Como Bolsonaro usou o filho Carlos para esmagar politicamente a própria mãe, Rogéria. Por Vinícius Segalla

Atualizado em 1 de setembro de 2021 às 9:55
Bolsonaro, Rogéria e os filhos Carlos, Eduardo e Flávio

Postado originalmente em outubro de 2018 e republicado à luz da demissão do ministro Gustavo Bebianno, desafeto de Carlos Bolsonaro

Rogéria Nantes Braga Bolsonaro, mãe dos parlamentares Carlos, Flávio e Eduardo Bolsonaro, acusou o pai de seus filhos, Jair Bolsonaro (PSL), de ter sido o mandante do espancamento de um assessor político e seu ex-colega de Exército, Gilberto Gonçalves, ocorrido em uma rua da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, no mês de setembro do ano 2000.

O motivo, de acordo com o depoimento de Rogéria, foi o fato de Gonçalves estar trabalhando, à época, como cabo eleitoral de sua candidatura à 2ª reeleição a vereadora do Rio. Quando o fato ocorreu, ela já não era mais esposa de Bolsonaro, e o ex-capitão do Exército tentava eleger para o seu lugar na Câmara o filho Carlos, então um estudante do ensino médio com 17 anos de idade.

Tudo isso consta em registros e depoimentos dados à Polícia Civil do Rio de Janeiro pela própria Rogéria Bolsonaro, que afirmou à imprensa na ocasião que seu ex-marido sofre de “desequilíbrio psicológico e mental” (veja abaixo).

Assim, Rogéria é a segunda ex-mulher de Jair Bolsonaro a lhe imputar atos de violência e instabilidade emocional. Conforme publicou a revista “Veja”, outra ex-esposa do candidato à Presidência pelo PSL, Ana Cristina Siqueira Valle, acusou o parlamentar não apenas de agressão, mas de ameaçá-la de morte, ao ponto dela fugir do país para escapar do ex-marido.

“Ele colocou o filho contra a própria mãe”

No ano 2000, Rogéria Nantes Braga Bolsonaro era vereadora do Rio de Janeiro pelo PMDB. Tentava a reeleição para seu terceiro mandato. Nas duas eleições anteriores, fora pelo nome e fama do seu então marido, ex-capitão, ex-vereador e então deputado federal, então pelo PPB, Jair Bolsonaro, que se elegera.

Ele lançara a mulher na política no início da década de 1990, no tempo em que se transferia do cargo de vereador carioca para a Câmara dos Deputados, onde está hoje, por mais de 25 anos. Foi quando ela passou a arrebanhar os votos que, antes, iam para o marido na eleição do Rio, somando, assim, mais um mandato e um salário à família.

Em 1997, o casal se separou. Os reais motivos da separação, só Rogéria e Bolsonaro podem saber. Na época, cada um apresentou uma versão, e o assunto virou notícia na imprensa. O deputado deu uma entrevista à revista “Isto é Gente”, contando o ocorrido segundo o seu ponto de vista:

“O relacionamento despencou depois que elegi a senhora Rogéria Bolsonaro vereadora, em 1992. Ela era uma dona de casa. Por minha causa, teve 7 mil votos e foi eleita. Acertamos um compromisso. Nas questões polêmicas, ela deveria falar comigo para decidir o voto dela. Mas começou a frequentar o plenário e passou a ser influenciada pelos outros vereadores. Eu a elegi. Ela tinha que seguir minhas ideias. Acho que sempre fui muito paciente, mas ela não soube respeitar o poder e a liberdade que lhe dei”.  

Quer dizer: segundo Bolsonaro, o relacionamento dos dois começou a despencar quando ele a elegeu vereadora, em 1992. Mas só veio a acabar mesmo em 1997. O motivo: ela deixou de obedecer a seus comandos no exercício de seu (segundo) mandato. Rogéria não soube respeitar o poder e a liberdade que ele havia lhe concedido. Isso o deputado disse à imprensa, está registrado.

A vida seguiu. Esposa ou não de Bolsonaro, fato é que Rogéria tomou gosto pela vereança. Mesmo divorciada, quis concorrer a um terceiro mandato, no ano 2000. Ocorre, porém, que ao deixar de ser esposa do ex-capitão, deixou também, aos olhos do hoje candidato a presidente do Brasil, de ser uma boa vereadora.

Então, na eleição municipal de 2000, quando a dita dona de casa tentava se eleger vereadora pela terceira vez, Rogéria deixou de contar com o apoio de Jair Bolsonaro. Naquele ano, o ex-capitão lançou outro candidato à Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Seu nome: Carlos Bolsonaro, seu filho, então um adolescente de 17 anos. Abaixo, a inscrição eleitoral do rapaz, protocolada na época junto ao TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral).

Carlos Bolsonaro tinha 17 anos quando seu pai o lançou na política no ano 2000. Era estudante do ensino médio, menor de idade. Para que pudesse se candidatar, de acordo com a lei, era preciso que fosse emancipado. Jair Bolsonaro então assim o fez, como noticiou a imprensa carioca na época. A partir daí, naquela eleição no Rio de Janeiro, a mãe Rogéria e o filho Carlos passaram a ser adversários, disputando o mesmo eleitorado: os simpatizantes do ex-capitão.

“Bolsonaro emancipou o filho para jogá-lo contra a mãe. Em seu grupo político, não há ninguém merecedor de sua confiança. Já que não é a (ex-)mulher, tem que ser o filho. Um menino ainda, sem o mínimo preparo, com o único objetivo de dizer aos seguidores do deputado-capitão que o seu preposto na Câmara Municipal não é mais a ex-mulher, mas sim o filho, disputando os dois o patrimônio eleitoral do parlamentar. Se isso não é nepotismo, o que é?”

Assim noticiou o fato, no dia 25 de setembro de 2000, o jornal carioca “Tribuna da Imprensa” (que deixou de circular em 2008), um veículo alinhado à direita, simpático a Bolsonaro, mas atento aos fatos, como se pode ver na imagem abaixo, ou em sua versão original, preservada pela Biblioteca Nacional.

No dia seguinte à publicação acima, ocorreu um incidente de violência política no Rio de Janeiro. Um cabo eleitoral de Rogéria Bolsonaro foi espancado por três homens enquanto panfletava na zona norte da capital fluminense. Seu nome: Gilberto Gonçalves, então com 47 anos, ex-militar e ex-amigo de Jair Bolsonaro. O próprio deputado apresentara a vítima a Rogéria, alguns anos antes, na década de 1980, quando Gonçalves prestava o mesmo serviço de cabo eleitoral ao ex-capitão, que tentava se eleger deputado pela primeira vez.

Rogéria Bolsonaro, um dia após o espancamento, não teve dúvidas em afirmar: seu correligionário fora espancado a mando de Jair, que estava inconformado com o fato de o ex-amigo ter-se bandeado para o lado de sua ex-esposa.

De acordo com o que testemunhou Rogéria Bolsonaro, que estava no local e presenciou toda a cena, Jair Bolsonaro passou pela rua onde Gonçalves estava panfletando e não gostou nada do que viu. Logo depois, chegaram alguns homens, dominaram e espancaram o cabo eleitoral.

“Isso prova o desequilíbrio mental e psicológico do deputado Jair Bolsonaro, que chegou a colocar o filho (Carlos Bolsonaro), de 17 anos de idade, para concorrer como vereador, pelo PPB, contra a própria mãe”, desabafou Rogéria.

Eis a descrição do episódio pela própria Rogéria, mãe de Carlos, em entrevista à imprensa carioca, como se pode ver na imagem abaixo, e também no acervo preservado pela Biblioteca Nacional.

Tudo isso virou caso de polícia, abriu-se um inquérito, que meses depois foi arquivado, sem que ninguém fosse fosse responsabilizado pelo espancamento, por “falta de provas”. Rogéria Bolsonaro não foi reeleita. Perdeu a cadeira para o filho adolescente, que recebeu 16.053 votos e entrou para a história como o vereador mais jovem da história do Rio de Janeiro.

Jair Bolsonaro, então, comemorou a vitória eleitoral sobre a mãe de seus filhos Carlos, Flávio e Eduardo, hoje todos parlamentares, acumulando mandatos à família. Na visão do ex-capitão, porém, aquela não tinha sido uma disputa em que um filho derrotara sua mãe. “Não foi uma eleição de filho contra mãe, mas sim de filho com o pai. Para mim, ela já está morta há muito tempo”, disse o “mito”, em entrevista amplamente divulgada pela imprensa na ocasião.

O Ministério Público Eleitoral tentou impugnar a diplomação do jovem Carlos. Alegou que a lei não permite que um menor de idade seja eleito parlamentar. Jair Bolsonaro e o filho recorreram da impugnação junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e saíram vitoriosos. A corte interpretou que a barreira etária prevista na lei se refere ao momento em que o candidato é diplomado no cargo, e não àquele em que se candidata. “A idade mínima de 18 anos para concorrer ao cargo de vereador tem como referência a data da posse”, proferiu o TSE.

Assim, em 1º de janeiro de 2001, data da diplomação, o filho de Rogéria já entrara na casa dos 18, e assim passou a fazer parte daquela legislatura e da história da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, conforme se lê no registro do jornal “O Estado de S.Paulo.