“Bolsonaro se serve da democracia para corrompê-la”, diz político francês na inauguração do jardim Marielle Franco

Atualizado em 21 de setembro de 2019 às 18:59
Pierre Kanuty

Pierre Kanuty é um dos eleitos ao conselho regional de Ile de France, a região onde fica Paris. Presente na inauguração do jardim Marielle Franco, o socialista vê na homenagem uma tradição da capital francesa pelos combatentes da liberdade mundo afora.

O ato, na sua visão, é uma forma de mostrar a ilegitimidade do presidente Bolsonaro e de combater o fascismo que toma conta de mentes que ele descreve como “drogas” por uma mídia alienadora e por um desvio da religião. Nesta entrevista para o DCM, ele aponta no Brasil um novo tipo de fascismo e como um combate internacional pode ser formado.

O que significa a inauguração de um jardim de homenagem a Marielle Franco em Paris?

Marielle Franco era um símbolo do Brasil que nós amamos mas que não é o Brasil institucional que infelizmente detém o poder. Ela acumulava o que o regime atual não gosta; uma mulher, negra, mestiça, que escolheu sua liberdade sexual, que tinha uma fé num país muito crente, uma fé na igualdade, na liberdade, na democracia.

E na democracia, a igualdade só é atingida quando é para todo mundo. A bandeira do Brasil, “ordem e progresso”, é bem conhecida, mas não há ordem social e ordem justa sem progresso social e sem igualdade.

Em Paris, temos uma velha tradição de liberdade de base, de luta. E sempre acolheu, desde o século XIX, combatentes pela liberdade do mundo inteiro, sejam refugiados, estudantes… Então há uma ligação visceral, extremamente forte, à igualdade.

E com a globalização, vivemos de maneira muito pessoal os militantes de esquerda, progressistas, o golpe de estado no Brasil, como nós vivemos de maneira muito positiva as vitórias de Lula e Dilma. E para nós há uma ligação.

Quer dizer, para que Marielle não tenha morrido em vão e apoiemos seu combate, apoiando de maneira muito ativa as lutas no Brasil, refugiando companheiros aqui e aumentando a pressão internacional para a igualdade de direitos e pela libertação de prisioneiros políticos que são vítimas desse regime. Por isso fez-se esse jardim. Esse jardim é um lugar onde se plantam sementes, que produzem a vida.

Qual é o lugar de Paris em relação às forças políticas que governam o Brasil nesse momento; é a capital anti-Bolsonaro, como disse o jornal Le Monde ?

Seria bom se fosse a capital anti-Bolsonaro como ponto de convergência de todos os opositores políticos de Bolsonaro. Mas seria bom que não fosse apenas contra esse regime, que tenta restabelecer a ditadura dos anos 1960 e 1970, com algo novo, não é uma ditadura em uniforme, é um regime que desvia a religião, que é a nova ideologia do poder, atacando não somente minorias e os que são diferentes, mas atacando também a natureza, visto o que acontece na Amazônia…

Que se procure em Paris também uma unidade, construir uma alternativa forte ao que Bolsonaro representa.

Nós admiramos muito Lula e Dilma, o combate que eles fizeram. Eles demonstraram que era possível ter um outro Brasil, democrático, que fosse pelas minorias. Eu acho que é isso que uma parte da classe média e da burguesia branca e ocidental do Brasil não apreciou muito. Ela achou uma provocação.

E uma parte da nossa geração, que nasceu nos anos 1970, convivendo com refugiados argentinos, chilenos, quando vimos em manifestações alguns anos atras pessoas se manifestando pedindo a volta dos militares, todos brancos com panelas, compreendi que algo estava sendo tramado ali.

E é preciso dizer a verdade: uma das razões da vitória de Bolsonaro é que toda a esquerda, todos os progressistas, todos os apaixonados pela democracia não apoiaram o candidato no segundo turno que poderia tê-lo derrotado. Penso que isso também é uma lição.

Quando os progressistas, a esquerda, os que lutam pela liberdade, e que têm a mesma demanda se dividem, isso ajuda a direita e a extrema direita a ganhar.

O que significa haver em Paris um jardim em homenagem a Marielle Franco no momento em que Bolsonaro e seu governo dirigem ataques contra os representantes da França?

Nós queremos mostrar a Bolsonaro que ele é um presidente ilegítimo. Ele foi eleito democraticamente, evidentemente, mas hoje o fascismo, contrariamente aos anos 1960, não abate a democracia. Ele se serve da democracia para melhor corrompê-la, subvertê-la.

De uma certa maneira, Paris está em seu papel histórico, de capital da liberdade e da democracia. E para nós, é algo importante, porque hoje muitas pessoas são militantes nas redes sociais. E podemos dizer que teremos uma reputação nas redes sociais. Mas pessoas foram mortas por essa liberdade, por essa democracia. Então, a democracia jamais é algo conquistado.

E quando as pessoas estão dormindo, quando elas são drogadas por mídias que oferecem espetáculos, tele-realidade, o consumo fácil, o prazer fácil, essa população pode perder sua consciência social. E nós, os militantes, os eleitos, estamos aqui como para lembrar que nós mesmos podemos estar dormindo. Por isso estamos aqui.

Não queríamos que Marielle fosse um mártir, mas que triunfasse. Mas seu exemplo inspira a milhares de militantes anônimos, que colocaram suas vidas em perigo e que às vezes morreram para defender uma liberdade que é extremamente frágil.