Bolsonaro se escora na lei para justificar as intervenções nas universidades. Por Luis Felipe Miguel

Atualizado em 14 de outubro de 2019 às 11:07
Jair Bolsonaro. Foto: ludovic MARIN / AFP

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POR LUIS FELIPE MIGUEL

A lei nº 9.125/1995 determina que o reitor e seu vice “serão nomeados pelo Presidente da República e escolhidos entre professores dos dois níveis mais elevados da carreira ou que possuam título de doutor, cujos nomes figurem em listas tríplices organizadas pelo respectivo colegiado máximo”.

Ou seja: (1) a lei não obriga a escolha do preferido pela comunidade acadêmica; (2) pode haver consulta eleitoral, mas formalmente a definição da lista cabe ao conselho universitário ou órgão similar.

Fernando Henrique, quando presidente, chegou a nomear reitores que não haviam vencido as consultas internas – o caso mais rumoroso foi o da UFRJ, em 1998. Mas os governos petistas nunca abandonaram a praxe de nomear sempre o primeiro colocado, algo natural para um país que, acreditávamos, construía sua democracia e se curvava a princípios republicanos.

Mas os governos do PT não acharam necessário mudar a lei.

Depois do golpe, Temer namorou a ideia de desrespeitar as eleições universitárias. Em várias instituições, a nomeação dos novos reitores foi adiada ao limite, gerando tensões e alimentando boatos. Mas acabaram sendo sempre nomeados os mais votados.

Isso mudou com o atual governo. Há interventores em várias universidades – pessoas claramente rejeitadas pela comunidade. Ganharam o cargo exclusivamente pelo alinhamento com as teses obscurantistas ora no poder.

O nomeado para a UFC, por exemplo, mal alcançou 5% dos votos na consulta (o professor Custódio Almeida, que seria o legítimo reitor, obteve 65% dos votos).

São anti-reitores. Evidentemente terão pouca condição de administrar suas universidades, que se tornaram campo conflagrado. Teme-se que seu objetivo seja, de fato, praticar o desmonte do ensino superior proposto pelo governo e perseguir estudantes, professores e funcionários com posições democratas.

Mas é necessário atentar para o segundo item que destaquei da lei: a lista não sai diretamente da consulta, mas é elaborada pelo conselho universitário ou órgão similar

Na UFPE, isso permitiu que a lei fosse usada de maneira a garantir o respeito à vontade da comunidade universitária.

Houve a votação. Mas o conselho da universidade, responsável legal pela elaboração da lista tríplice, nela não incluiu os candidatos derrotados.

A lista foi composta pelo vencedor e por outros dois nomes que, imagino, foram sugeridos por ele.

Aquele grupinho de docentes ressentidos decidiu impugnar a lista, acusando-a de fraudada. Escolheram um coronel da PM (???) para representá-los e denunciaram a UFPE junto ao Ministério Público e ao MEC.

Pediam expressamente uma intervenção na universidade.

No entanto, a lei estava sendo cumprida.

Num regime democrático, a nomeação do mais bem votado deve ser regra de aplicação quase automática. A possibilidade de nomeação de outros nomes da lista tríplice teria que ser entendida como uma salvaguarda a ser usada em circunstâncias excepcionais – por exemplo, uma universidade controlada por milícias ou indícios fortes de abuso do poder econômico nas eleições internas.

Ao fazer uso político-partidário desta prerrogativa, o governo age formalmente dentro da lei, mas viola seu espírito. O estratagema da UFPE foi no sentido contrário: foi ao limite da letra da lei para garantir que, nas condições adversas que enfrentamos, seu objetivo, o respeito à autonomia universitária, estivesse garantido.

Na última quinta, o professor Alfredo Gomes – o legítimo vencedor da eleição – foi nomeado reitor da UFPE. Os ressentidos e seu coronel ficaram a ver navios.

Se houvesse qualquer brecha para contestar o processo, certamente Weintraub a teria usado.

Esse desfecho mostra que há aí um caminho – dentro da lei vigente – para barrar a investida autoritária nas universidades.