existe um forte narcotráfico. Não existe um combate à corrupção. Existe uma ideia de que o Estado opera apenas para uma pequena elite de empresários.

Infelizmente, ainda não existe por parte da Comissão Europeia essa voz gritante contra este tipo de regime. Claramente também não existe uma voz de apoio.

Há uma grande expectativa em saber quem será o presidente no próximo mês de outubro. Esperamos que seja alguém democrático, capaz de trazer o Brasil para uma mesa de negociações, que consiga caminhar para o reforço de uma cooperação internacional, algo que Jair Bolsonaro, no seu primeiro mandato, não fez. O Brasil ficou ainda mais isolado e terá ainda mais problemas de inflação.

Não sei se poderá haver uma possibilidade de golpe de Estado por parte dos militares. Esperamos que não, mas parece estar em cima da mesa.

Vocês ou o senhor espera alguém em específico para ganhar as eleições brasileiras em outubro?

Se eu fosse brasileiro, eu votaria no Ciro Gomes no primeiro turno. Acho que é o único candidato capaz de falar de um novo modelo de desenvolvimento para o país, que tem abertura para fazê-lo, que tem a ficha limpa e que, no fundo, é honesto o suficiente para dizer que temos de ultrapassar esse modelo de poder atual e falar dos problemas sociais do Brasil.

Num cenário em que Lula vai para o segundo turno, eu obviamente votaria contra o Bolsonaro. Numa luta contra o modelo ditatorial, eu votaria em qualquer candidato que não fosse Bolsonaro.

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