
A primeira produção brasileira na Netflix a ganhar real prestígio no exterior tem sido descrita como uma série feminista, e essa afirmação pode até parecer pretensiosa, mas que mulher resistiria à tentação de começar assim um texto sobre “Bom dia, Verônica”?
A série, baseada no livro dos autores Raphael Montes e Ilana Casoy, estreou em 190 países e está no “Top 10” da Netflix em mais de 40 regiões do mundo. No Brasil, tem 97% de aprovação.
Talvez você esteja pensando que se trata de uma série panfletária, politicamente correta e que só está sendo elogiada pela temática identitária, mas a verdade é que Bom dia, Verônica tem tudo: bons personagens, roteiro sem furos, ótimas atuações, temática impecável e Belchior na trilha sonora.
Sim, meus consagrados. Belchior.
A história de Verônica Torres (Tainá Müller), uma escrivã da Delegacia de Homicídios de São Paulo e que sonha em ser investigadora é o arco principal da série. Sua vida muda completamente quando ela investiga – mesmo que informalmente, uma vez que não é investigadora – o caso de um criminoso que usa um aplicativo de encontros para aplicar golpes em mulheres.
Na verdade, este é apenas um dos arcos secundários dessa história eletrizante.
Outros crimes contra mulheres são investigados por Verônica já na primeira temporada (um desses criminosos é o personagem de Eduardo Moscovis, um Tenente-coronel da PM que mantém a esposa em cárcere privado e a obriga a ajudá-lo a fazer outras vítimas).
O que ele faz com essas vítimas? Só assistindo pra saber, mas eu posso te adiantar que é mais estarrecedor do que você provavelmente consegue imaginar.
E não é só por falar sobre violência de gênero que Bom dia, Verônica tem sido chamada de uma “série feminista”: a produção traz personagens femininos fortes e cujas histórias são chave na trama, e a ideia de que mulheres devem escolher entre carreira e família é destruída nas entrelinhas – vide a própria Verônica, casada, mãe de dois filhos, mas dona dos próprios sonhos.
Trata-se de uma série sobre mulheres donas de si, que ajudam outras mulheres a reconciliarem-se consigo mesmas e retomarem o controle.
Ao contar a história de Verônica, a série toca em pontos tão fundamentais quanto inflamados do debate sobre violência de gênero, sobretudo no contexto do Brasil: abuso emocional, silenciamento, competição feminina, suicídio, sistema judiciário brasileiro, violência física, psicológica, emocional e patrimonial, fragilidades, luto… é tanta coisa que daria um suco de Brasil.
“Bom dia, Verônica” não deve nada às séries gringas do mesmo gênero (thriller), e ver produções BR estourando no exterior pode até ser surpresa para muitos, mas, para os verdadeiros apreciadores do cinema nacional, não passa de um reconhecimento legítimo, apesar de tardio.
Uma série brasileira, baseada em um livro brasileiro, com produção brasileira e que fala sobre um monte de coisas que o brasileiro definitivamente precisa ouvir: “Bom dia, Verônica” é imperdível.